Considerações
políticas sobre a Defesa Nacional
Neste outono de 2006, os candidatos começam a ser definidos para a eleição presidencial de outubro. Pode-se esperar que ocorram debates sobre políticas públicas e sobre o futuro do Brasil. Porém, é improvável que algum candidato venha a dizer ao país o que pretende realizar no campo da Defesa Nacional. Não será surpresa se isto vier a se confirmar, pois a Defesa Nacional – essencial para a preservação do Estado Democrático - tem pouca importância para o país. Basta constatar a pouquíssima atenção que tem recebido dos sucessivos presidentes da República. Lula a relegou à condição de mera orquestração cerimonial, depois de – ao final da campanha eleitoral em 2002 – haver induzido os clubes militares a acreditar que aplicaria recursos ao longo de seu governo. O pior é que o público militar acreditou, quando o candidato não dedicou mais do que um parágrafo de programa eleitoral à Defesa Nacional. É preciso mudar esta atitude. É isto que propomos neste artigo: que o Brasil atribua um lugar e uma atenção adequados à Defesa Nacional na plena vigência do regime democrático. Sociedade civil e Defesa Nacional A sociedade civil é capaz de influenciar a adoção e o desenvolvimento de políticas públicas, a exemplo do que ocorre com a saúde e a educação. No entanto, dado que vigora uma percepção social do baixo nível de importância da Defesa Nacional, os governos ficam à vontade para empurrar com a barriga. Assim, o primeiro fator a destacar é a infecunda e insensível percepção da sociedade civil sobre a necessidade de Defesa Nacional. Ora ela é vista como coisa de militares, ora como resquício de regime autoritário. Com a exceção de centros universitários de pesquisa e de entidades de militares da reserva, predomina o silêncio. Os partidos – ora, os partidos! - vivem para disputar eleições e exercer o poder político em nome do povo. Há crises demais, CPIs em abundância. Já a Defesa Nacional, esta lhes passa despercebida. Por que ninguém parece se tocar com a Defesa Nacional? A explicação remete a quatro fatores. Primeiro: ao superar o passado autoritário, uma parte articulada da sociedade rejeitou as Forças Armadas. No entanto, é preciso considerar a história e as gerações em cada instituição. Se as universidades fossem julgadas com idêntico critério, também poderiam ser rejeitadas já que várias cultivaram um profundo e enraizado autoritarismo. Se não chegou a prosperar a tese da falta de necessidade das Forças Armadas - que deveriam ater-se ao policiamento de fronteiras e a outros fins gerais, tais como a segurança pública, o meio ambiente - foi elevado o preço pago ao desprestígio das funções de Defesa Nacional. Em segundo lugar, nossos governantes e legisladores parecem acreditar que não temos problemas de defesa e segurança. O raciocínio é simples: não temos conflitos nas fronteiras (temos, sim), não participamos dos centros mundiais nem das disputas que contam no plano mundial. Portanto, o Brasil não correria riscos. Esta percepção é equivocada, pois as ameaças assumem novas formas: narcotráfico, crime organizado, a presença ineficiente do Estado em áreas rurais e urbanas, tráfico de pessoas, o poder despótico da delinqüência sobre populações que não gozam da proteção do Estado. Tais problemas devem ser incluídos no domínio da Defesa Nacional, cujo foco principal continua voltado para o campo internacional. Terceiro: vigora uma forte competição temática pelo interesse dos partidos e da sociedade civil. As carências sociais são tão gritantes que as prioridades não acolhem a Defesa Nacional. Enfim, os políticos têm outros assuntos para cuidar e com mais resultados. A sensibilidade dos políticos diz o seguinte (e aqui introduzimos a quarta explicação): os temas prioritários “dão votos”, a Defesa Nacional “não dá votos”. A escolha é previsível: excluem a Defesa Nacional de qualquer consideração programática. O resultado é o insucesso na disputa pelos recursos destinados à Defesa Nacional. A Defesa Nacional padece de muita abstração e da falta de comunicação social. Ela perde ao concorrer com políticas operadas por médicos e professores em locais e instituições reconhecidas. Daí a necessidade de uma Pedagogia da Defesa Nacional, a ser desenvolvida pelo Ministério da Defesa e pelas instituições militares, destinada a esclarecer e motivar o país. O Livro de Defesa Nacional, adotado em diversos países (de memória: Estados Unidos, Canadá, França, Inglaterra, Itália, Espanha, China, Alemanha, Argentina, Chile, Equador, Colômbia, etc.) terá um papel essencial a este respeito. A Defesa Nacional como política pública O primeiro aspecto a destacar da política de defesa na condição de política pública é que ela constitui (ou deverá vir a ser) uma política de Estado. Isto pressupõe um acordo conceitual e político (especialmente entre a diplomacia e os militares, mas também entre partidos e a sociedade civil) sobre os perigos, os riscos e as ameaças, assim como sobre os objetivos e os recursos da Defesa Nacional. Tal política de Estado deve navegar acima jogo situação versus oposição. Seus conceitos estarão sob permanente reexame, tão cambiante é a situação internacional. Será muito relevante – indispensável, mesmo – a atuação do(a) Ministro(a) da Defesa junto ao Congresso Nacional, em busca de apoio político e de recursos. O mesmo na direção da opinião pública, universidades, etc. A gestão do embaixador José Viegas Filho no Ministério da Defesa teve este significado. O segundo aspecto da Defesa Nacional enquanto política pública diz respeito à sua conexão com o regime democrático: (a) ela é dirigida pelo chefe de Estado, que a associa à política exterior e a outros domínios da vida nacional (como Educação, Ciência e Tecnologia e outros); (b) as Forças Armadas respondem administrativa e politicamente à direção suprema do Presidente da República, (c) atuando segundo diretrizes presidenciais e no respeito à legalidade democrática tanto no país quanto no exterior; (d) estruturas profissionais à administração da capacidade de violência do Estado, as Forças Armadas são a-partidárias, não dependem dos partidos para o seu funcionamento institucional nem os partidos se beneficiam de fatores estritamente militares. Elas não contam para a definição de quem dirige o país, exceto pelo fato de que os militares e familiares têm direito ao voto. O jornalista e escritor Rodrigo Átria, assessor de Michele Bachelet enquanto ministra da Defesa do Chile, afirmou com razão que a política de defesa “significa um compromisso de participação e um compromisso de transparência. É necessário considerar que a elaboração do Livro de Defesa constitui um nicho de participação na formulação de uma política de defesa”.1 Ainda, que a “Defesa Nacional serve aos propósitos que lhe são próprios, posto que lhe foram atribuídos pelo ordenamento do Estado e pela autoridade política à qual está submetida. Através de suas instituições, em particular das Forças Armadas, a Defesa Nacional é responsável pelo oferecimento de um serviço permanente, que é a capacitação militar em termos materiais, doutrinários, científicos e tecnológicos, bélicos e de recursos humanos”. Arrolo algumas sugestões para a Defesa Nacional a partir das nossas necessidades e de algumas experiências internacionais: 1. ampliação dos atores sociais no debate sobre a Defesa Nacional e incremento da qualidade da produção intelectual a respeito; 2. definição da natureza da cooperação militar no Mercosul: colaboração profunda (em curso) e/ou estrutura regional de Defesa sobre o eixo Brasil – Argentina; 3. participação do Congresso Nacional na formulação da política de Defesa Nacional, devendo pronunciar-se (autorização ou referendo) sobre a decisão presidencial de empregar forças militares na segurança pública e em Forças de Paz; 4. a consolidação do Ministério da Defesa é primordial, envolvendo, dentre outros aspectos: (a) uma carreira pública de Defesa, a ser implantada paulatinamente; (b) em cooperação com as Forças Armadas, oferecimento de cursos com o propósito de formar e aperfeiçoar seus funcionários; (c) contratação temporária de pessoal externo, de proveniência universitária ou outra, para colaborar na formulação e acompanhamento da política de Defesa Nacional; (d) desenvolvimento de uma “pedagogia da Defesa Nacional”, de modo a contribuir para o acatamento do Ministério da Defesa na cultura castrense e nas instituições educacionais e culturais brasileiras; (e) elaboração do Livro de Defesa Nacional; 5. o processo de integração das Forças Armadas deverá incluir as escolas de preparação, formação, aperfeiçoamento, Estado-Maior e outras; 6. a elaboração do Livro de Defesa Nacional contribuirá para a consolidação do Ministério da Defesa e para a ampliação da atenção da sociedade civil à Defesa Nacional. Quanto às relações com o exterior, o documento servirá como afirmação do diálogo e da solução diplomática de conflitos, mas conterá a percepção brasileira acerca da sua inserção regional e mundial, da natureza dos conflitos e dos riscos, da natureza da guerra, das estruturas internacionais de Defesa e Segurança, da orientação para o preparo militar. Quanto às relações com a sociedade civil, tenderá a ampliar a legitimidade das missões militares e o diálogo com instituições educacionais, científicas, culturais, imprensa, etc. 7. política de ampliação da cooperação do Brasil com seus vizinhos. Neste particular, a ampliação de vagas das nossas escolas aos militares provenientes destes países poderá reforçar esta cooperação e a saudável influência brasileira para a consolidação da Defesa Nacional e a direção política das Forças Armadas; 8. retomada dos Encontros Nacionais de Estudos Estratégicos por iniciativa do Ministério da Defesa; 9. estudo sobre criação de Universidade de Defesa com os seguintes objetivos, dentre outros: (a) atualização periódica da Política de Defesa Nacional; (b) oferecer um guarda-chuva institucional aos programas de pós-graduação (Mestrado e Doutorado) oferecidos pelas Forças Armadas; (c) oferecimento de cursos sobre Defesa Nacional; (d) desenvolvimento de programas complementares, tais como: aquisição de livros e revistas especializadas; modernização das bibliotecas militares; preservação da memória das Forças Armadas e da Defesa Nacional; 10. estabelecimento de fundos específicos para a Defesa Nacional, como ocorre no Chile.
* Eliézer Rizzo de Oliveira é cientista político, é professor titular aposentado da Unicamp e diretor do Centro Brasileiro de Estudos da América Latina, Memorial da América Latina, São Paulo. __________________ Nota: Fonte: SBPC, ComCiência, abril/2006 |