Convite ao ódio racial
A política de cotas
raciais é desastrosa – e pode ser
Além de pisotear a Constituição, tratando negros e brancos de forma desigual, a idéia de definir direitos com base na "raça" é um disparate científico e um equívoco histórico. Está sobejamente provado que raça, do ponto de vista biológico, não existe. Fundado pelo francês Joseph-Arthur de Gobineau (1816-1882) na obra Ensaio sobre a Desigualdade das Raças Humanas, o chamado "racismo científico" inspirou a criação do apartheid e do nazismo – e foi implodido, cientificamente, na segunda metade do século passado. A única raça aceita hoje pela ciência é a raça humana. "É evidente que o conceito de raça negra que adotamos tem conotação social, não biológica e científica. O fato é que os negros vivem pior que os brancos no Brasil. E isso precisa mudar", diz frei David Raimundo dos Santos, organizador do manifesto e diretor da Educafro, rede de 255 pré-vestibulares para negros.
Uma forma simples de evitar esse despautério é trocar "cotas raciais" por "cotas sociais", o que beneficiaria os pobres – e os negros, que compõem a maioria dos pobres brasileiros. O recorte da "cota social" seria a renda, dado de mensuração objetiva, com a vantagem de não discriminar os brancos pobres. Um equívoco recorrente quando se discute a adoção de cotas raciais é desprezar o resultado das ações afirmativas mundo afora. O economista americano Thomas Sowell, pesquisador de políticas públicas da Universidade Stanford e negro, escreveu o livro Ação Afirmativa ao Redor do Mundo, no qual conclui que essas políticas fracassaram em todos os países onde foram adotadas. Aumentou um pouco a inserção dos negros, apenas um pouco, e a um custo desastroso. Nos Estados Unidos, onde as cotas raciais começaram a ser banidas em 1978, causou prejuízos às universidades e empresas sem que a situação socioeconômica dos negros fosse alterada sensivelmente. Na Índia, onde as cotas foram implantadas há cinqüenta anos para beneficiar os dalits, conhecidos como "intocáveis", as conseqüências foram ainda mais amargas. Numa única escola de medicina do estado de Gujarat, onde havia sete vagas destinadas aos dalits, 42 pessoas morreram num protesto contra as cotas.
Além de ignorar essas
conseqüências, o manifesto em favor das cotas contém falsificações
intelectuais. Uma delas é dizer que elas não comprometem a qualidade
acadêmica. "Todos os estudos de que dispomos já nos permitem afirmar com
segurança que o rendimento acadêmico dos cotistas é, em geral, igual ou
superior ao rendimento dos alunos que entraram pelo sistema universal", diz
o documento. VEJA tentou localizar os tais estudos. O Ministério da
Educação, que avalia as instituições de ensino superior, desconhece pesquisa
nesse sentido. Frei David Raimundo dos Santos disse a VEJA que um dos
estudos teria sido produzido pela Universidade Federal da Bahia. "Os
resultados foram excepcionais", afirmou. Na UFBA, porém, não há nada
concluído sobre o tema. "Foi uma generalização, de efeito político, típica
de manifesto", diz Paula Barreto, socióloga da UFBA e favorável à política
de cotas raciais. Tratar um assunto complexo como panfleto político só vai
produzir fumaça e mais desigualdade – e, é claro, ódio racial. Recentemente,
um grupo de negros invadiu a Universidade de São Paulo em defesa das cotas.
Houve tumulto. É só uma faísca. O grosso do conflito racial, se a insanidade
prevalecer, ainda estará por vir. Fonte: Rev. Veja, Alexandre Oltramari, ed. 1964, 12/7/2006. |