Educação de papel
Hélio Schwartsman*

 

Na atual conjuntura, a melhor reforma universitária que o governo poderia promover seria a liberação da venda de diplomas universitários em papelarias e casas lotéricas


Começo com uma provocação. Na atual conjuntura, a melhor reforma universitária que o governo poderia promover seria a liberação da venda de diplomas universitários em papelarias e casas lotéricas.

Por algo como R$ 10, alunos teriam acesso ao que recebem hoje de algumas escolas depois de pagar mensalidades extorsivas: um pedaço de papel reconhecido pelo MEC e nenhuma "Bildung" (formação).

Diplomas à farta teriam o mérito de liqüidar as arapucas de terceiro grau hoje em operação sem colocar em maior risco o funcionamento da sociedade.

Se o aluno freqüentador de papelarias conseguir passar num concurso público ou encontrar uma posição na iniciativa privada, é porque não está tão despreparado assim.

O governo poderia tornar essa idéia das papelarias seu plano B. Ele precisa de um.

Na recente aprovação pelo Congresso, a medida provisória que cria o Prouni (Programa Universidade para Todos) saiu tão desfigurada pelo lobby das escolas particulares que é o caso de perguntar se ainda serve a seus propósitos originais.

E o programa poderia ter sido meia boa iniciativa. Eu me explico. O Prouni se afigurava como um mecanismo engenhoso no que diz respeito a transformar em contrapartidas públicas efetivas - bolsas integrais - as generosas isenções fiscais dadas a instituições ditas filantrópicas.

Bem menos boa foi a idéia de estender os privilégios a instituições com fins lucrativos. Não que eu tenha algo contra o lucro, mas parece-me despropositado colocar dinheiro público novo em instituições superiores particulares quando as Universidades federais enfrentam graves dificuldades.

E a mudança de foco torna-se especialmente grave quando se considera que, na média, instituições superiores públicas apresentam um desempenho qualitativo incomensuravelmente melhor que o das particulares.

O único defeito da proposta das papelarias é que, ao tornar realmente possível que cada brasileiro tenha em sua parede um diploma, ela revelaria todo o populismo por traz do lema "Universidade para todos".
 

* Hélio Schwartsman é editorialista da ‘Folha de S. Paulo’, onde foi publicado este artigo.
 

Fonte: Folha de S. Paulo, 8/1/2005.


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