Cotas não resolvem
Maria Judith Sucupira da Costa Lins*

 

 

 

 

          

"Estabelecer outros critérios que não o mérito para o acesso ao ensino superior é distorcer o objetivo da universidade"
 

Mais uma vez está de volta em nossa sociedade a discussão sobre o acesso ao ensino superior sob o prisma das cotas. A questão das ações afirmativas vem sendo debatida, focada em apenas determinados pontos sociais e políticos sem que sejam levadas em consideração outras variáveis.

Este tema exige uma reflexão que deve partir do sentido histórico desta instituição. Pensemos em qual é o sentido da universidade no mundo do século XXI. É grande o número de pessoas que sonham com o ingresso em uma faculdade, muitas vezes sem que saibam os reais motivos deste desejo. Julgam que terão um emprego ou um salário melhor. Esta não é a razão da existência da universidade. Se entendermos a universidade em sua condição de lugar do saber no qual o conhecimento e a ciência são criados e desenvolvidos, teremos uma concepção específica.

O que se observa como justificativa no grande número de candidatos que todos os anos batem às portas da universidade é a falta de alternativas.

Bastaria perguntar qual a motivação destes futuros alunos para se ter um elenco de respostas que não coincidem com as finalidades de um curso universitário.

Faltam opções aos alunos que chegaram ao final do ensino médio, e nada encontram que lhes possa proporcionar uma habilitação profissional digna e adequada. É então, a partir deste vazio, que os egressos do ensino médio se voltam para outro horizonte, encontrando à sua frente a possibilidade de um diploma de nível superior. A qualidade de ensino e de aprendizagem exige do estudante universitário uma vocação especial, de modo que não é o mercado que deve balizar sua escolha nem suportar seus esforços.

Estabelecer outros critérios que não o mérito para o acesso ao ensino superior é distorcer o objetivo da universidade e reduzi-la a uma fábrica de certificados ou instrumento para outros usos. Cursos organizados para serem frequentados depois do ensino médio, que proporcionassem preparação profissional e formação humana consistentes, seriam muito mais atraentes em termos de retorno financeiro.

A universidade não é nem para os alunos nem para os professores, a universidade é para o saber. Repensemos sobre o sentido da universidade, criando condições múltiplas para que os jovens, e também os não tão jovens, não se sintam obrigados a recorrer ao ensino superior porque outros caminhos não lhes são oferecidos. O estabelecimento das cotas no acesso ao ensino superior não resolverá o problema vital da construção do próprio futuro de cada pessoa.

 

* Maria Judith Sucupira da Costa Lins é professora da Universidade Federal do Rio de Janeiro.

 

 

Fonte: O Globo, 13/7/10.

 


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