A mídia está devendo uma explicação à sociedade desde quinta-feira passada, quando o governo anunciou em grande estilo os novos depósitos de petróleo na bacia de Santos. Na verdade trata-se de uma notícia requentada, anunciada em julho do ano passado, no auge da temporada eleitoral. Como bom vendedor, o governo agora preferiu esquecer que o produto era de segunda-mão e apresentou-o como novo, zero quilômetro. Os portais, rádios e telejornais de quinta comeram mosca porque no dia seguinte, sexta, O Globo mostrou que a nova descoberta era uma velha descoberta. E até domingo, passados quatro dias, nenhum veículo – inclusive o próprio Globo – cobrou do governo um esclarecimento. Exceto alguns colunistas isolados. A omissão não diminui a enorme importância da descoberta, mas desvenda os procedimentos de propaganda do governo. E talvez explique porque o caudilho Chávez gozou o presidente brasileiro chamando-o de "magnata do petróleo". Chávez sabia que o novo campo é o mesmo do ano passado, mas aos operadores políticos e especuladores do mercado de capitais não interessava diminuir a repercussão do anúncio. E por que a mídia não denunciou a manipulação? Simplesmente porque o fim de semana é um buraco negro: o que se publica não é o que acontece, o que acontece não é o que se publica.
Fonte: Observatório da Imprensa, Alberto
Dines, 12/11/2007. É só teste ... mas dá para comemorar
O
governo anuncia que a Petrobras achou muito petróleo à profundidade de quase
Com o petróleo custando quase 100 dólares o barril, a busca pelo combustível fóssil está levando as empresas a abrir fronteiras antes apenas sonhadas. Uma delas é o Ártico, cujas reservas estão mapeadas e até assinaladas com bandeiras por países cobiçosos das riquezas de suas entranhas geladas. Na semana passada, o mundo soube que a Petrobras conseguiu extrair petróleo de uma profundidade de 7.000 metros, algo tão descomunal que equivaleria quase ao Monte Everest abaixo da linha d'água – e em mar alto. A empresa petrolífera brasileira foi a primeira a dominar a tecnologia de prospecção em profundidade – 2.000 metros – e agora caminha para ser líder mundial também em superprofundidade arrancando petróleo de depósitos lacrados a sete chaves pela natureza. "Existem poucos lugares no mundo em que se consegue extrair petróleo de águas profundas. O Brasil é um deles e, por isso, tem sorte. Como só a Petrobras desenvolveu a competência para extrair desse tipo de reserva, os brasileiros merecem colher os benefícios disso", disse o geólogo Colin J. Campbell, Ph.D. da Universidade de Oxford e um dos maiores especialistas em petróleo do mundo, ao repórter Victor De Martino, de VEJA. O que brotou das profundezas, por enquanto, são amostras de petróleo de alta qualidade vindas de poços de teste de uma área de prospecção conhecida como Tupi, localizada a 180 quilômetros da costa perto da Bacia de Santos, no litoral paulista. Mas para os experimentados geólogos da Petrobras é indício suficiente para comemorar. "Essa descoberta muda o país de patamar no mercado internacional. Provavelmente teremos de reavaliar e até ampliar nosso plano de investimentos", diz Sergio Gabrielli, presidente da Petrobras. Para chegar ao petróleo, as sondas da empresa furaram enormes camadas de rocha e atravessaram uma gigantesca barreira subterrânea formada de sal. Por isso se diz que o óleo foi achado no pré-sal. As pesquisas na região continuam e, dentro de dois anos, será conhecida a real extensão dos depósitos. Depois disso, serão necessários mais quatro anos para que o petróleo pré-sal brasileiro possa ser bombeado em volume comercial a um custo competitivo. Isso é um ponto vital. Mesmo com o barril a 100 dólares, será preciso ainda muito aprimoramento tecnológico para extraí-lo de 7.000 metros de modo competitivo. Quando a profundidade de exploração duplica, por exemplo, de 2.000 para 4.000 metros, o custo da operação triplica. Mas os especialistas são unânimes em dizer que, ainda assim, vale muito a pena. O primeiro poço dessa profundidade custou à Petrobras 240 milhões de dólares e levou um ano para ser concluído. O custo caiu para 60 milhões e o prazo de conclusão para dois meses. Podem cair mais. Além disso, os custos são rateados com as sócias da Petrobras naquela área, a inglesa BG Group (25%) e a portuguesa Galp Energia (10%). A área de Tupi abrigaria reservas de 5 bilhões a 8 bilhões de barris de petróleo. Isso mudaria a posição do Brasil no mercado mundial de importador a exportador. Parece um volume estrondoso. Mas o mundo é sedento por petróleo, e ao ritmo atual de consumo global de 86 milhões de barris por dia toda a reserva de Tupi seria consumida em apenas três meses. A grande aposta de todos é que exista petróleo naquela rocha abaixo da camada de sal não apenas em Tupi, mas em toda a região que vai da costa de Santa Catarina à costa do Espírito Santo. Se Tupi for apenas uma amostra das riquezas dessa enorme região, então haverá motivos para o otimismo típico e legítimo que domina os governantes quando se encontra petróleo – mesmo que seja o mais pálido sinal dele. "Modificamos o paradigma geológico do país. É uma descoberta que terá importância para todas as gerações do Brasil", disse a ministra Dilma Rousseff. Mas pode-se tomar o todo pela parte? Se tem petróleo fino brotando dos poços na área de Tupi, haverá em toda aquela região? É uma aposta. Nesse cenário positivo, a região estaria produzindo daqui a seis ou sete anos mais de 70 bilhões de barris. Isso levaria o Brasil da 24ª posição entre os países produtores para o nono lugar, à frente da Nigéria e dos Estados Unidos. É preciso ir devagar com o andor. A história mostra que nesse ramo nem sempre tudo sai conforme o figurino. Em 1978, a British Petroleum, então com um contrato de risco com o governo Geisel, anunciou ter encontrado petróleo na Bacia de Santos em rocha pré-sal, a 5.000 metros de profundidade... Será o mesmo petróleo que se anuncia agora? Melhor que não. A exploração de um campo de petróleo obedece a um árduo cronograma que pode levar até dez anos entre a prospecção e o óleo jorrando na plataforma. Para que se possa contabilizar cada barril de petróleo debaixo do solo como reservas provadas – o que muda a posição do país no ranking dos produtores – é necessário percorrer as seguintes etapas:
A descoberta veio
acompanhada de um travo um tanto amargo de regresso a um tempo em que a mão
do estado era dominadora na economia. A começar por uma reunião do Conselho
Nacional de Política Energética, que ocorreu nas dependências da Petrobras.
Embora seja estatal, ela é apenas mais uma das empresas do setor. O
presidente da Petrobras, Sergio Gabrielli, explicou que somente ali havia as
condições para a apresentação dos gráficos, filmes e todo o material
produzido em três dimensões que comprovam a extensão da descoberta. O
mal-estar no mercado também ocorreu quando se anunciou que o CNPE retiraria
da próxima rodada de licitações de áreas de exploração de petróleo os blocos
vizinhos do campo de Tupi. Estão habilitadas 66 empresas, entre as quais
investidores pesos-pesados como a Vale do Rio Doce e a OGX, do empresário
Eike Batista. "Problemas como esse criam uma expectativa desfavorável dos
investidores em relação ao Brasil", diz o advogado Paulo Valois,
especialista em energia e infra-estrutura. Essa questão deverá se resolver
ao cabo de uma guerra de interpretações das regras. Mas a briga para
participar de prospecção na área contígua a Tupi é mais um sinal de que ali
tem mesmo petróleo explorável. Seria bom para todos. O SIGNIFICADO DAS RESERVAS O petróleo espalha-se de forma desigual pelo subsolo do planeta. Vem daí apenas parte da dificuldade de estabelecer ao certo a quantidade disponível em cada campo que se descobre. Tanto é assim que a informação mais segura que se pode alcançar, como por exemplo o total de petróleo garantido para exploração no mundo, tem apenas 90% de certeza. São as chamadas reservas provadas. É com base nessa informação que se fazem os planejamentos energéticos e se pode deduzir por quanto tempo a humanidade ainda poderá aplacar sua sede por combustíveis fósseis.
A reserva que se
descobriu agora estava há bilhões de anos intocada abaixo da camada de
rochas salinas que começou a se formar no momento em que a África e a
América se separaram. Ao contrário do que aconteceu em outros locais do
litoral brasileiro, naquele ponto não houve um deslocamento de placas que
abrisse brechas pelas quais o petróleo pudesse subir a níveis mais próximos
da superfície. Nos próximos anos será possível confirmar sua real extensão.
Fonte: Rev. Veja, Ronaldo França, ed. 2034, 14/11/2007. Com reportagem de Ronaldo Soares.
'Economist': Petróleo mostra que 'Deus pode mesmo ser brasileiro'
Reportagem publicada na edição desta semana na revista britânica The
Economist comenta “As florestas do Brasil são maiores do que as de qualquer outro. Seu solo é tão fértil que algumas árvores chegam à plena maturidade mais rápido do que as pessoas. Debaixo de seu solo há enormes depósitos minerais que são a matéria prima para o crescimento chinês de dois dígitos. O Brasil já está no caminho para se tornar uma superpotência da energia alternativa”, lista a revista. “E como se provasse o dito popular de que ‘Deus é brasileiro’, agora parece que há bilhões de barris de petróleo a mais do que se pensava antes sob as águas profundas da costa brasileira”, diz a reportagem. A Economist observa que a exata dimensão do novo campo ainda é desconhecida, mas que se as estimativas da Petrobras estiverem corretas, já seria maior do que todas as reservas da Noruega e representam a segunda maior descoberta de petróleo no mundo em duas décadas. Reforço na economia A reportagem relata as dificuldades técnicas para a extração do petróleo de Tupi, debaixo de uma grossa camada de sal, mas afirma que “é razoável assumir que a economia brasileira e sua moeda terão um reforço quando o petróleo começar a fluir, como é esperado, em 2010”. “A descoberta pode também mover a balança de poder na América do Sul mais ainda em favor do Brasil”, diz o texto “Já auto-suficiente em petróleo, o Brasil deve agora se tornar um exportador significativo. Isso pode reduzir a influência na região do rico em petróleo presidente da Venezuela, Hugo Chávez”, afirma. A revista comenta, porém, que “em meio à euforia”, houve suspeitas sobre o momento escolhido para o anúncio da descoberta da Petrobras. “Menos de uma semana depois, a companhia anunciou resultados financeiros ruins, com um lucro 22% mais baixo comparado com o mesmo trimestre do ano anterior”, diz o artigo. A revista observa ainda que a Petrobras também enfrenta “crescentes dificuldades para suprir gás natural às usinas termelétricas, especialmente desde a quase-nacionalização dos seus campos na Bolívia, no ano passado”. “Algumas pessoas vêem o anúncio sobre o campo de Tupi como uma tentativa de desviar a atenção sobre isso”, diz o texto. Fonte: BBCBrasil, 16/11/2007. Artigo original:
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