Os dois lados da moeda!
Vaticano
começa a contar supostos milagres do papa, diz jornal italiano
Segundo o jornal italiano "La Stampa", o Vaticano abriu um relatório para registrar casos de curas ocorridas graças à intercessão de João Paulo 2º. De acordo com a publicação, o secretário pessoal de João Paulo 2º, o polonês Stanislaw Dziwisz, teria presenciado um milagre realizado pelo papa, o que é um dos passos fundamentais para torná-lo santo. O suposto milagre teria acontecido em 1998, mas Dziwisz só comentou o assunto com um amigo há três anos e apenas agora a notícia chegou à imprensa. Segundo o "La Stampa", um americano judeu, que sofria de câncer e foi desenganado pelos médicos por causa de um tumor no cérebro, teria recebido a comunhão das mãos do papa e se curado. A identidade do homem não foi revelada. Não é o primeiro caso de suposto milagre atribuído a João Paulo 2º. Já se noticiou que, no México, um jovem garante que em 1990 recebeu a benção papal e paulatinamente se curou de leucemia. Além disso, uma religiosa colombiana, a irmã Ofelia Trespalacios, garante que a benção recebida do papa, há 20 anos em Roma, a curou de uma doença no ouvido que os médicos diagnosticaram como "incurável". O surgimento dessas notícias fez o porta-voz do Vaticano, Joaquín Navarro-Valls, declarar, ontem, que só o próximo papa, a ser escolhido no conclave, poderá decidir se João Paulo 2º deve ser beatificado ou santificado. A reunião dos cardeais está prevista para começar no próximo dia 18. Ontem, foi anunciado que eles estão agora proibidos de falar com a imprensa. No passado, os santos eram proclamados por aclamação do povo, mas desde o século 16 a canonização passa pela Congregação da Causa dos Santos, que estuda detalhadamente os casos e os submete a severas provas científicas. Fonte: Folha de S. Paulo, com ag. Internacionais, 10/04/2005.
O anti-João XXIII
Como tantos relataram suas experiências de convivência com o papa João Paulo II, decidi também contar as minhas. Não se deram em Roma, no Chile ou no Brasil. Foram na Nicarágua, em 1983. O papa visitava a Nicarágua sandinista* depois de ter criticado a participação de padres católicos no governo, dando apoio ao cardeal, um notório somozista. Negara-se a ir até Cuba, apesar do convite recebido.
Miguel
d’Escotto e Ernesto Cardenal, padres católicos da Teologia da Libertação,
participavam do governo sandinista e foram humildemente receber o papa no
Aeroporto Sandino, em Manágua. Ali pude ver a primeira das atitudes
prepotentes de João Paulo II. Logo após descer do avião, depois de ser
cumprimentado pelos comandantes da direção sandinista, quando chegou diante
de Cardenal e este buscou a mão do papa, para beijá-la, João Paulo II
retirou a mão e seguiu adiante, deixando o poeta ajoelhado sozinho no chão.
Depois do episódio na chegada, também pude presenciar sua ida à grande manifestação que o governo nicaragüense preparou para que ele se dirigisse ao povo. Diante de um gigantesco palanque, com um cartaz enorme de Augusto César Sandino e tendo todos os comandantes sandinistas sentados em um dos lados, João Paulo II chegou caminhando com uma vestimenta branca impecável e um cetro de ouro, que contrastava fortemente com a pobreza daquele povo que compareceu à praça. Ele começou a discursar, sem que as pessoas prestassem muita atenção – até porque seu castelhano com forte sotaque dificultava a compreensão para grande parte dos presentes. Até que o povo foi se dando conta de que o papa passou a criticar e a chamar a atenção dos dirigentes sandinistas e do seu governo. Começou a haver uma reação de protesto, de gritos, que logo se tornaram vaias. Acostumado ao mundo da hierarquia e da submissão, João Paulo II começou a pedir silêncio, de forma cada vez mais reiterada e em tom cada vez mais alto. A reação popular foi a de aumentar as vaias e os gritos em favor da revolução sandinista e contra o imperialismo norte-americano. A situação se tornou insustentável, as vaias, os gritos, as músicas cantadas pelos milhões de pessoas presentes foram tornando impossível ao papa continuar seu discurso. Ele se pôs a gritar exigindo silêncio, mas aí o povo já tinha se dado conta do seu poder e confirmou sua decisão de terminar ali mesmo o ato. O papa terminou se retirando da praça, enquanto o autofalante passou a tocar músicas sandinistas e o povo passou a marchar pela praça, cantando. O papa havia sido expulso pela sua prepotência. O que poderia, segundo alguns, ser uma visita de reconciliação, mas que já havia começado com a atitude prepotente no aeroporto, anunciando que sua disposição não era aquela, tornou-se mais um ato do endurecimento da Guerra Fria, de que o papa participou ativamente do lado do bloco imperialista. Em atos como esse e na perseguição que colocou em prática contra a Teologia da Libertação, o Papa João Paulo II matou a galinha dos ovos de ouro da Igreja Católica. Perdeu a grande alternativa – incentivada por João XXIII – de reconquistar um caráter popular para a Igreja Católica. Como resultado, quando ele morreu, a Igreja Católica possui muito menos adeptos do que antes, os evangélicos e os muçulmanos se expandiram às custas do catolicismo. A Igreja Católica é muito mais fraca do que no começo do seu papado, mesmo que ele tenha se projetado midiaticamente como nenhum outro papa anterior. Pensemos no que significa para a Igreja Católica brasileira perder alguém como Leonardo Boff – o mais importante representante da Teologia da Libertação entre nós, que teve a atitude digna de abandonar a Igreja. O que significa marginalizar dom Paulo Evaristo Arns, punir dom Pedro Casaldáliga – alguns dos mais significativos e prestigiosos membros da Igreja Católica, vítimas da prepotência e da repressão do Vaticano sob João Paulo II. Não há nenhuma ilusão de que aqueles jovens que foram assisti-lo no Vaticano obedeçam a seus pontos de vista conservadores sobre relações sexuais, sobre aborto, divórcio, pílulas, homossexualismo e, menos ainda, seus pontos de vista reacionários sobre as mulheres e, em geral, sobre as políticas sociais. Ele foi o anti-João XXIII. Representou, no plano da Igreja Católica, a mesma virada para a direita e a extrema-direita que o mundo viveu nas décadas do seu papado. Ninguém pode ser adepto dos dois pontífices – ou João XXIII ou João Paulo II.
Fonte: Ag. Carta Maior, 12/04.2005. |