O problema em dizer "não"
Suzana Herculano-Houzel* 

  

Dizer "não pule" a uma criança em cima de um muro alto é um convite ao seu cérebro
para primeiro ativar a idéia de pular para só então, com sorte, reprimir esse impulso.
Ou seja, é uma receita para o desastre

A intenção é a melhor possível: evitar que sejam atropelados, destruam a casa, peguem o que não é deles, caiam do muro ou matem o gato. Você diz: "Não bote a mão aí". Mas seu filho bota assim mesmo.

Por que tantas vezes é tão difícil fazer uma criança obedecer a um não?

Asterix responde. No livro em quadrinhos "Asterix Gladiador", o personagem gaulês, revoltado com a brutalidade do treino dos gladiadores, propõe a eles um novo jogo: fazer perguntas uns aos outros e respondê-las sem usar as palavras "sim", "não", "branco" e "preto".

O resultado, claro, é hilário: homens enormes e armados sentados placidamente em roda lutando, como crianças, com a dificuldade de impedir seu cérebro de usar essas palavras tão comuns.

O cérebro dos seus filhos enfrenta o mesmo problema toda vez que ouve um "não" – com o agravante de ainda não ser tão capaz quanto o cérebro de um adulto de controlar seus impulsos.

Grande ou pequeno, toda vez que ouve uma palavra ou frase, ordem ou não, o cérebro se prepara para lidar com o assunto, ativa os circuitos que representam essas idéias e monta um programa motor que as une.

Se há um "não" na frente, o córtex pré-frontal entende que precisa controlar os impulsos do cérebro e impedir que o programa montado seja executado – ou ao menos isso é o que você espera dele.

Assim, quando uma criança ouve uma frase como "não ponha a mão na tomada", as representações cerebrais das idéias "pôr", "mão" e "tomada" são imediatamente ativadas e reunidas em um programa motor que fica a postos.

Mas controlar impulsos ainda não é o forte do córtex pré-frontal infantil, que deixa muitos programas motores passarem e serem executados indevidamente.

Para piorar, há, é claro, as crianças rebeldes, cujo pré-frontal ignora "nãos", e outras que já ouviram tantos "nãos" desnecessários na vida que aprenderam que boa parte deles pode ser ignorada em segurança.

Além disso, o córtex pré-frontal imaturo da criança ainda precisa lutar contra os ímpetos do sistema de recompensa, que quer experimentar tudo agora.

Por isso, dizer "não pule" a uma criança em cima de um muro alto é um convite ao seu cérebro para primeiro ativar a idéia de pular para só então, com sorte, reprimir esse impulso. Ou seja, é uma receita para o desastre.

Como evitá-lo? Ah, a dica da neurociência para uma alternativa eficaz ao "não" você encontra neste mesmo espaço, daqui a duas semanas. Seu córtex pré-frontal vai agüentar esperar, não vai?
 

* Suzana Herculano-Houzel é neurocientista, professora da UFRJ e autora de "O Cérebro Nosso de Cada Dia" (ed. Vieira & Lent) e de "O Cérebro em Transformação" (ed. Objetiva).

 

Fonte: Folha de S. Paulo, 15/3/2007.


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