Ensino superior: bem público ou serviço? Este ano, o assunto esteve presente em diversas reuniões de representantes de universidades latino-americanas e européias, como a III Cumbre (Reunião Ibero-Americana de Reitores de Universidades Públicas), realizada em Porto Alegre em abril, que reuniu 14 IES, e a convenção do Projeto Columbus, realizada em Lima (Peru), em julho, onde estiveram presentes 60 reitores. Dias 27 e 28 deste mês, mais um encontro será realizado; dessa vez, na Universidade de Córdoba, na Argentina, promovido pela AUGM (Associação das Universidades do Grupo Montevidéu). A UFRGS (Universidade Federal do Rio Grande do Sul) pretende realizar outro debate às vésperas do Fórum Social Mundial, que acontece em janeiro. Por enquanto, entre os países contrários à medida estão Canadá e França. O Brasil ainda não se posicionou oficialmente. Entretanto, o professor da UFSCar (Universidade Federal de São Carlos) e um dos coordenadores de Educação da campanha do presidente eleito Luís Inácio Lula da Silva, Newton Lima Neto, afirma que é totalmente contra a medida. "A visão que o governo Lula tem da Educação é a de que ela é um direito, um bem, e não uma mercadoria. Vemos como inadmissível esta idéia da OMC de incluir a Educação na lista de serviços. Isso a tornaria um simples comércio". Segundo ele, o futuro governo concorda com a posição da Unesco (Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura), que é a de que não é possível um país em desenvolvimento abrir mão do Ensino Superior público e dos investimentos neste, sob pena de comprometer sua soberania. O Presidente da Câmara de Educação Superior do CNE (Conselho Nacional de Educação) e diretor da Fundação Cesgranrio em São Paulo, Arthur Roquette de Macedo, vai ainda mais longe. "Esta inclusão, além de um risco para a Educação, é um risco para o próprio desenvolvimento do país. Ao atrelar seu Ensino Superior à OMC e ficar obrigado a seguir as regras do Gats, ele deixa de ter a possibilidade de desenvolver um projeto educacional autônomo e que sirva aos interesses de seu país e de sua população. A Educação é uma área estratégica para os paises. É muito mais importante do que qualquer atividade comercial. Portanto, deve ser colocada acima do comércio". Há os que afirmam que o Ensino Superior brasileiro praticamente já se transformou em um comércio e que, portanto, não sofreria muitas mudanças caso isso ocorresse. Em maio deste ano, em cartas públicas trocadas com a presidente da SBPC (Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência), Glauci Zancan, que pedia esclarecimentos sobre o tema ao presidente Fernando Henrique Cardoso, o Ministro das Relações Exteriores e professor titular da Faculdade de Direito da USP (Universidade de São Paulo), Celso Lafer, declarou: "as negociações para a liberalização deste setor não deveriam trazer, em princípio, maiores problemas para o Brasil, uma vez que o setor já se encontra liberalizado nos termos do Gats, ou seja, não há restrições de acesso a mercados (conforme prevê o artigo XVI do Gats) ou de Tratamento Nacional (art. XVII) na legislação brasileira vigente. Dessa forma, embora o Brasil não tenha assumido nenhum compromisso no setor de serviços educacionais, o máximo que poderia ser objeto de pedido ao Brasil pelos demais membros da Organização nas negociações seria a consolidação da situação regulatória vigente. Note-se que, no Gats, não se coloca qualquer restrição à prerrogativa de o país regulamentar o setor de serviços educacionais, desde que as medidas adotadas não contenham restrições de Acesso a Mercados ou de Tratamento nacional". "Muitas regras do Gats são diferentes dos interesses nacionais e regionais brasileiros. É um risco para o nosso projeto de desenvolvimento aderir a esta proposta. Não sou contra a co-existência dos sistemas público e privado de Ensino Superior, desde que regulamentadas pelo Estado. Além disso, o sistema privado deve entender a Educação Superior como uma concessão", opina Macedo. "Também não vejo como impor penalidades a quem não aceite. Acho importante não aderirmos", completa. Para Neto, se o Brasil aceitasse a proposta da OMC, a Educação seria comercializada como qualquer outra mercadoria, como farinha e automóvel. "Se concordássemos com isso, além das IES estrangeiras poderem vir aqui implantar campi próprios ou a OMC criar uma espécie de `certificado de qualidade´ para as instituições, ocorreria uma profusão de cursos via internet vindos de outros países com interesse claramente comercial - também com metodologias, concepções e anseios dos países promotores desses cursos. E, se tudo isso estivesse conforme as normas do Gats, não poderia haver qualquer controle ou regulamentação do poder público nacional. Os estados não podem permitir que a qualidade do ensino seja afrontada dessa forma". Os opositores da medida destacam que não se trata de ser contrário ao intercâmbio de professores, alunos e cultura. A reitora da UFRGS, Wrana Maria Panizzi, afirma que a formação de redes de investigação, a mobilidade docente e estudantil e outras formas de intercâmbio científico e cultural sempre foram, e continuam sendo, valorizados por sua instituição. "O que está em questão é o destino do conhecimento como patrimônio social e da Educação como um bem público", diz. "Estão em jogo, portanto, além de nossa concepção de universidade, nossas convicções sobre a importância da pesquisa para o Ensino Superior e do papel da colaboração internacional para as universidades, para o desenvolvimento social e econômico do povo e para a afirmação de nossa identidade cultural", declara. Newton Lima Neto reitera as palavras da reitora. "Somos favoráveis e sempre promovemos o intercâmbio de alunos de graduação, pós-graduação e professores. A troca cultural, educacional e científica é indispensável para as universidades porque a educação e ciência são bens da humanidade. Por isso mesmo, não podem ser transformadas em comércio", conclui.
Fonte: Portal Universia - ANDES-SN. |