"Desonestos,
insensíveis e mentirosos"
Instalados em seus gabinetes no Congresso, os parlamentares brasileiros parecem viver em um universo paralelo. Nesse mundo, anos-luz distante daquele em que vivem os brasileiros, ganha-se bem, trabalha-se pouco e, neste momento, discute-se com grande empolgação quem será o próximo ocupante de um cargo cujo presente titular é desconhecido por 80% dos habitantes do país, segundo pesquisa feita pelo Ibope Opinião. A pedido de VEJA, o instituto realizou um levantamento para saber o que pensam os brasileiros a respeito de seus deputados e senadores. Os resultados apontam para um imenso abismo entre a sociedade e os que deveriam representá-la. Alguns exemplos: apenas 3% dos brasileiros ouvidos pela pesquisa afirmam acreditar que os congressistas representam e defendem os interesses da sociedade, uma imensa parcela de brasileiros (84%) acha que os parlamentares trabalham pouco e 52% consideram que não passa de 10% o número de bons deputados e senadores do país. Mais constrangedor do que isso, só os adjetivos que os entrevistados selecionaram para classificar os seus representantes. Pela ordem: desonestos (55%); insensíveis aos interesses da sociedade (52%); e mentirosos (49%). Para o sociólogo Demétrio Magnoli, esses números não causam espanto: "São fruto do atual estado de degradação moral do Parlamento". O corolário positivo do diagnóstico de Magnoli é o fato de que, se os parlamentares melhorarem sua atuação, melhorará igualmente a avaliação que fazem deles os brasileiros. Eis uma missão que deveria ser prioritária para a legislatura que assume no próximo dia 1º de fevereiro. São 46% de deputados e 30% de senadores que tomam posse depois de estar fora da política nacional ou de nunca ter participado dela. Se eles refletirem as razões pelas quais quase metade da atual legislatura foi refugada pelos eleitores já será um excelente começo.
No caso específico do Brasil, no entanto, algumas particularidades contribuem para aumentar a impopularidade dos parlamentares. O fato de sete dos nove últimos escândalos de grande repercussão terem tido o Congresso como cenário é uma delas. Também ajuda a entender o fenômeno a constatação de que, no processo em curso para a eleição do presidente da Câmara, por exemplo, deputados e senadores têm agido como de costume: mostrando-se muito mais interessados em saber que vantagens levarão com o resultado do pleito do que em recuperar o padrão ético da Casa, jogado no lixo por mensaleiros e sanguessugas. Na semana passada, o jornal Correio Braziliense fez um levantamento dos gastos da chamada "verba indenizatória" entre os deputados suplentes. A verba, de 15.000 reais mensais, se destina a cobrir gastos dos parlamentares com combustível, viagens e assessorias legislativas. Com a Câmara em recesso, era de supor que as despesas tivessem diminuído. Em vez disso, o jornal constatou que pelo menos quatro dos 22 suplentes que tomaram posse para cumprir o mandato-tampão de janeiro já apresentaram notas fiscais para reembolso totalizando mais de 10.000 reais cada um. Só o deputado Lavoisier Maia (PSB-RN) diz ter gastado, em dezessete dias, 4.500 reais com combustível. O dinheiro daria para comprar 1.700 litros de gasolina – com os quais o nobre suplente poderia percorrer cinco vezes a distância entre o Oiapoque e o Chuí, os pontos extremos do Brasil.
Livre de compromissos com o eleitor, o script do mau político resume-se ao cumprimento de duas tarefas: atender aos interesses dos grupos políticos que o ajudaram a eleger-se e preparar-se para a reeleição. Além do fato de deixar para o fim da fila os interesses do eleitor, a priorização dessas duas tarefas implica outro problema. Para cumpri-las, o parlamentar acaba fazendo de seu mandato um balcão de negócios com o Executivo. Em troca de apoio nas votações de interesse do governo federal, exige liberação de recursos e cargos para apadrinhados. Do fisiologismo para a corrupção o caminho é curto, como se viu na legislatura que agora se encerra. "Quando verbas e cargos não eram mais suficientes, o Executivo se utilizou do mensalão para aprovar suas medidas na Câmara", diz o cientista político Ricardo Caldas, da UnB. Para o deputado Fernando Gabeira (PV-RJ), o mensalão mostrou que o "Congresso está de costas para a sociedade". O deputado integra o chamado Grupo dos 30, como ficou conhecida a bancada suprapartidária formada no Congresso para reagir à tentativa dos líderes dos partidos de aprovar um aumento de 91% nos salários dos parlamentares.
Além dos escândalos, do distanciamento do eleitor e da voracidade com que brigam para aumentar os próprios ganhos e manter seus privilégios, os legisladores brasileiros contribuem para piorar a sua já péssima imagem ao exercer de modo insatisfatório a função que os define: a de legislar. Informações do Banco de Dados Legislativos do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (Cebrap) mostram que, nas últimas cinco legislaturas, uma média de 85% das leis aprovadas no país foi proposta pelo Executivo. Nesse caso, porém, o resultado ruim não é responsabilidade exclusiva dos deputados. Diferentemente dos Estados Unidos, por exemplo, onde o Executivo não pode criar nenhuma lei, no Brasil o presidente usa e abusa de mecanismos como as medidas provisórias, que deveriam ser usadas apenas em situações de emergência. A cientista política Argelina Figueiredo, uma das coordenadoras do estudo, afirma que "a idéia de que os deputados brasileiros abrem mão do poder de legislar é um mito. Eles acabam ficando de mãos atadas". Quando não estão empenhados em criar normas visando ao próprio bem-estar, portanto, resta aos parlamentares a modorrenta tarefa de elaborar leis de pouco ou nenhum impacto para o futuro do país, como as que prevêem a criação de dias nacionais ou homenageiam personalidades. Na última legislatura, 37% das leis de iniciativa dos deputados e senadores tinham esse caráter. Na Argentina, esse número é de apenas 2%, de acordo com um levantamento da consultoria Arko Advice, do cientista político Murillo de Aragão. As conseqüências nefastas da concentração de decisões na esfera do Executivo não se limitam ao prejuízo que ela causa à soberania do Legislativo. "Essa concentração faz com que, aos olhos da população, o Congresso seja visto como uma instituição que se dedica ao palavrório", diz o cientista político Bolívar Lamounier. O perigo dessa avaliação, diz ele, é a possibilidade de ela levar a outra: "A de que, sendo assim, o Congresso não vale o que custa e é, portanto, dispensável". A pesquisa encomendada por VEJA mostra que a maior parte dos brasileiros sabe separar a instituição dos que a compõem – e tem claro que não existe a possibilidade de haver democracia sem Congresso. A parcela de entrevistados que declararam acreditar no contrário, porém, é uma das mais altas da América Latina: 41%. Em outra pesquisa, do Instituto Latinobarômetro, em apenas quatro países da região – Paraguai, Panamá, Bolívia e Equador – a porcentagem da população que afirma que "a democracia pode funcionar sem deputados e senadores" é menor do que no Brasil.
Desde a proclamação da
República, governos autoritários fecharam o Congresso brasileiro seis vezes.
Em todas as ocasiões, o país mergulhou em sombras. "Foram períodos de
violações aos direitos humanos e intensificação da corrupção", lembra o
historiador Marco Antonio Villa. O Congresso é a garantia de que os
governantes, incluindo os eleitos de forma democrática, não vão exercer o
poder de forma tirânica. Quando ele é subjugado ou impedido de atuar, perdem
todos: o país fica à mercê do voluntarismo e do autoritarismo dos seus
mandatários. Cabe aos que o compõem, portanto, impedir que o oportunismo e o
descompromisso de alguns contaminem uma instituição que é vital para que o
Brasil prossiga na sua vocação de nação moderna e democrática. Ruim com
eles...
Fonte: Rev. Veja, Marcelo Carneiro e Camila
Pereira, ed. 1993, 31/1/2007.
Deputados
...
1
em cada
7
sofre processo criminal.
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