Educação para valer
Vamos ou não vamos mudar o conteúdo e o método do ensino brasileiro? Abaixo
o enciclopedismo informativo. Foco nas operações conceituais básicas, de
análise, Vamos ou não vamos afirmar a responsabilidade federal pela qualidade do ensino básico? Enquanto o governo federal cuidar só de universidade e de escola técnica, e se limitar a transferir recursos para que Estados e municípios cuidem do resto, não avançaremos. É impraticável colocar o ensino básico sob gestão federal. A solução é impor padrões nacionais mínimos de investimento e de desempenho. Compensar, com recursos federais, as desigualdades dentro da Federação. Monitorar de perto os resultados. E construir mecanismos para intervir e corrigir quando os mínimos deixem de ser alcançados. Vamos ou não vamos universalizar o ensino médio dentro de quatro anos e ampliar o alcance do pré-primário, dirigido à população pobre? Esses são hoje os dois pontos críticos da escolarização no Brasil. Menos prioritária é a expansão do ensino técnico e profissionalizante. Os países que deram ênfase a ele abandonam essa ênfase; hoje, o que conta e o que perdura, mesmo para as empresas, são as capacitações genéricas, não as especializações rígidas. Vamos ou não vamos repensar a relação entre governo, escola pública e escola privada? Nada de preconceito ideológico. Façamos como fazem governos, inclusive de esquerda, em muitas partes do mundo: oferecer financiamento parcial a famílias pobres que prefiram matricular os filhos em escolas particulares, desde que essas escolas desenvolvam materiais e práticas pedagógicos que a escola pública possa depois aproveitar. Vamos ou não vamos mudar o conteúdo e o método do ensino brasileiro? Abaixo o enciclopedismo informativo. Foco nas operações conceituais básicas, de análise, interpretação e formulação, em todos os campos do conhecimento. Para os professores, piso salarial, incentivos de qualificação e oportunidades para estudo ao longo da carreira. Vamos ou não vamos tratar com especial atenção os alunos pobres mais talentosos e esforçados? Bolsas abrangentes e programas extraordinários para fazer deles uma contra-elite de merecimento e sacudir o Brasil. Vamos ou não vamos assegurar dinheiro para tudo isso? Não basta gastar melhor. É preciso gastar mais: 6% do PIB em vez dos 4% que gastamos hoje. Faz parte do preço de nossa desigualdade. É para valer ou não é? Falta pretexto para não valer: nenhuma das outras transformações de que precisamos suscitaria apoio tão amplo e entusiasmado, no Brasil e no mundo. Seria o começo da libertação do povo brasileiro.
* Roberto Mangabeira Unger (http://www.law.harvard.edu/unger) é professor da Faculdade de Direito da Universidade de Harvard, EUA.
Fonte: Folha de S. Paulo, 14/11/2006. |