A cueca, a mala e o futuro
 

Antes, o "batom na cueca". Hoje, o "dólar na cueca", com um assessor de um líder petista de Fortaleza que é irmão do ex-presidente nacional do PT flagrado recheado de dinheiro vivo.

Antes, ouvia-se muito falar em "mala preta" e idealizava-se uma pasta executiva do tipo 007 cheia de dinheiro, especialmente dólares. Hoje, tudo mudou. A mala ganhou vida, virou uma estrela. Está em toda parte, viaja de jatinho e de ônibus interestadual, afronta detectores de aeroportos e é vaidosa, a danada. Vive sendo fotografada. Numa hora, é discreta, num pretinho básico. Noutra, multiplica-se por sete: uma vermelha, bojuda, outra verde, com rodinha, uma terceira negra, sóbria...

É assim que a população brasileira vai se encantando definitivamente com a política. Só se fala nisso. Para discutir a reforma política, ninguém tem paciência. Mas falar sobre malas e cuecas virou esporte nacional. Pobre do meu e-mail, vive entupido de mensagens contra, a favor, indignadas, pasmas, conspiratórias, revoltadas, conformadas.

Se eu acho ruim ver tudo chafurdando na lama? Bem, ninguém pode dizer que seja bom, mas há um lado educativo e depurador em tudo isso. A podridão está vindo à tona, a polícia age, a imprensa divulga e todos se manifestam. A indignação gera mudança.

No caso da compra de votos, há o PSDB na reeleição de FHC e há o PT na sedução dos aliados do PTB, PL, PP. No caso das malas, há a de milhares de dólares e de reais do PT e há os milhões de reais do deputado do PFL. Mas é bom focar num outro ator dessa tragédia: a Igreja Universal.

Por que um "bispo" da Universal que viaja com malas de R$ 10 milhões, tem jatinho de R$ 50 milhões, já presidiu uma rede de TV (a Record) de milhões e conquistou ovelhas no mundo inteiro vai se meter com política? Ou, diretamente: para que um bispo da Universal precisa de mandato de deputado?

Tivemos 20 anos de ditadura militar, vivemos uma redemocratização alegre e tranquila, passamos pela transição caótica de Sarney, chegamos à centro-esquerda de FHC e desembocamos na esquerda de Lula. Cumprimos todo um ciclo. Aquelas malas enormes e coloridas da Igreja Universal me deixaram uma indagação perturbadora: a próxima etapa é a trilogia dinheiro, religião e poder?

Lula foi eleito com a aura de "salvador dos pobres" ou "salvador da pátria". Está dando nisso tudo a que a sociedade assiste, perplexa e descrente. Será que o eleitor vai desistir da alma humana e buscar o divino? O próximo candidato pode ser de um novo partido, o da Igreja Universal? Alguém pode tentar usar o santo nome de Deus em vão. E vai que cole...   

 

Fonte: Folha On-line, Eliane Cantanhêde, 13/07/2005.


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