Preparando a base da educação do futuro

 

Ministro Cristovam Buarque aposta todas as fichas na formação de professores, visando a formação da escola do futuro e a criação da nova universidade


Em pouco mais de um mês de governo, um balanço positivo, com a abertura do diálogo entre os diversos atores da educação superior e a definição clara das prioridades do ministério da Educação. Em entrevista exclusiva ao Universia, o ministro Cristovam Buarque detalhou as diretrizes da educação superior e fez algumas revelações: o ex-reitor da UnB antecipa que prepara mudanças na eleição de reitores, um dos sinais de tendência do governo em aumentar a autonomia das IES como solução para os problemas burocrático-administrativos enfrentados hoje.

Outro grande destaque do governo é a formação de professores. Permitir o acesso imediato de docentes à universidade pública sem passar pelo Vestibular e reverter parte do recurso do FIES a bolsas integrais de graduação são alguns dos incentivos propostos por Cristovam. Detalhe: ambos são apenas para o curso de Pedagogia e Licenciaturas.

Otimista quanto à transformação da sociedade através da educação, o ministro falou também sobre a polêmica cota para negros, o papel das IES para incentivar estudantes a se tornarem alfabetizadores e a inadimplência nas universidades privadas. Confira o que Cristovam Buarque pensa sobre os seguintes assuntos:

BALANÇO DO PRIMEIRO MÊS DE GOVERNO

Esse mês se caracterizou por duas grandes diretrizes. A primeira é a queda de barreiras que existiam entre ministério e universidades, secretarias estaduais e municipais e, principalmente, pelo ministério e os sindicatos de professores e a federação nacional de trabalhadores da educação. Hoje há um grande diálogo com todos. A segunda é a afirmação das três grandes linhas de ação que teremos ao longo dos próximos anos. A erradicação do analfabetismo, que é uma meta ambiciosa mas perfeitamente possível se tivermos a competência para mobilizar os dois atores envolvidos, os analfabetos e os alfabetizadores, sem os quais também não há alfabetização. A segunda grande linha é começar a implantação da escola ideal que desejamos ter em todo o Brasil dentro de, ao menos, 15 anos. Um prazo factível, já que esperamos 500 anos para começar este trabalho. Este trabalho será feito em algumas cidades, onde nenhuma criança vai estar fora da sala de aula, onde os professores estejam motivados e preparados, os edifícios sejam satisfatórios, as bibliotecas completas, os equipamentos modernos. E a terceira linha é enfrentar a emergência que a universidade vive e, ao mesmo tempo, começar a construção de uma universidade nova, diferente, moderna, que sirva de exemplo não só para o Brasil, mas também como paradigma para o exterior.

ALFABETIZAÇÃO

A universidade vai estar integrada no processo, mas teremos também professores de ensino médio e fundamental e todos que souberem ler e quiserem ser alfabetizadores. Vamos pagar por este trabalho, mas obviamente aceitaremos os voluntários que façam o trabalho por amor. As universidades públicas também podem contribuir dando créditos aos alunos que forem alfabetizadores. E as universidades particulares podem, por exemplo, reduzir a mensalidade para os alunos que são afalbetizadores. O valor a ser pago vai variar de acordo com a cidade, em alguns lugares vai ser possível pagar mais, em outro menos, dependendo também da contribuição que as prefeituras e os estados derem para o projeto.

QUALIDADE DO ALUNO QUE ENTRA NAS IES

O universitário normalmente passa por uma equalização natural quando entra na universidade. Ele está se adaptando a um novo saber. No caso das universidades particulares, se o aluno passou no vestibular está apto a estudar na instituição, tem o mínimo que a universidade exige. Se isso não estiver acontecendo, o vestibular está errado, ao aceitar pessoa que não estão preparadas, passa a ser um problema do nível mínimo que o vestibular exige. Nesse caso, é papel da universidade equalizar e recuperar este aluno.

AVALIAÇÃO SERIADA

É um sistema testado, indo para o sétimo ano em Brasilia, com base no que chamamos de Programa de Avaliação Seriada, implantado por mim na UnB (Universidade de Brasília). Santa Maria e João Pessoa têm um sistema ainda melhor que o de Brasília, porque enquanto na capital somente 50% das vagas são reservadas aos alunos que fazem três avaliações ao longo do ensino médio, naqueles locais não existe mais vestibular, todos devem fazer as três provas. Elas teriam que esperar três anos para entrar na universidade, mas, com isso, você dá três chances para ela entrar. A grande vantagem desye sistema não é para a universidade, mas para o ensino secundário. O aluno que entra no secundário, pensando em entrar na universidade, só estuda no último ano, mas se ele sabe que tem três chances, passa a estudar durante todo o 2º grau.

COTA PARA NEGROS

Sempre fui um defensor de cotas para negros, porque acho que é preciso mudar a cor da elite brasileira. Tenho vergonha de ver que, em um país como o Brasil, com a maior parte da população negra, não há embaixadores negros, ou há poucos médicos negros, cientistas, escritores. Por quê? Porque a universidade é o caminho de formação intelectual da elite e os negros são barrados por causa da pobreza, não por serem negros. A verdadeira forma de mudar a cor da elite é ter uma boa escola pública do ensino fundamental e médio. Quando todo menino brasileiro terminar o segundo grau de qualidade os negros vão estar dentro das universidades, mas isso vai levar muito tempo. As cotas podem ser uma caminho para reduzir este prazo. Entretanto, parei de defender as cotas porque percebi que diversos representantes dos negros eram contra e até porque como ministro é preciso que a gente não confunda idéias com propostas. Mesmo que eu tenha a idéia de que as cotas são positivas, ela só pode virar proposta quando houver um consenso nacional, quando a população aceitar. Hoje ainda existe muita resistência. No caso de índios, eles também deveriam poder entrar direto na universidade. São tão poucos os índios que terminaram o segundo grau que a sociedade brasileira poderia assumir como o pagamento de uma dívida secular com eles.

PROFESSORES DA REDE PÚBLICA NAS UNIVERSIDADES

Fiz uma proposta, nos dias em que passei no Senado, que garantia vaga na universidade para todo professor da rede pública concursado, que tenha um certo número de anos de magistério, sem precisar passar pelo Vestibular. Certamente dentro das áreas de interesse, que são Pedagogia e Licenciaturas. Cada universidade poderá regulamentar este ingresso. Aliás eu vejo essa oportunidade vindo através do ensino à distancia, não através da sala de aula, mas através da Internet, da televisão. Nós temos a meta de dobrar o número de universitários ao longo dos próximos anos e para isso é preciso fazer um sistema de EAD para atender esta demanda.

CULTURA DE EAD

Hoje já temos sistemas de ensino a distância como a Unirede, por exemplo. O que precisamos é criar a cultura do EAD e fazer com que o diploma do ensino a distância seja igual ao diploma do ensino presencial. A exclusão digital é quebrada mais rapidamente, se não com computadores domésticos, com pontos de acesso aonde o aluno possa ir e usar o computador. O problema está no uso do computador, principalmente na sala de aula do ensino básico. Estes professores ainda não têm esta cultura. Me preocupo por exemplo com a distribuição indiscriminada de computador nas escolas, isso não vai resolver o problema se não prepararmos o professor. O computador é como um cavalo, só adianta dar para quem gosta e sabe montar e para quem tem estrebaria. Ou seja, se não houver quem use ou um lugar onde deixá-lo, com a estrutura de antena, televisão, linha de telefone,não adianta ter o computador.

AUTONOMIA DAS UNIVERSIDADES PÚBLICAS

Estamos trabalhando com empenho nas duas propostas emergenciais das universidades públicas, a burocrática-administrativa e a de falta de recursos para contratação de professores, servidores e equipamentos. Em breve teremos uma proposta para isso. Na linha da desburocratização e autonomia, vamos ter uma boa surpresa. Uma nova forma de eleição de reitor vai vir em breve, mantendo a eleição direta e democrática, é claro.

INCENTIVO À PESQUISA NAS UNIVERSIDADES PRIVADAS

É papel do governo incentivar a ciência e tecnologia em todo o país, nas empresas privadas, nos institutos independentes e também nas universidades. Mas é limitado o papel que o estado pode ter nessa exigência ao setor privado. No momento em que não temos dinheiro para financiar as pesquisas para a universidade pública, não parece eficiente desviar recursos para financiar pesquisas nas universidades particulares. Elas terão que buscar este recurso no setor privado ou investir elas próprias em pesquisa. Ou as universidades estão caras demais e estão enriquecendo ao invés de gastar em pesquisa. Mas, se estão cobrando demais, os alunos têm que se movimentar, se mobilizar e impedir que isso aconteça.

INADIMPLÊNCIA

As universidades privadas estão preenchendo um vazio que a universidade pública não conseguiu absorver, que é uma ânsia daqueles que terminam o ensino médio para entrar na universidade. À medida em que a universidade pública não absorveu esse contingente, as universidades particulares surgiriam naturalmente. Mas a quantidade de jovens que chegam aqui pedindo a mim pessoalmente, não como ministro ou ex-reitor, condições para estudar, é enorme. Essa é uma das tragédias que temos no Brasil de hoje, gente que quer estudar e tem que parar por falta de dinheiro. O próprio presidente Lula tem insistido que o caminho para isso é aumentar as bolsas de estudo.

AUMENTO DO NÚMERO DE BOLSAS

Lamentavelmente o orçamento de 2003 reduziu os recursos para o FIES (Financiamento Estudantil). Hoje temos menos dinheiro do que em 2002, mesmo assim, não vamos reduzir o número de bolsas neste primeiro semestre, mantendo a concessão de 30.000 bolsas. Para o segundo semestre, vamos tentar conseguir recursos para pelo menos manter o mesmo número do ano passado. Isso é uma contradição entre o modelo que o presidente Lula deseja fazer e a realidade do orçamento que ele herdou do governo anterior, mas é o único caminho para reduzir a inadimplência. Parte dos recursos do FIES vai ser para bolsas sem retorno, especificamente para os cursos de Pedagogia e Licenciatura.

EDUCAÇÃO COMO UM DOS SERVIÇOS DO GATS
(GATS - Acordo Geral sobre o Comércio de Serviços)

Sou contra a educação ser considerada uma mercadoria como as outras. Educação é religião, em breve vão fazer isso também com as religiões. A educação do povo não pode ser submetida a regulamentações comerciais no exterior. Isso é um absurdo, no fundo destrói o próprio conceito de nação. Se quiser aumentar a cooperação e o intercâmbio ou buscar mais eficiência, faz sentido, mas impedir que um país defina por suas leis a educação que quer dar a seu povo, isso nem os romanos fizeram, no auge do Império Romano. Eu como ministro serei contra esta proposta da OMC.

PAPEL DA IES NO BRASIL

A universidade representa o pilar para duas coisas: a construção de um futuro, para que este país tenha autonomia plena graças ao saber que ele cria, à ciência e à tecnologia; e o envolvimento da universidade para superar o quadro de pobreza em que vive uma imensa maioria da população. Ambos têm a mesma importância e urgência e devem ser priorizados juntos, para construir a futura inteligência brasileira e para ajudar o povo a sair da tragédia social em que vive.

 

 Fonte: Portal Universia - Monica Miglio – 13/02/03.


 

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