Contra fatos, não há estratégia política
 

Nada poderia ter sido pior para Lula do que aquela pesquisa CNT-Sensus dizendo que o presidente, no meio de uma crise sem precedentes, não apenas não perdera popularidade como até ganhara um pouquinho.
Ou seja: continuava fortíssimo na reeleição de 2006.

Pior porque:

1 - A oposição, que vinha tentando centrar o fogo no PT, preservando Lula e a instituição da Presidência da República, passou a ser virulenta. Veja o discurso destemperado do líder tucano no Senado, Arthur Virgílio, chamando Lula de "idiota". Está fora das regras do jogo.

2 - O governo e o PT, que estavam apenas perplexos e sem iniciativa, decidiram agir. Perderam as cautelas e também o pudor – como acusam PSDB e PT. Inebriados com a pesquisa e a possibilidade de reeleição de Lula, apesar de tudo, traçaram uma estratégia de alto risco: em vez de explicarem a lama, passaram a distribuir a lama para tudo e todos. Como se Lula pudesse se beneficiar disso – que o ministro (quer dizer, secretário...) Luiz Gushiken chama de "purificação".

Na sexta-feira passada, Marcos Valério disse que pegava dinheiro emprestado em bancos e distribuía ao governo de Delúbio Soares, então secretário-geral do PT. No sábado, o próprio Delúbio deu marcha à versão, dizendo que a grana toda era para o "caixa dois" de campanha. E no domingo, pasme!, o próprio Lula estava na telinha corroborando a versão, ao falar em coisas que são "sistemati camente" feitas no Brasil. Referia-se ao "caixa dois" de campanha.

Com a entrevista, que foi ao ar no domingo pela TV Globo, Lula perdeu o senso. Ao assumir para si o discurso, o tom e a versão usados por Valério e por Delúbio – os dois principais réus até agora –, o presidente optou por se confundir com os escândalos e por correr o risco de dividir o banco dos réus.

Ninguém acreditou que a dinheirama toda vinha apenas de empréstimos, como já não acreditava que era resultado só de contratos de publicidade. A suspeita continua sendo de que há órgãos públicos envolvidos. E a história do caixa dois tem uma meia verdade. A verdade é que todos os políticos, de todos os partidos, usam "caixa dois". A mentira é que Valério, Delúbio e cia. precisavam de tantos e tantos milhões só para cobrir isso. Basta raciocinar: Valério movimentava somas inacreditáveis (que não cito aqui porque cada dia elas sobem mais), mas o PT continua com uma dívida de campanha de R$ 39 milhões. Ou seja, nada faz sentido.

A mais recente descoberta é que Valério pedia dinheiro emprestado a instituições públicas, como o Banco do Brasil, usando como aval um dinheiro que não era dele, mas de órgãos públicos, como os Correios. É complicado e é simples: ele fechava um contrato com os Correios (apenas como exemplo) e depois pedia empréstimo no Banco do Brasil (entre outros) dando como garantia o que ganharia, um dia, quem sabe, dos Correios. Feio. Inexplicável. Órgãos públicos serviam de pretexto e aval para que outros órgãos públicos dessem dinheiro para ele.

Quanto ao Banco do Brasil, nenhuma surpresa. Eu mesma escrevi detalhada reportagem na Folha de S. Paulo, ainda em 2003, contando como o PT "aparelhara" o BB. Dos 31 cargos, 22 haviam sido mudados. Dos sete vice-presidentes, sete eram vinculados diretamente ao partido. Como também todas as presidências de fundações e entidades afins, como a Previ (fundo de pensão), a Cassi (serviço médico), a Fundação BB (que patrocina shows, por exemplo). O sindicalismo petista emergiu para a direção do banco. Boa coisa isso não iria dar.

Amostra, agora confirmada: o diretor de Marketing, Henrique Pizzolato, já tinha se enrolado com aquele show sertanejo financiado pelo banco para socorrer o PT. E, agora, surge no noticiário na seguinte situação: um contínuo buscou R$ 327 mil em espécie num banco e diz que entregou para Pizzolato, que, um mês depois, ora ora, comprou um apartamento por R$ 400 mil. Deve ser pura coincidência...  

Agora, com os escândalos pipocando para todo lado, a cúpula do Banco do Brasil está toda sendo refeita. "Petizaram" o banco, agora tentam correndo "despetizar". Tudo errado.

Antes, dizia-se que, "contra fatos, não há argumentos". Hoje em dia, o mais correto é advertir que, "contra fatos, não há estratégia política". Os fatos não param de surgir aos borbotões. Estão esmagando a estratégia do governo e do PT. Além dos sonhos de milhares de petistas e de milhões de eleitores.  

 

Fonte: Folha de S. Paulo, Eliane Cantanhêde, 20/07/2005.


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