Diplomas
para todos; e os empregos?
Paulo Elpídio de M. Neto*
Nos
domínios de Castela, sob a Coroa espanhola, por volta do pelo século XVI, a
expansão do aparato burocrático do Estado abriu um mercado inusitado, com a
criação de numerosos postos para o atendimento de necessidades militares e
administrativas do reino. As "letras", entendida como uma carreira a serviço
da Igreja e do Estado, eram as formas mais eficazes de ascensão social. As
universidades, por sua vez, convocadas a emprestar a sua contribuição à
formação dessa nova classe de funcionários, passaram, em pouco tempo de duas
para vinte, reunindo uma população estudantil em torno de 20 mil pessoas ao
ano. Logo, produzia-se, por ali, mais diplomados do que a burocracia podia
absorver. A solução veio rápida, afinal aos agentes do Estado nunca faltaram
recursos e motivação para seus exercícios regulatórios. O atestado de
"limpeza de sangue", processo seletivo sutil, concebido pelos planejadores
da época, afastando as linhagens "manchadas" pela ascendência moura ou
judia, freou a produção de doutores e letrados, pondo ordem no mercado de
emprego.
O "numerus clausus"
adotado em muitos países do ocidente, onde floresceu o ensino universitário,
funcionou como uma espécie de "limpeza social", servindo como processo
regulador e, ao mesmo tempo, seletivo, pelo qual as oportunidades não se
distribuíam a todos. A questão pode ser vista, a um só tempo, como reserva
de privilégios à elite dominante, ou como mecanismo tipicamente capitalista
de adequação da demanda por educação às possibilidades da oferta de
empregos. Em qualquer uma das hipóteses que se tome como referência, em um
amplo processo de mobilidade e ascensão social, continua de pé a questão que
não pode ser omitida: qual o uso e a destinação do diploma universitário?
Afora as funções reservadas aos pesquisadores, no âmbito das ciências puras
e aplicadas, dos quais se exigem elevados padrões de qualificação, por essa
razão, uma minoria, as nossas universidades permaneceram fiéis ao
compromisso de formar profissionais para o mercado e a economia. Diz-se que
a instituição cumpre, assim, inalienável compromisso social. Não se pode
dizer o contrário, ainda que os graduados, egressos das universidades
brasileiras demonstrem, no geral, débil capacitação para o exercício de
funções para as quais foram pretensamente preparados.
O princípio baseado no reconhecimento do direito de todos a ingressar na
universidade foi desfraldado no dogma dos anseios redentoristas, razoáveis e
dignos de reverência, não estivéssemos embarcando em um equívoco arriscado.
Em primeiro lugar, escapa às possibilidades da universidade - e à sua
vocação de origem - promover as grandes reformas sociais que, na verdade,
hão de vir, quando vierem, pela interveniência de outras instâncias mais
poderosos para a realização do bem comum. Secundo, seremos o único país
deste atormentado planeta, caso se realizem esses ideais, a garantir
"universidade para todos", ignorando uma prosaica realidade, a incapacidade
do chamado mercado de emprego para absorver essa mão de obra diplomada.
Terceiro, privilegiando a generosa unção e tonsura de legiões de bacharéis e
doutores para um mercado em processo de mudança e de hipertrofia, pelo menos
à vista das atuais carreiras universitárias, relegou-se à formação de
profissionais de nível médio ao esquecimento, enquanto se multiplicam as
oportunidades de novos empregos para trabalho qualificado em relação aos
baixos níveis de oferta, a dar-se crédito à queixa dos empresários do setor.
O contingente de vagas não preenchidas com as bolsas do PROUNI, conforme
noticia a imprensa, parece exprimir uma realidade que poucos desejam
enxergar. Associado este fato às elevadas taxas de evasão nos cursos
superiores, em instituições públicas ou privadas e à dramática taxa de
desemprego entre profissionais egressos das universidades, temos um problema
a considerar.
Para nosso desalento e dos que encontram ainda razões para a prática
olímpica do otimismo, lembremo-nos que já assistimos a esse filme, encenado
por outros atores e realizado por outros diretores. A platéia é que continua
a mesma.
* Paulo Elpídio de Menezes Neto,
Bacharel em Direito, Mestre em Ciência
Política. Ex-Reitor da Universidade Federal do Ceará, Ex-Secretário Nacional
da educação Superior-SESu/MEC, Ex-Secretário Nacional da Educação Básica
(MEC), Ex-Secretário de Educação do Ceará, Membro da Academia Brasileira de
Educação.
Fonte: Revista Gestão
Universitária, 02/03/2005. |