CPI em guerra
 

Ilustração: Fernando Brum

 

Exército vermelho: Ideli Salvati, Jorge Bittar, José Eduardo Cardozo e Sibá Machado. Tropa de choque governista.

Brigada azul: Heloísa Helena, Sérgio Guerra, Onyx Lorenzoni e Heráclito Fortes. Jéfferson municia a oposição.

Bate-boca, troca de acusações e pedidos de quebra de sigilo
sobem temperatura, e sessão vira campo de batalha.

 

O termômetro da tensa política nacional chegou ao seu limite na quinta-feira 7, na CPI dos Correios, e não foi por causa de um depoimento explosivo. Senadores e deputados da comissão, com os nervos saltados e a língua solta, trataram de incendiar a sessão reservada para a estrela do dia, a secretária Fernanda Karina Sommagio. Por conta da balbúrdia que bagunçou a CPI, a dona da agenda do publicitário Marcos Valério teve que esperar pacientemente por seis horas até que os ânimos serenassem. A confusão foi obra do PT: o deputado José Eduardo Cardozo (SP) e a senadora Ideli Salvati (SC) pediram a quebra de sigilo do deputado Roberto Jefferson (PTB-RJ), que desencadeou a guerra, em junho, ao denunciar o mensalão. A senadora Heloísa Helena (PSOL-AL) protestou, dizendo que se o sigilo do acusador seria quebrado, o dos acusados também deveria ser. “A senadora tem toda a razão”, ponderou o deputado ACM Neto (PFL-BA), que propôs a quebra do sigilo do quarteto petista – José Dirceu, José Genoino, Sílvio Pereira e Delúbio Soares – e dos membros da CPI postos sob suspeição por Jefferson.

Aí, quebrou o pau. Vossas Excelências deixaram o decoro de lado e, de pé, dedo em riste ou aos berros, tentaram impor seus argumentos. Descontrolado, gaguejando, o deputado Jorge Bittar (PT-RJ) avisou: “Tem gente que acha que vai ganhar no grito, mas não vai. Também sei gritar!” “Dá um suco de maracujá pra ele...”, brincou o deputado Arnaldo Faria de Sá (PTB-SP). “Não aceito acusação de quem apoiou a ditadura, torturou e matou...”, insistiu Bittar. “O deputado não foi tão incisivo no depoimento do Jefferson. Acho que amarelou”, provocou, na cadeira ao lado, o senador tucano Sérgio Guerra (PE), deixando Bittar ainda mais vermelho de raiva. “Quero pedir ao presidente Delúbio...”, disse Bittar, confundindo o nome de Delcídio Amaral e, com isso, provocando gargalhadas no meio da batalha. Aos berros, de pé, o senador Sibá Machado (PT-AC), tentou botar ordem na bagunça avisando que tinha arrancado, por fax, autorização dos quatro petistas denunciados para a quebra de seus sigilos. “Gritos e berros só depõem contra o Congresso”, refletiu o petista Cardozo, coincidindo no tom e na ponderação com o pefelista ACM Neto: “Devemos um pedido de desculpas à sociedade por tudo. Trouxemos pra cá este circo!”

Por trás da gritaria e do jogo de cena, a CPI dos Correios avança. Ela descobriu, na noite da quarta-feira 6, que o publicitário Marcos Valério, denunciado por Jefferson (PTB-RJ) como o “carequinha falante” que operava o mensalão, era muito mais do que isso. Rastreando a CPMF das contas de dez de suas 18 empresas de comunicação, a Receita Federal e o Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) registraram, entre 2001 e 2005, a movimentação de R$ 1,7 bilhão nas contas de Valério e sua mulher, Renilda. Com a varredura nas outras oito empresas, os analistas estimam que o passeio de dinheiro alcance R$ 2 bilhões – o dobro do que PC Farias, segundo a lenda, movimentou no trepidante governo Collor. “É estarrecedor. É a mais monumental lavanderia de dinheiro que este país já viu funcionando”, concluiu o presidente da CPI, senador Delcídio Amaral (PT-MS). Mas Valério é modesto.

“Sou apenas um cidadão comum”, disse o empresário no depoimento de 14 horas à CPI, na quarta-feira. Acolchoado por um habeas-corpus preventivo do STF que lhe dava o direito de se calar, deixou muitas dúvidas e não esclareceu as questões levantadas pelos parlamentares. Não sabe do mensalão, não pagou uma bolada ao PTB, nunca tratou de dinheiro com Roberto Jefferson, não tratou de cargos no governo com o ex-líder do PMDB na Câmara, deputado José Borba (PR), não conhece o ministro da Comunicação, Luiz Gushiken, não confirmou os saques em dinheiro vivo que suas empresas fizeram nas agências do Banco Rural. “Não me lembro de tudo”, sustentou, ao ser perguntado sobre o rombo que o Coaf identificou em apenas uma de suas empresas, a DNA Propaganda, por onde transitaram R$ 836 milhões entre 1999 e 2005. Desse total, R$ 458 milhões não têm origem identificada. Segundo o cruzamento de dados do Coaf com a agenda parlamentar, há saques vultosos pouco antes de votações importantes em Brasília, mas nada disso abalou o publicitário: “Foi uma coincidência do acaso.”

Na quinta-feira 7 foi a vez de a ex-secretária Fernanda Karina entrar em cena. Ela confirmou seus relatos anteriores sobre as ligações do publicitário com a cúpula petista, relacionando viagens a Brasília e a São Paulo com as datas dos saques milionários que ela testemunhava na sede da SMP&B, em Belo Horizonte. Os motoboys da empresa, segundo ela, voltavam dos bancos com uma mala grande, que era deixada no departamento financeiro, e o dinheiro era distribuído depois por duas secretárias em pastas tipo 007. “Os saques eram feitos pelos motoboys no início da manhã, antes da abertura dos bancos ao público”, contou Fernanda, num depoimento de seis horas que convenceu pela simplicidade. “O que ela falou parece coerente e lógico. Seu depoimento transmite mais credibilidade do que o de seu ex-chefe”, comparou o relator da CPI, deputado Osmar Serraglio (PMDB-PR), para quem se tornou inevitável uma acareação entre os dois para saber quem diz a verdade.

 

Fonte: Rev. IstoÉ, Luiz Cláudio Cunha, 13/07/2005.


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