Ensino superior: no MEC ou no MCT? (2)
20/11/2002
Universidades
no MEC, Contra a Mercantilização da Educação
Luis Carlos Gonçalves
Lucas (Presidente do Andes-SN/UFPel) e Roberto Leher (ex-Presidente do
Andes-SN /UFRJ)
Os educadores que
ousaram construir um Plano Nacional de Educação da Sociedade Brasileira, no
decorrer de quatro Congressos Nacionais de Educação (CONED), perplexos e
apreensivos, acompanham as notícias de que as universidades poderão ser
deslocadas para o Ministério da Ciência e Tecnologia. Essa orientação
colidiria com todos os encaminhamentos contra a mercantilização do ensino
produzidos ao longo dos ásperos anos 90 e coroaria o êxito das políticas
neoliberais.
As resoluções dos
CONED propugnam que é preciso desencadear um esforço de racionalização que
reorganize de alto a baixo a intervenção do Estado na educação, na produção
científica, na criação artística e na capacitação tecnológica, como exortara
Florestan Fernandes no início da década passada. O eixo dessa política seria
um Sistema Nacional de Educação (SNE) expresso no projeto de LDB da
sociedade brasileira, infelizmente derrotado no Congresso Nacional, que
aprovou a atual Lei 9394/96, na qual não está previsto um sistema
educacional articulado. A meta então em voga era a
desregulamentação-flexibilização, em benefício do setor privado.
Com o objetivo de
fragmentar as iniciativas educacionais, o Banco Mundial, por intermédio do
MEC, promoveu a descentralização da oferta da educação e, ao mesmo tempo,
criou um sistema centralizado de avaliação para manter a educação sob seu
controle. Quanto às universidades, o propósito passou a ser a autonomia das
mesmas como pensada por Hayek: para operar livremente no mercado, sem
amarras estatais, para que, em curto prazo, as organizações pudessem
caminhar com os próprios pés (ver PEC-370/96).
Na realidade, o
fracionamento da educação já havia sido iniciado, de modo mais agudo, por
Collor de Mello, José Goldenberg e Eunice Durhan, que pretendiam deslocar as
universidades para a área de ciência e tecnologia. Como Collor tentara
suprimir o INEP, a CAPES e o próprio MCT, foi possível unificar a reação ao
desmonte e os referidos órgãos foram mantidos, ainda que em estado
vegetativo: enquanto as fronteiras do país eram abertas, expondo as empresas
nacionais à competição externa, as verbas para a pesquisa foram
drasticamente reduzidas, chegando, em 1992, a um terço do valor que tinham
em 1987. No caso das universidades federais, a mobilização assumiu grandes
proporções, em particular por meio da grande greve de 1991, assegurando a
manutenção dessas instituições no âmbito do MEC.
A reforma do Estado,
empreendida por FHC, buscou esquartejar os centros de pesquisa e as
universidades. Em suas primeiras versões, conforme noticiado à época, a
reforma administrativa pretendia reconfigurar inteiramente o setor: o MCT
seria transformado em Secretaria, a FINEP e a pesquisa tecnológica iriam
para o Ministério da Indústria e Comércio. Novamente, a reação da comunidade
impediu essa reforma. Contudo, aos poucos, o MCT tem sido transformado em
coadjuvante do setor produtivo. Com as privatizações, muitos centros de
pesquisa e desenvolvimento das antigas estatais foram extintos e, desse
modo, o vazio poderia ser preenchido mediante a ressignificação das
universidades públicas como setor de serviço, atendendo a demandas de
“adequação” de pacotes tecnológicos e de formação aligeirada de mão-de-obra.
Com efeito, a política
de C&T, valendo-se de um eufemismo, ciência, tecnologia e inovação (CT&I),
deslocara-se para pesquisa e desenvolvimento, sob controle privado, no
âmbito do Conselho Nacional de Ciência e Tecnologia (CCT, Lei 9257/96). O
objetivo seria melhorar a competitividade do país. É nesse ambiente que a
Finep promove o Programa Educação para a Competitividade. Tudo é mercado,
tudo é lucro. Adiante, foram criados os Fundos Setoriais que induzem à
conversão das universidades em organizações sociais privadas. A Greve
Nacional das Instituições Federais de Ensino Superior de 2001 impôs um revés
neste objetivo, porém logo um novo estratagema foi construído: o Projeto de
Lei de Inovação Tecnológica (PL 7282/02), medida síntese de toda a política
de subordinação da C&T ao capital. Os gestores da área parecem esquecer que,
mesmo nos EUA, onde as universidades são dotadas de orçamento na casa de
bilhões de dólares, as inovações vindas de forma mais ou menos direta das
universidades não chegam a 10% do total. No Brasil, com os Fundos e a nova
lei, as universidades seriam o paraíso dos empreiteiros acadêmicos. Mas
deixariam de ser universidades.
Em um esforço sério de
reorganização de alto a baixo da área, a mudança na política de C&T teria de
ser profunda. A área de Inovação deveria ter tratamento específico, não
podendo ser confundida, em nenhuma hipótese, com a pesquisa universitária,
visto que esta tem de ser orientada por outros princípios e valores. Essas
instituições interagem, mas não se confundem. Por outro lado, urge vincular
as universidades de forma estreita ao ensino básico e tecnológico. Esses
níveis e modalidades, uma vez articulados, poderiam produzir uma sinergia
positiva, capaz de servir de emolumento à revolução educacional necessária.
Cumpre registrar que, embora insuficientes, em virtude da desvinculação de
vários tributos e do fundo de estabilização, os montantes de recursos
constitucionalmente destinados nos âmbitos federal (18% da receita advinda
de impostos), estadual (25%) e municipal (25%) para os órgãos
responsáveis pela educação (LDB) (e não para o MCT) não são
negligenciáveis. Hoje, mais do que em qualquer outra época, esta é uma
política que tem de ser feita pela esquerda, pois os conservadores, após a
barbárie neoliberal, não podem mais empunhar a bandeira da educação pública.
No entanto, seria um grave erro subestimá-los. As notícias de que as
universidades poderiam ser deslocadas para a órbita produtiva comprovam a
debilidade da crença de que o neoliberalismo é uma página virada da
história. Seria inconcebível que o governo de Lula da Silva tentasse
implementar uma medida dessa envergadura sem promover um debate democrático
com a sociedade.
É preciso ousadia para
não sucumbir às ideologias dominantes. E os educadores brasileiros, ao
construírem um PNE unitário, capaz de moldar um sistema nacional de educação
democrático e com qualidade social, comprovaram que têm disposição de
prosseguir na luta pela causa da educação pública!
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