Educação
Cotas para quê?
Pesquisa
financiada pelo MEC derruba tese de que
negros
não têm acesso às universidades
federais (Ufes).
O
que fazer quando se tem como principal política social um programa
chamado Fome Zero e o melhor instituto de pesquisas oficiais descobre
que o problema do país é o oposto, a obesidade? O que fazer quando uma
proposta de reforma universitária é assentada sobre a premissa de que os
negros só terão acesso ao ensino superior por meio de cotas e se
descobre que a representatividade dos negros nas escolas superiores
federais já é igual à existente na sociedade brasileira? Bem, no governo
do PT essas perguntas tiveram uma mesma e surpreendente resposta:
mudem-se as pesquisas, mantenham-se as políticas erradas e tome
mistificação para cima do respeitável público!
O susto com as conclusões da pesquisa da
Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino
Superior (Andifes) mostrando que os negros se fazem representar em
proporção exatamente igual dentro e fora da universidade foi mal
digerido no Ministério da Educação. "Essa pesquisa não podia sair desse
jeito. Ela não está de acordo com a política do ministério", disse a
VEJA um integrante da equipe do ministro Tarso Genro. Bem, era o que
faltava. As pesquisas sérias em países sérios com governos sérios não
têm de estar de acordo com os burocratas. Eles é que têm de se pautar de
acordo com a realidade que as pesquisas mostram.
Segundo o estudo da Andifes, o número de
negros nas universidades federais corresponde exatamente à sua
participação na população brasileira, que é de 5,9%. Além disso,
quase metade dos estudantes universitários, sejam eles brancos ou
negros, pertence a famílias das classes C, D e E, nas quais a renda
mensal total varia entre 207 e 927 reais. Estudos dessa natureza são uma
excelente oportunidade para discutir os caminhos para democratizar o
ensino no Brasil. Mas o governo, como tem acontecido com alguma
freqüência quando confrontado com a realidade, preferiu atacar os
números. Na segunda-feira passada, o MEC, que é favorável à política de
cotas, montou uma operação para desqualificar o estudo que ele próprio
financiou. O levantamento seria exposto numa entrevista coletiva marcada
para segunda-feira. Como os resultados da pesquisa não combinavam com as
convicções do ministro, sua divulgação foi cancelada. Alvoroçada, a
burocracia correu atrás do plano B.
O principal executivo do ministério na
área de pesquisas, Eliezer Pacheco, presidente do Instituto Nacional de
Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), foi escalado
para conseguir outros números. Pacheco, então, apresentou um estudo
preliminar do Inep, realizado com base em dados do Exame Nacional de
Cursos, para provar a necessidade da política de cotas. A propaganda não
funcionou. Quase não há diferença entre as duas pesquisas, a censurada e
a que foi tirada às pressas da gaveta. O levantamento da Andifes diz que
os brancos representam 59,4% dos estudantes das universidades federais.
O estudo do Inep afirma que esse número é 62%, uma diferença de apenas
2,6 pontos porcentuais. No que diz respeito aos dados sobre negros e
pardos, público-alvo das políticas de cotas raciais, a diferença é,
porcentualmente, ainda menor.
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Gustavo
Miranda/AE
Tarso Genro:
contra a divul-gação de pesquisa que não confirma a tese
do governo. |
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O economista Marcelo Néri, pesquisador
do Centro de Políticas Sociais da Fundação Getulio Vargas, produziu, com
exclusividade para VEJA, um estudo sobre a população universitária
brasileira, de acordo com a raça. Usando dados do IBGE, Néri descobriu
que, comparados a brancos e pardos, os negros são, de longe, o
contingente que apresentou as maiores taxas de crescimento nas
universidades públicas, entre 2001 e 2003. Nesse período, o número de
estudantes negros de nível superior cresceu 55,1%, contra 14,9% a favor
dos pardos e 10,4% para os brancos. "Essa é a melhor notícia no que se
refere à participação dos negros nas universidades. O crescimento é
impressionante", diz o economista. O aumento do número de negros e
pardos nas universidades aconteceu antes da vigência da política de
cotas. São pessoas que entraram na universidade pelos próprios méritos
acadêmicos, dos quais poderão se orgulhar e cujo desempenho profissional
futuro não ficará tisnado pelo fato de terem cortado caminho rumo ao
diploma. |
O sistema de cotas sugerido pelo MEC padece de falta de aprofundamento.
Pela proposta, metade das vagas nas universidades será reservada a
negros, indígenas e estudantes egressos de escolas públicas. Ocorre que,
hoje, segundo a pesquisa da Andifes, 46,2% dos estudantes de
universidades federais estudaram integralmente ou cursaram a maior parte
do ensino médio em colégios públicos. Ou seja, a cota está praticamente
preenchida. Em compensação, o governo federal e as administrações de
estados que já instituíram as cotas não têm ainda um projeto para manter
os alunos pobres na faculdade. A maior parte desses estudantes vem de
famílias que não têm renda para bancar gastos com livros ou instrumentos
usados em cursos como medicina e odontologia. Na Universidade do Estado
do Rio de Janeiro (Uerj), dos 8,7 milhões de reais previstos em
orçamento pelo governo do estado para o atendimento a alunos carentes,
só foi liberado 1 milhão. "Ação afirmativa não pode ser reduzida a
cotas. Desse modo, se está fingindo fazer política de ação social", diz
Raquel Villardi, sub-reitora de graduação da Uerj. Outro aspecto que tem
sido relegado a segundo plano é a melhoria na qualidade do ensino
fundamental e médio, sabidamente o único caminho para efetivamente
democratizar o acesso à universidade. A atual política de cotas também
corre o risco de ter outra nefasta conseqüência, a de atiçar
artificialmente uma animosidade inter-racial, algo inusitado no Brasil.
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Viaduto do Chá, em São Paulo, e Faculdade
de Direito da UFRJ, no Rio:
a diversidade de raças é igual |
Fonte: Revista Veja, Marcelo Carneiro, Edição nº 1897 de 23/03/2005.
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