Duelo de imortais
Intrigas e insinuações em disputa por prêmio de 100 000 reais esquentam as tardes da ABL
O mexerico agita o templo da literatura. "É antiética a candidatura de Cavalcanti", dispara um imortal, que pede anonimato. "Há quem comente que, se ele vencer, precisará dividir o prêmio com o presidente da casa", acrescenta. "Não vejo pecado no nome do Cavalcanti', opina Niskier. "A Academia é o último lugar para haver censura a um autor." Outra que se mobiliza é Ana Maria Machado, agraciada com o Machado de Assis em 2001. "Ambos são respeitáveis e merecedores, mas não gostei de saber que o Autran tem telefonado a acadêmicos pedindo para ser o premiado", comenta. "É constrangedor." No ano passado, o eleito foi o conhecidíssimo poeta cearense César Leal. Sua obra mais expressiva é uma coletânea de ensaios sobre Camões, Shakespeare e Thomas Mann. Em outros tempos, foram contemplados nomes respeitáveis como Cecília Meireles, Ferreira Gullar, Antônio Torres, Fernando Sabino e Carlos Heitor Cony. "O prêmio gera repercussão extraordinária aqui e no exterior", diz Antônio Torres, o eleito em 2000. Em meio à polêmica, o humorista Hélio de La Peña, do programa Casseta & Planeta, faz graça. "Pena que meu conjunto se restrinja a duas obras e eu não tenha um parente lá que possa me passar pela janela", brinca o autor de O Livro do Papai, uma publicação de "antiajuda", e Vai na Bola, Glanderson, com as desventuras de um aspirante a craque. O regimento da ABL estabelece que seus quarenta membros não podem concorrer a prêmios da casa. No caso do Machado de Assis, a cada ano uma comissão com cinco integrantes avalia as indicações e seleciona até três nomes. O vencedor é escolhido por voto secreto, e, em seguida, os papéis são queimados numa urna. "Tudo deve ser feito em sigilo para preservar os candidatos", justifica Domício Proença Filho, membro da comissão. Na prática, os nomes dos candidatos vazam, e as campanhas têm muito lobby e intriga. "Espero que se aja com bom senso e o eleito tenha realmente uma obra literária", cutuca Lêdo Ivo, opositor escancarado da candidatura do advogado, economista e ex-senador Roberto Cavalcanti. Também imortal, também pernambucano e ainda senador, Marco Maciel reage às críticas ao conterrâneo. "Ele tem um vasto trabalho, não só na área cultural como na econômica." De fato, Cavalcanti já publicou mais de vinte livros, mas vários são compilações de seminários e fóruns sobre política e economia. "Há sempre tanta discussão porque, além do prestígio e da recompensa financeira, o prêmio pode ser uma porta de entrada para a Academia", explica o imortal Murilo Melo Filho. Foi o que ocorreu com Sábato Magaldi, Carlos Heitor Cony e Ana Maria Machado. Neste ano, além de Cavalcanti e Autran Dourado, sabe-se que foram cogitados Afonso Romano de Santana e Salim Miguel. O imbróglio acontece num momento em que o presidente da instituição está na Europa. Que ele chegue preparado, na próxima semana, pois o bafafá está longe de ser uma página virada.
Fonte: Rev. Veja Rio, Sofia Cerqueira, 9/5/2007.
|