Educação como prioridade nacional
Jorge Werthein*

 

"Só por intermédio de um esforço comum da Nação, que poderá ser alcançado por um amplo pacto suprapartidário, poderá o país recuperar o tempo perdido mediante a implantação de uma política de Estado duradoura, estável, sistêmica"
 

Recentemente, o Ministério da Educação, por meio do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (Inep), publicou um documento intitulado Os Desafios do Plano Nacional de Educação (PNE), onde se apresenta um diagnóstico da educação brasileira, as metas estabelecidas por esse plano e as estimativas de matrículas para os próximos anos, com vistas ao seu cumprimento. Decorridos quase quatro anos da aprovação do PNE pelo Congresso Nacional, constata-se que o País ainda está longe de atingir o status educacional necessário à sua inserção no cenário internacional de competitividade e luta pela cidadania. O momento é, portanto, oportuno para algumas reflexões.

Há pouco tempo, por exemplo, quando a imprensa noticiou que o Brasil havia caído três posições - da 54.ª para a 57.ª - no ranking das 104 nações mais competitivas do Fórum Econômico Mundial, uma das explicações apresentadas foi o baixo nível de escolaridade. O fator educação constitui hoje um dos pontos mais importantes e decisivos para garantir às nações posições mais consistentes para o enfrentamento de um mundo que se transforma e opera mudanças e revoluções radicais em vários setores. Os novos desafios colocam o conhecimento em posição de centralidade e exigem uma escola de qualidade para todos.

O Plano Nacional de Educação representava uma esperança concreta. Ele foi legitimado por inúmeros debates e audiências públicas. Previa - nunca será demais lembrar - a elevação dos investimentos em educação de 4,5% para 7% do PIB, o que poderia ter dado um novo impulso à política educacional brasileira. Lamentavelmente, os dispositivos que asseguravam um avanço no financiamento da educação foram vetados devido às dificuldades decorrentes do ajuste da dívida. Todavia, ao se vetar esses dispositivos, vetou-se também uma chance histórica de se instaurar uma política educacional de Estado que fosse estável e duradoura.

As dificuldades agora são maiores, pois os déficits são cumulativos e comprometem a trajetória escolar de milhões de crianças e jovens. Ademais, amplia-se o problema da qualidade devido às novas responsabilidades da escola numa sociedade que prioriza o conhecimento. Nessa direção, quando se examina com a devida atenção os índices de qualidade, alguns são de tirar o sono de quem quer que esteja preocupado com o futuro do País. A proficiência em Matemática e em Língua Portuguesa, por exemplo, segundo o documento do Inep, foi respectivamente considerada adequada em apenas 6% e 5,4% dos alunos da 3.ª série do ensino médio regular. Esses dados, postos à luz da reestruturação da economia e das sociedades e das novas competências e habilidades requeridas pelo processo de globalização, deixam o Brasil em situação bastante incômoda, quando não, vulnerável.

Foram as nações que perceberam no passado a importância da educação, que também conseguiram atingir estágios de desenvolvimento mais avançados. Muitas delas, já no século 19, cuidaram de estabelecer sistemas públicos modernos de educação, com vistas à universalização da escola primária. Foi assim na França, onde Guizot, ministro da Instrução Pública, determinou, em 1833, a abertura de escolas elementares na maioria das comunas e, depois, em 1882, a educação primária naquele país haveria de se tornar gratuita e obrigatória; também a Inglaterra, com a Lei de 1870, que criou as primeiras escolas sustentadas pelo Estado e, anos depois, determinou a freqüência escolar obrigatória.

Alguns vizinhos, como a Argentina e o Uruguai, também organizaram sistemas públicos de educação. Na Argentina, Domingos Faustino Sarmiento, professor e fundador da primeira escola normal na América do Sul (1842), chegou a senador e presidente da República, empreendendo, nesta condição, substantiva reforma educacional em seu país. No Uruguai, José Pedro Varella, o grande inspirador da Lei Orgânica do Ensino de 1877, possibilitou avanços importantes na educação daquele país.

No Brasil, uma lei da Assembléia Geral, de 15 de outubro de 1827, logo após a Independência, determinou a criação de escolas de primeiras letras em todas as localidades. Teria sido a Lei Áurea da Educação Brasileira, para usar a expressão de Lauro de Oliveira Lima. Todavia, o Ato Adicional de 1834, digerindo mal o liberalismo da época, delegou às províncias essa responsabilidade, isentando o poder central de uma missão que lhe seria própria, deixando a educação primária à sua própria sorte. É oportuno sublinhar que só nas últimas décadas o País passou a se preocupar com a educação primária, sobretudo a partir da Constituição de 1988.

Disso tudo decorre a urgente necessidade de um auto-exame do Brasil na área da educação. Só por intermédio de um esforço comum da Nação, que poderá ser alcançado por um amplo pacto suprapartidário, poderá o País recuperar o tempo perdido mediante a implantação de uma política de Estado duradoura, estável, sistêmica. Ações localizadas e parciais, ou ações para atender à efemeridade do tempo político só servem para adiar e agravar o quadro atual, já por demais preocupante.


* Doutor em educação pela Universidade de Stanford (EUA) e representante da Unesco no Brasil


Fonte: O Estado de S. Paulo, 10/11/2004.


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