Educação e decreto dos direitos humanos
"O
decreto dita quatro ações que merecem ser comentadas" A educação é um dos direitos básicos dos cidadãos. O decreto de direitos humanos, recentemente publicado pelo governo, apresenta propostas preocupantes para a educação brasileira. Tal fato merece ser comentado. O decreto dita quatro ações a serem cumpridas pela área educacional. A primeira focaliza o monitoramento da escolha de livros didáticos no sistema de ensino, no que tange aos diretos humanos. É sabido que a aprendizagem sobre direitos e deveres das pessoas em sua convivência social é indiscutivelmente importante. Acontece que escolas e universidades oferecem oportunidades naturais para a aprendizagem do que é próprio e do que é impróprio na vida social. Possivelmente, os livros didáticos, com conteúdos propositalmente preparados para tal ensinamento, terão pouco efeito para a aprendizagem. A vivência do dia a dia em ambiente educacional no qual a conduta dos professores é exemplar será mais importante do que os comandos existentes nos livros. A segunda diretriz se destina à universidade e outras instituições produtoras de conhecimento por meio da pesquisa. Seus trabalhos científicos, segundo a diretriz, devem ser norteados para provocar interesse pelos acontecimentos havidos na época histórica 1964-1985. O decreto não menciona a razão de focalizar tal época. Porém, depreende-se, na leitura da diretriz, que tal época deve ser ressaltada para que os estudantes adquiram o verdadeiro, pelos autores do decreto, sentido dos acontecimentos que marcaram o período. É interessante notar que o decreto singulariza o regime militar daquela época sem o devido cuidado sobre a necessidade dos estudantes, e mesmo dos professores, se interarem de acontecimentos de outra época também com governo de exceção. Nesse caso, a aprendizagem necessária para que os alunos entendam o que seja desrespeito aos direitos humanos começa e acaba no período citado cima. A terceira diretriz vai diretamente ao encontro da educação na área militar brasileira. É aparente no texto que os estabelecimentos educacionais regidos por militares têm necessidade de abrir as portas para que a verdade sobre o desrespeito aos direitos humanos, acontecido na época do regime militar, não permaneça escondida dos alunos. O decreto dita que a obrigação dos militares será, doravante, incentivar a divulgação do tema recursos humanos perante os alunos. Outra provável suposição é que tal assunto não seja do agrado dos militares. Daí a necessidade de o Estado admoestá-los. A quarta e última diretriz reforça seu recado básico, ou seja, a importância de que todos os alunos, das gerações após 1985, conheçam o que aconteceu na época 1964-1985. Se cumprido tal comando, outras épocas, nas quais militares governaram o Brasil, ficarão somente nos livros de história. Em conclusão, o documento aqui analisado representa forte intervenção do Estado central em suas subalternas instâncias administrativas e políticas. A ciência mostra que a autonomia do Estado para atos como os aqui comentados não é total. Os antigos estudiosos marxistas acreditavam na autonomia total do Estado. Hoje, a literatura mostra que os neomarxistas aceitam que o Estado tem autonomia relativa, isto é, autonomia com limites. No caso em questão, sem dúvida, o Estado fere a autonomia da área educacional que o constitui, já que o assunto direitos humanos não é uma catástrofe emergencial que acontece na educação brasileira. Espera-se do Estado a interferência em necessidades mais básicas e urgentes da educação brasileira.
* Ignez Martins Tollini é mestre em educação brasileira da UnB e PhD em educação da Universidade de Londres
Fonte: Correio Braziliense, 15/1/10.
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