É PRECISO REJEITAR A MP 520/2010!
A edição da medida provisória n° 520/2010 (MP 520), no último dia do segundo mandato do Presidente Lula, representa um retrocesso nos serviços essenciais providos pelo poder público, trazendo à baila, mais uma vez, o debate acerca da concepção de Estado. A manutenção da flexibilização das relações de trabalho – com a terceirização nas universidades, por meio das fundações ditas “de apoio” (de direito privado); com as empresas de terceirização e, agora, com a criação da Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares S. A. (EBSERH) – aprofunda as contradições existentes na formatação adotada pelo governo para o Estado brasileiro. Os movimentos sociais e, em particular, as entidades sindicais estão atentos a esse processo. Não pode ser secundarizado o papel que a universidade pública brasileira cumpre na transformação social, no desenvolvimento e na soberania do país, pelo fato de que tal papel encontra-se intrinsecamente relacionado com o modelo de Estado. A precarização resultante do processo de terceirização fere o direito da(o) cidadã(o) brasileira(o), por constituir-se, com muita frequência, em canal de corrupção, clientelismo, nepotismo, e de rebaixamento da qualidade dos serviços públicos prestados à população. Além disso, questiona-se a opção do governo de repassar recursos públicos para a iniciativa privada, inclusive sem fiscalização dos órgãos de controle. O cumprimento da função social da universidade e de seu papel no fortalecimento do estado brasileiro, com a constituição da EBSERH, ficará profundamente comprometido nas áreas da educação e da saúde. Assim, reafirmamos o nosso entendimento de que educação e saúde são direitos sociais, portanto, direitos da(o) cidadã(o) e deveres do Estado, não devendo ser mercantilizados, conforme preconiza a Organização Mundial do Comércio. Com este entendimento, as determinações contidas no Acórdão n° 1520/2006 do Tribunal de Contas da União (TCU) precisam ser analisadas de forma mais apurada. O prazo que o TCU apresentou para a substituição do pessoal terceirizado dos hospitais universitários (HU) se deu principalmente pela constatação da auditoria realizada na prestação de serviços desses profissionais, de utilização de recursos de custeio dos HU, designados via SUS, para pagamento de pessoal terceirizado. Com a criação da EBSERH, os recursos vêm diretamente do Tesouro, no entanto as demais fontes continuarão sendo financiadas, inclusive com recursos do SUS. Ou seja, sua origem continua sendo a mesma: recursos públicos destinados para o setor privado. O acórdão do TCU propiciou que o governo Lula tivesse quatro anos para fazer concursos públicos, substituindo os contratos ilegais, o que não ocorreu. Neste período, o movimento sindical, incluindo outros setores organizados da sociedade civil, conseguiu barrar o projeto de lei complementar n° 92/2007 (PLP 92 – Fundação Estatal de Direito Privado) nos diversos fóruns onde tal projeto foi apresentado. Alegou-se que a MP 520 atenderia à necessidade de resolver os contratos irregulares de trabalhadores(as) fundacionais (terceirizados) nos HU, visto que o TCU tinha declarado a ilegalidade da situação de 26 mil contratos nessas unidades em todo o país, dando um prazo até 31 de dezembro de 2010 (prazo repactuado) para que o governo resolvesse a situação. Não somos contra os trabalhadores terceirizados, que são vítimas do modelo político adotado pelo governo, pois não tiveram o direito, a oportunidade de acesso ao emprego, numa relação estável, no serviço público. Nossa posição contrária diz respeito ao modelo que se caracteriza pela terceirização da gestão da coisa pública. Nossa luta histórica, no que se refere às relações de trabalho no serviço público, em particular nas instituições federais de ensino superior (IFES), mostra a necessidade estratégica de fortalecimento do estado, atendendo à premissa do estabelecimento de recomposição permanente da força de trabalho nas IFES, devidamente articuladas com sua expansão e a democratização do acesso a essas instituições. O movimento defende e reivindica a expansão das IFES, desde que mantida a qualidade do ensino, da pesquisa e da extensão, para tanto é necessária a realização de concursos públicos pelo regime jurídico único (RJU), tendo por pressuposto a adequação da força de trabalho, definindo quais e quantos cargos são necessários à manutenção e expansão da instituição, de acordo com seu perfil de atuação regional e local. Por isso, não concordamos com a contratação de celetistas, nos moldes impostos, para atender os HU; da mesma forma, alertamos que esta empresa pública sob a forma de sociedade anônima, com personalidade jurídica de direito privado, aprofundará o processo de terceirização nos HU. Enfim, é uma situação grave, que demanda uma ação forte por parte dos servidores públicos, cobrando do governo o debate, que ainda não se iniciou, acerca do modelo de gestão dos HU. Neste contexto, é retomada a figura do emprego público, que constitui uma das mais preocupantes modificações introduzidas na gestão de pessoal da administração pública, em decorrência das revisões constitucionais associadas às iniciativas da Reforma do Estado. O emprego público faz parte das medidas de flexibilização do trabalho adotadas pelo governo FHC com o propósito de ajustar a economia em geral e a administração pública em particular a requisitos de “eficiência e controle” de gastos. Tem por efeito mais visível reintroduzir a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) como um regime de trabalho alternativo no âmbito do serviço público, opção que chegou a ser bastante difundida nos anos 70 e 90, mas que foi deixada de lado pela Constituição Federal de 1988, que estabeleceu que os servidores públicos de todos os entes federados seriam regidos por um estatuto unificado, um RJU. O movimento sindical, envolvendo a comunidade universitária e os setores organizados da sociedade civil não pode se calar diante de uma iniciativa que é tomada, apenas aparentemente, para resolver a problemática dos HU, mas que aprofunda em seu cerne uma experiência privatizante, colocando as universidades como laboratórios num modelo de gestão dessa natureza, que pode ser estendido ao conjunto dos outros órgãos do estado, nas várias esferas administrativas. Portanto, devemos reagir como fizemos no passado contra a PEC-56 B (Collor) e a PEC-370 (FHC), ambas propondo a transformação das universidades em Organizações Sociais (OS) e, mais recentemente, contra o PLP 92 (Fundação Estatal de Direito Privado). A solução para a chamada crise dos HU, resultado da progressiva redução de pessoal que assolou o setor público, e a falta de investimentos para dar conta de toda a missão de atenção social (ensino, pesquisa, extensão e assistência) está na retomada dos concursos públicos pelo RJU e pelo incremento financeiro no orçamento dessas unidades, para cumprimento, com qualidade social de suas funções, sem se esquecer da corresponsabilidade do Ministério da Saúde. A sociedade precisa, mais uma vez, estar ciente e participar deste debate e mais ainda os(as) trabalhadores(as) nos HU, que poderão ser enganados neste processo. O contrato da EBSERH com a universidade não é tão simples e poderá ter desdobramentos negativos – ainda sequer previsíveis. Além disso, a substituição das fundações não garante a transferência dos(as) trabalhadores(as) para a nova empresa. Ademais, cabe lembrar que a grande crise das fundações tem a ver com seus débitos junto a fornecedores e com passivos trabalhistas e, neste último caso, fica a seguinte questão: quem pagará a conta? Outro dado a considerar é que a MP 520 determina que o quantitativo de pessoal da EBSERH será definido pelo Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão (MPOG) e, ainda, que essa empresa poderá contratar a execução de serviços; ou seja, dessa forma estaremos sujeitos a uma outra situação ainda mais perversa do que a terceirização: a quarteirização dos serviços nos HU. Também no campo das relações de trabalho, questionamos: a política de pessoal dos servidores regidos pelo RJU nos HU será a da universidade ou a da EBSERH? É importante ter claro que, mesmo permanecendo na carreira, no RJU e no quadro da universidade, o(a) servidor(a) estará sob o comando administrativo da EBSERH, que agora irá gerir o HU, assim como acontece com os(as) servidores(as) hoje cedidos(as) a outros órgãos. No campo da academia, sendo agora o HU gerido por uma empresa de direito privado, que terá por principio o cumprimento de metas e, portanto, atentando prioritariamente a prestação de serviços, como ficam o ensino e a pesquisa? Em outras palavras, o que será feito da autonomia da universidade (conforme o artigo 207 da Constituição Federal de 1988), da gestão democrática, do acesso ao HU e, principalmente, de seus cursos? Todos esses aspectos ficarão subordinados ao projeto da EBSERH ou aos projetos aprovados nas instâncias deliberativas da universidade? Essa nossa iniciativa coloca na ordem do dia o questionamento da MP 520, que trará – uma vez mais – grandes prejuízos à população que tem acesso aos HU (continuarão a tê-lo?), e que, por outro lado, aprofunda um modelo que expõe os(as) trabalhadores(as) a uma maior precarização e a uma perversa incerteza trabalhista, ao mesmo tempo em que adota uma opção privatista, socialmente inaceitável. Só a nossa mobilização poderá reverter esse processo. Mobilizar para não perder nossos direitos, para conquistar novos direitos! Brasília-DF, 28 de janeiro de 2011. Assinam este documento:
Central Sindical e Popular - CSP-CONLUTAS
Fonte: Andes-SN, 29/1/11.
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