Deboche, custe o que custar
“No baralho da
vida encontrei apenas uma dama.” É com frases de efeito como essa –
encaixada pelo deputado Sandro Mabel (PR-GO) em uma de suas respostas depois
de receber conselho do próprio entrevistador – que o novo quadro do programa
de humor CQC, da Band, pretende revelar até que ponto uma personalidade é
capaz de se submeter para maquiar a própria imagem, custe o que custar.
O objetivo da
brincadeira é mostrar ao eleitor que nem só as mulheres que posam nuas para
as revistas masculinas adoram a intervenção de um bom “Photoshop”, brinca o
líder do grupo, o experiente jornalista e ator Marcelo Tas.
“A gente quer mostrar
para o eleitor, para o cidadão, que nem tudo o que se vê na TV é espontâneo.
O CQC quer mostrar que é bom você ficar atento, ainda mais em época de
eleição. Mostrar que muita coisa, muito coisa mesmo, pode ser maquiada pelo
consultor de imagem. E, às vezes, de forma absurda”, adverte Tas, em
entrevista exclusiva ao
Congresso em Foco
(leia
mais).
A “pegadinha” é armada
numa entrevista “espontânea e descontraída”, gravada com o propósito de
mostrar o “lado humano” de políticos, artistas e outras celebridades, no
mais tradicional colunismo social televisivo.
Levado ao ar na última
segunda-feira (25), o quadro Assessor
de Imagem é estrelado pelo ator Warley Santana, que se passa por
jornalista especializado em assessoria de imagem política no método Karl
Fisher (Carlinhos Pescador, na irônica tradução do grupo). Karl Fisher é
apresentado por ele como o consultor de imagem do candidato democrata à
presidência dos EUA, Barack Obama. “Ele se apresenta como um consultor
mequetrefe e as pessoas topam fazer o que ele manda. As pessoas querem muito
manipular sua imagem”, desdenha Tas.
A brincadeira, no
entanto, não agradou em nada ao deputado, dono da fábrica de biscoitos
Mabel. Isso porque o parlamentar goiano, que é relator da reforma tributária
na Câmara, se revelou um fiel seguidor das orientações do “consultor de
imagem”. Encaixou frases ditadas pelo ator em suas respostas e mostrou dotes
artísticos em outros momentos de encenação (assista
aqui).
Reação
Na última quarta-feira
(27), o assessor de imprensa de Mabel informou que o chefe já havia reunido
todo o material necessário para mover uma ação contra o programa e a
emissora. Os argumentos da ação seriam apresentados à reportagem no dia
seguinte, mas até o momento, o site
não recebeu retorno dos diversos recados deixados no gabinete do deputado.
“Quanto menos os
congressistas derem bola para essa história, mais ela vai cair no
esquecimento. Esse novo quadro perde um pouco da política que o grupo se
propõe a fazer. É um tipo de piada que cansa”, acredita o cientista político
e professor da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP)
Fernando Abrúcio.
Na avaliação de
colegas, Mabel deveria encarar a piada com bom-humor. “Sempre existiu humor
com a política. Desde o império, os chargistas se esmeram isso. O Mabel
entrar na Justiça é de uma caretice e um mau-humor danado. Transformar o
espaço político em ambiente carrancudo é até hipocrisia, pois se trata de
uma falsa seriedade”, considera o deputado Chico Alencar (Psol-RJ).
Para o senador Jarbas
Vasconcelos (PMDB-PE), os políticos brasileiros estão pagando um preço por
seu comportamento. “O clima da política permite a criação e a proliferação
desse tipo de programa. Se tivesse uma política ajustada, reduziria essa
ridicularização. Não tem que censurar [o programa]. Esse tipo de problema só
se reduz se a classe política se impuser por meio da seriedade de seu
trabalho”, avalia Jarbas.
Escárnio saudável
O humor debochado do
CQC tem causado polêmica no Congresso. Em abril, o grupo chegou a ser
expulso da Casa (veja).
A proibição acabou por dar mais força às sátiras dos incansáveis repórteres,
que passaram a gravar depoimentos, inclusive de parlamentares, pedindo a
volta do CQC ao Congresso (assista).
“O CQC acaba de ser
proibido de fazer matérias aqui no Congresso. Pelo jeito, os políticos só
querem responder as perguntas que são convenientes. Não é uma ditadura, mas
a censura está aí”, disse às câmeras o repórter Danilo Gentili (confira)
ao ser “convidado” a se retirar do Salão Verde da Câmara (veja
aqui também).
Para o cientista
político e sociólogo Antônio Flávio Testa, professor da Universidade de
Brasília (UnB), a sátira deve ser encarada como um escárnio saudável, e não
como um descrédito da política brasileira. O humor ácido dos integrantes do
CQC não desmerece os políticos, afirma. “Muito pelo contrário. Chama mais
atenção para a política os brasileiros que não gostam de política”,
argumenta. “O humor de sátira na política não é uma coisa nova e é muito
comum na democracia ocidental. Por que o Brasil tem que ser resistente?”,
questiona.
Segundo o professor, a
melhor maneira de um político reagir é virar o jogo, respondendo com
inteligência às provocações dos humoristas. “Às vezes, eles tornam-se muito
agressivos, com perguntas muito inconvenientes. Mas esse humor não deve ser
coibido, deve ser respondido à altura”, afirma Testa, citando como exemplo a
postura do senador Eduardo Suplicy (PT-SP).
Depois de admitir, no
programa de estréia, que já havia experimentado maconha, Suplicy pediu um
inusitado direito de resposta para esclarecer a declaração. Não contestou a
revelação, apenas destacou que recomendava aos seus auxiliares que não
fumassem e aproveitou a presença da câmera para exibir as gravações que fez
em sua recente visita ao Iraque (veja).
Chico Alencar também
partilha da opinião de que apelar só aumenta o vexame. “A melhor forma de
enfrentar as críticas é honrando os mandatos e agindo com transparência e
simpatia. Casseta & Planeta, CQC e Agamenon Mendes Pereira sempre vão
existir”, observa Alencar.
Popularizando a
política
No Congresso, os
integrantes do CQC abordam deputados e senadores com perguntas, no mínimo,
irreverentes, muitas das quais o telespectador gostaria de fazer. Cara a
cara, perguntam aos parlamentares, por exemplo, se eles são honestos ou se é
justo que os congressistas recebam R$ 16 mil num país em que o salário
mínimo não passa dos R$ 415. As respostas vão do absoluto constrangimento ao
célebre “passar bem” (confira).
Muitos se irritam ou
demonstram total indiferença. Outros, porém, caem literalmente na
brincadeira. É o caso, por exemplo, do deputado Paulo Maluf (PP-SP), que
respondeu com humor a uma entrevista sobre honestidade na vida pública (assista
ao vídeo).
A relação entre humor
e política, na avaliação de Testa, deixa a linguagem dos políticos mais
acessível à população. “Esse tipo de mídia é interessante, pois está
dinamizando a relação da imprensa com a política”, avalia.
Entre as próximas
empreitadas do CQC na política, está a cobertura das eleições tanto no
Brasil quanto nos Estados Unidos. O grupo quer aproveitar a oportunidade
para comparar como é a cobertura política nos dois países. “Vamos lá ver
como é feita a cobertura em um país que tem ampla liberdade de imprensa”,
afirma Tas se referindo aos Estados Unidos.
No ar desde março, o
programa CQC é apresentado na Band todas as segundas-feiras a partir das
22h15, com reprise aos sábados, a partir das 23h45. Segundo Tas, o quadro
Assessor de Imagem já tem
mais de 20 episódios gravados com personalidades como políticos, artistas de
TV, jogadores de futebol e outras celebridades. Tudo foi mantido em absoluto
segredo, inclusive a aparição de Warley, para garantir o sucesso da
“pegadinha”.
O “Custe o que Custar”
teve origem na Argentina, onde se chama “Caiga quien Caiga”, e foi adaptado
para a realidade brasileira por uma equipe de jovens jornalistas e atores,
comandada por Marcelo Tas. O grupo é formado por Danilo Gentili, Felipe
Andreoli, Rafinha Bastos, Marco Luque, Rafael Cortez e Oscar Filho.
Fonte: Congresso em Foco, Renata Camargo
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