NOTA PÚBLICA DO
ANDES-SN
O boicote estudantil é um ato de defesa da educação pública A avaliação acadêmica das instituições de ensino superior e da qualidade da educação é um anseio da comunidade acadêmica comprometida com a educação pública de alta qualidade e com o controle social da educação. Contudo, desde o final dos anos 80, os organismos financeiros internacionais e os governos neoliberais de toda a América Latina têm-se apropriado desse anseio para convertê-lo em um instrumento para impulsionar as reformas educacionais encaminhadas pelo Banco Mundial. Além de ser um meio para impor a eficiência gerencial das instituições em moldes empresariais e legitimar cortes de recursos públicos, essa pretensa avaliação tem sido um poderoso meio de conformar o que é dado a pensar nas universidades e, por conseguinte, um recurso para tentar legitimar o pensamento único nos campi universitários. O ENADE está inscrito no rol dessa avaliação que chegou ao Brasil com o ajuste “estrutural” decorrente da crise da dívida de 1982. O seu objetivo é heteronômico, confrontando diretamente a autonomia universitária constitucionalmente assegurada, o seu método de encaminhamento é antidemocrático e como instrumento de avaliação é incompatível com o fazer acadêmico. Cumpre destacar que o exame dos estudantes é parte de um sistema mais amplo, o SINAES (Lei 10.861/04), imposto por Medida Provisória e coordenado por uma comissão nacional (CONAES) de caráter inteiramente governamental. A regulamentação do ENADE tornou patente o seu caráter autoritário. Os dirigentes que se recusarem a aplicar o exame podem ser punidos pelo Ministro que tem o poder de destituir o dirigente, independentemente das decisões autonomamente estabelecidas pela instituição. Ademais, o exame passou a ser um componente curricular obrigatório que, inclusive, prevê a não-concessão do diploma estudantil. Em conformidade com a cultura individualista e da livre concorrência, o exame prevê a autorga de distinções e prêmios para os melhores, promovendo o ranqueamento, tanto de estudantes como de instituições. Esse caráter instrumental e de cunho empresarial foi logo compreendido pelos mercadores da educação. Atualmente, a maior parte das instituições privadas de caráter mercantil já utiliza o ENADE como um suporte para suas estratégias publicitárias e, conforme pesquisas, está majoritariamente satisfeita com o novo instrumento que é defendido de modo veemente pelo Fórum Nacional em Defesa da Livre Iniciativa da Educação. Na condição de componente curricular obrigatório, o ENADE define, à revelia da instituição, a natureza e o caráter dos currículos e das prioridades de formação, afrontando, abertamente, a autonomia didático-científica das instituições. Essa definição abre caminho para uma maior presença de empresários e setores particularistas na educação superior brasileira. A exemplo do Exame Nacional de Cursos (provão), as instituições privadas desprovidas de legitimidade passam a se imiscuir na definição da avaliação, fato agravado pela ausência de autonomia do INEP frente ao governo Federal. O interesse dos empresários nesse tipo de avaliação pode ser explicado pelo uso desse instrumento pelo mercado na contratação de profissionais. Consoante com os seus objetivos afins aos dos empresários, esse instrumento serve tão somente para legitimar uma educação desprovida de qualidade. Os objetivos e os indicadores da avaliação foram tão mal-elaborados que o ENADE produziu o seguinte paradoxo: no último exame, surpreendentemente, a nota do exame do conhecimento específico da maior parte dos cursos foi maior entre os estudantes ingressantes do que entre os que estão perto da conclusão do curso, levando a crer que a universidade impõe a ignorância no lugar do saber. A convocação do boicote por uma série de Executivas estudantis tem de ser saudada como um gesto em defesa da universidade pública de alta qualidade e de sua autonomia. Essa avaliação padronizada é uma agressão à autonomia, favorece a publicidade de empresas inescrepulosas, promove o ranqueamento e a cultura empresarial, premiando a falsa qualidade e impondo o pensamento único. Por uma avaliação de verdade, o ato de resistência estudantil e das instituições que se recusaram a compactuar com essa farsa é um gesto em defesa da qualidade da educação brasileira. O ANDES-SN está junto nessa luta!
Brasília, 31 de outubro de 2005 DIRETORIA DO ANDES-SN Fonte: Andes-SN |