Educação
Educar é medir, ter metas e cobrar
Novo
indicador do MEC diz quanto cada escola do país deve progredir
Mede-se
de tudo em sociedades modernas: do nível de riqueza do país aos hábitos
à mesa de sua população. Indicadores ajudam a traçar cenários para a
economia que orientam decisões em empresas e governos. Dados
socioeconômicos dão contornos às políticas públicas. Até a década de 80,
o Brasil era ainda um país pouco afeito a estatísticas, limitado a
números produzidos a cada dez anos por meio dos censos. Sobre as escolas
brasileiras, sabia-se que eram assoladas por taxas de repetência
similares às de países africanos. E só. Apenas em 1990 surgiu o primeiro
medidor no país para aferir a qualidade da educação, o Saeb, seguido de
uma leva de avaliações durante o governo Fernando Henrique Cardoso.
O governo Lula |
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Aula na escola Guiomar Neves, campeã no
ranking: oito horas de estudo por dia. |
intensificou ainda
mais as medições, o que permitiu, enfim, enxergar com precisão as
deficiências em sala de aula em todos os níveis de ensino. Na semana
passada, o Ministério da Educação (MEC) divulgou um novo ranking de
escolas públicas de ensino fundamental – o mais completo já feito no
país. É o mais recente dos medidores oficiais, o Ideb. Os especialistas
o definem como um avanço em relação aos outros: ele não só mostra um
panorama da educação brasileira como, pela primeira vez, estabelece
metas objetivas para 46.000 escolas públicas do país. É um sistema de
cobranças e incentivos. As escolas que superarem a meta receberão mais
verbas. Resume o ministro Fernando Haddad: "O objetivo é fazê-las chegar
em quinze anos ao padrão dos países desenvolvidos". |
O estímulo para que as
escolas brasileiras elevem o nível vem em boa hora. O Ideb mostra que elas
ainda estão a anos-luz da excelência. Eis o pior dado: a média geral,
segundo o novo medidor, não passou de sofríveis 3,8 (numa escala de zero a
10). Raríssimas escolas da lista não tiraram nota vermelha na avaliação.
Mais precisamente, 178 delas, solitárias ilhas de bom ensino que conseguiram
cravar notas acima de 6 – a média da OCDE (organização que reúne países da
Europa e os Estados Unidos). Sim: apenas 0,3% das escolas brasileiras oferta
ensino de qualidade comparável ao que predomina nas salas de aula dos países
mais ricos. Sobre elas, o levantamento do MEC traz um dado surpreendente: o
melhor ensino público do país não aparece apenas nas escolas que recebem
mais dinheiro do governo ou ficam nas maiores cidades do país, mas, também,
naquelas sediadas em municípios mais pobres e menos conhecidos. Esse é o
caso da metade das escolas que fugiram da zona de notas vermelhas, segundo o
Ideb. O resultado ajuda a derrubar um velho mito, o de que só há bom ensino
onde sobra dinheiro.
Biblioteca do Colégio Dom Pedro II, no
Rio de Janeiro: os alunos lêem dez livros por ano. |
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Ao revelar o mapa
da excelência, o novo medidor do MEC também tem o mérito de jogar luz
sobre práticas que levam ao sucesso escolar. A maioria delas não é
mirabolante – tampouco é dispendiosa. As boas escolas, sobretudo as do
interior, costumam enfrentar suas mazelas com o esforço de gente como
Milena Ferreira, 26 anos, diretora do colégio Helena Borsetti, em Matão,
no interior de São Paulo. É a terceira melhor do país, no ciclo de 1ª a
4ª série, segundo o Ideb. Para sanar a falta de uma biblioteca, Milena
liderou na cidade um mutirão para arrecadar livros. O saldo: 800 volumes
doados em uma semana. Eles ficam à disposição dos alunos em duas caixas
de papelão. "As crianças amam ler", orgulha-se a diretora. O exemplo de
Matão ilustra uma idéia bastante propagada no mundo acadêmico: a de que
diretores engajados às questões do ensino são a alma de uma boa escola.
Um levantamento com as vinte campeãs no Ideb mostra que todas elas estão
sob o comando de um diretor que está no cargo há pelo menos três anos.
Nas outras escolas do país, a média é de um novo diretor por ano.
Conclui Maria Helena Guimarães, secretária de Educação no Distrito
Federal: "Educador bom é aquele que leva o trabalho às últimas
conseqüências e se responsabiliza pelos resultados". |
O Ideb mostra, em
suma, que bom ensino não depende de soluções mágicas, mas, sim, de empenho.
Nas escolas campeãs, a equipe de educadores certamente trabalha mais (e
queixa-se menos) do que a média nacional, os pais são mais entusiastas da
rotina escolar e os estudantes passam mais tempo em sala de aula. Colégio
número 1 no ranking de 1ª a 4ª série, o Ciep Guiomar Gonçalves Neves oferece
há cinco anos período integral. A decisão de esticar a jornada de estudos
foi tomada em conjunto com os pais (e não significou um centavo a mais à
folha de pagamento). Os professores apenas seguiram com o estabelecido em
contrato: quarenta horas semanais dedicadas ao colégio. A campeã está
sediada em um dos vários cenários improváveis para a excelência acadêmica
revelados pelo Ideb. Fica em Trajano de Morais, município de 10.000
habitantes a 250 quilômetros do Rio de Janeiro, onde se vive do cultivo de
frutas e legumes. Os pais dos estudantes ganham em média dois salários
mínimos por mês – e muitos não venceram as primeiras séries do ensino
fundamental. Ainda assim, a escola consegue o feito de formar alunos com
raro entusiasmo pelos estudos. Um dos melhores da turma, o estudante Marco
Aurélio do Amaral, de 12 anos, tem a reputação de prodígio da matemática e
traduz o clima local: "As aulas são ótimas".
De novo, o Ideb remete
à idéia do esforço para chegar ao bom ensino. Em escolas campeãs, como a
de Marco Aurélio, os professores não só cultivam o hábito de preparar as
aulas (básico, porém raro no país) como também estudam mais. Enquanto
32% dos professores brasileiros nunca pisaram numa universidade, nas
vinte melhores escolas do país 92% têm diploma de graduação, sendo que
63% poliram seu currículo com uma especialização. Em alguns casos, o que
os atrai às boas escolas é um fator meramente subjetivo: "Elas levam o
ensino a sério". Noutros casos, essa elite de professores é motivada por
meio de bons planos de carreira, como o do Colégio de Aplicação da
Universidade Federal do Rio de Janeiro (CAp), campeão no ranking de 5ª a
8ª série. Tem-se lá um sistema |
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Colégio de Aplicação
da UFRJ: escolas federais vão bem no Ideb. |
raro – e de bom
resultado. A cada nova especialização, os professores ganham aumento de
salário e licença de até quatro anos para prosseguir com os estudos. Com
esse tipo de política, o CAp segura em seus quadros profissionais como a
professora Ana Lúcia Mayor, de 44 anos, doutora em literatura. "Aqui se
valoriza o mérito." A professora pertence a uma minoria de escolas
patrocinada pelo governo federal. Elas recebem quatro vezes mais
dinheiro do que os outros colégios e emplacaram oito das vinte campeãs
do novo ranking. |
Um indicador como o
Ideb não só contribui para divulgar os bons exemplos como também revela,
para a maioria das más escolas, o abismo que as separa da excelência. O
diagnóstico oficial deveria servir como ponto de partida para uma mudança
nos rumos em sala de aula. O problema é que, no Brasil, medidores como o
Ideb costumam passar em branco nas escolas – boas e ruins. Ao ouvir que o
colégio municipal Esfinge, de Lauro de Freitas, na Bahia, havia aparecido em
último lugar no ranking do MEC, com média 0,1 (sim, na mesma escala de zero
a 10), Nailma dos Santos indagou: "Ideb? É um novo canal de televisão?".
Detalhe: Nailma é a diretora da escola. Ao ignorar a existência do novo
indicador, ela também não levará em conta a meta estipulada pelo MEC para
que sua escola suba de nível. Deveria. No fim do 3º ano do ensino
fundamental, as crianças de lá ainda aprendem as primeiras sílabas. A escola
de Lauro de Freitas não é a única do estado no ranking das vinte piores do
país: são ao todo dez escolas baianas na rabeira (o estado só ficou à frente
de Alagoas). Outra que fracassou foi a estadual Celina Pinho, de Salvador.
Em meio a uma greve de professores que já passou de um mês, a escola é palco
de violência entre os estudantes – e de salas abandonadas. Questionado sobre
o paradeiro da diretora, um aluno que havia decidido atender o telefone
respondeu: "Foi passear".
Escola Celina Pinho,
em Salvador: "A diretora foi passear". |
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Os dois péssimos
exemplos vindos da Bahia infelizmente não são os únicos revelados pelo
MEC. O conjunto deles não deixa dúvida sobre a urgência de um medidor
como o Ideb passar a ser levado a sério. A experiência mostra que
indicadores do gênero têm sido ignorados no Brasil não apenas por
desconhecimento mas, principalmente, pela aversão a levantamentos cujos
dados permitem montar rankings, indicadores de quem está fazendo mais
com o mesmo e até com menos. O discurso-padrão de professores e alunos
que preferem boicotar as avaliações baseia-se na ladainha ideológica
segundo a qual é "injusto" comparar instituições egressas de realidades
tão diferentes ou "humilhar" as piores ao dar visibilidade a seus
fracassos. Esse discurso não cola |
mais. Eles ignoram o
que há décadas se depreendeu da experiência internacional. Os rankings
têm gerado em outros países uma saudável competição entre escolas e
universidades – e servido como estímulo para que as piores elevem o
nível das aulas. No Brasil, país lembrado como um dos melhores em
avaliações do ensino, tem-se ainda efeito quase nulo dos vários
indicadores disponíveis. "Até hoje, nenhum deles teve uso prático", diz
o ex-ministro da Educação Paulo Renato Souza. Espera-se que agora, com a
cobrança de metas, as escolas passem a prestar mais atenção nos números.
Elas serão reavaliadas a cada dois anos. Segundo o MEC, todas deverão
chegar à nota 6, média do mundo desenvolvido, até 2022. O Ideb mostra
que lhes resta, ainda, um longo caminho pela frente. |
As várias medidas da
educação
Além do novo Indice de
Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb), o MEC aplica outras cinco
avaliações para testar os estudantes e auferir a qualidade do ensino – em
geral, péssima. Eis a lista:
NO ENSINO BÁSICO
IDEB (Indice de
Desenvolvimento da Educação Básica)
O que é: um novo
indicador que resulta do cruzamento das notas dos estudantes na Prova Brasil
ou no Saeb com a taxa de aprovação dos alunos. Serve para medir a qualidade
do ensino por escola, município e estado – e é o primeiro a estabelecer
metas para sua melhoria.
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ENEM (Exame Nacional
do Ensino Médio)
O que é: uma prova
anual para medir o nível dos estudantes de escolas públicas e particulares
ao fim do ciclo básico. Faz quem quer. Os alunos podem usar a nota no exame
para pleitear bolsas universitárias no MEC e ingressar em 23% das faculdades.
PROVA BRASIL
O que é: o único exame
oficial que abrange alunos de 41.000 escolas públicas de ensino fundamental
do país. Com base no resultado dos estudantes, cada escola recebe uma nota e
um lugar no ranking nacional.
SAEB (Sistema de
Avaliação da Educação Básica) |
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Fotos Paulo Liebert/AE
e Ag. RBS
Estudantes no Enem:
reprovados. |
O que é: prova
aplicada a uma amostra de estudantes (definida por sorteio) de escolas
públicas e particulares. O objetivo é mapear as deficiências gerais no
ensino e as falhas específicas de estados e municípios. |
NO ENSINO SUPERIOR
ENADE (Exame Nacional de Desempenho de Estudantes)
O que é: sucessor do
Provão, o teste mede o nível de conhecimento de uma amostra de estudantes
sorteada nos 13.000 cursos de graduação do país, entre novatos e formandos.
Com base no resultado, os cursos recebem uma nota que permite compará-los.
SINAES (Sistema
Nacional de Avaliação do Ensino Superior)
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Federal do Rio Grande
do Sul: destaque no Enade. |
O que é: avaliação que
confere notas às universidades com base no resultado do Enade e em outros
dois critérios: a opinião de uma comissão de especialistas e a (bem mais
subjetiva) auto-avaliação das instituições.
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Cartilha nota 10
Um levantamento sobre
as vinte escolas campeãs no novo ranking do Ministério da
Educação (MEC) ajuda a entender por que elas se tornaram raríssimas ilhas de
excelência no ensino brasileiro.
PROFESSORES COM CURSO
SUPERIOR COMPLETO
Escolas campeãs: 92%
Média brasileira: 68%
JORNADA ESCOLAR
Escolas campeãs: 5
horas diárias.
Média brasileira: 4
horas diárias.
LEITURA OBRIGATÓRIA
Escolas campeãs: de 4
a 12 livros por ano.
Média brasileira: a
maioria das escolas não faz exigências de leitura.
PERMANÊNCIA DO DIRETOR
NO CARGO
Escolas campeãs: pelo
menos 3 anos.
Média brasileira: 1
ano.
Fontes: Inep e OCDE.
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Escolas reprovadas
O novo índice de
desenvolvimento da educação básica (Ideb) retrata a péssima qualidade das
escolas brasileiras.
Numa escala de
zero a
10 ...
... a média das escolas
foi 3,8
... apenas
0,3% delas
superou a nota 6
... a campeã do ranking
tirou 8,5
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Fonte: Rev. Veja, Camila Antunes e Marcos
Todeschini, ed. 2014, 27/6/2007.
Com reportagem de Renata Agostini.
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