ARTIGO:
Por que sou contra a
divisão sindical
Sadi Dal Rosso*

 

 

 

Uma única razão resume todos os motivos pelos quais sou contra a tentativa de divisão sindical dentro do ensino superior: fui eu e toda a valente diretoria da qual fiz parte que conduzimos o movimento docente a transformar a ANDES, de Associação Nacional dos Docentes do Ensino Superior, em o ANDES-SINDICATO NACIONAL.
 

O ANDES-SINDICATO NACIONAL é provocado, hoje, pela tentativa de criação de um segundo sindicato no mesmo ramo das atividades de docência superior e de pesquisa pela primeira vez após 30 anos de existência enquanto representante inconteste dos docentes universitários públicos e privados.

A provocação representa fato gravíssimo porque rompe 30 anos de uma vida unificada como associação e como sindicato que apresenta um rol de significativas vitórias para a categoria e para a sociedade. Associação fundada originalmente no Congresso de Campinas, São Paulo, foi transformada de Associação em Sindicato em congresso extraordinário realizado na cidade do Rio de Janeiro do qual participaram todas as entidades de base existentes.

A provocação assenta-se sobre uma base teórica em que prevalece a multiplicidade sobre a unidade e a competição sobre a luta comum. A função básica do sindicato é representar os trabalhadores perante os empregadores privados e públicos a partir da compreensão de que empregadores e trabalhadores não buscam os mesmos interesses. A organização sindical tem por objetivo reunir os trabalhadores assalariados em seu conjunto. Por isso a vocação última do sindicato é voluntariamente unitária. Uma organização construída unitariamente pelo desejo e ação da maioria e capaz de representar o conjunto dos trabalhadores enquanto classe e seus interesses diferenciados perante o estado. Pouco importa se os trabalhadores são intelectuais ou manuais, se labutam no trabalho material ou imaterial, se na indústria ou nos serviços. A forma como ganham a vida e a posição que ocupam na esfera das decisões são os critérios  mais importantes que os unem a despeito das muitas diversidades entre indivíduos e grupos.

Um mergulho na história da organização sindical mostra, entretanto, que sua vocação unitária foi esfacelada por práticas concretas das corporações de ofícios artesanais, nas quais prevalecia inconteste o argumento do particular sobre o geral. Tal qual aos dias de hoje quando professores universitários não querem sentar juntos na mesma organização sindical com professores do ensino médio e de educação básica ou com servidores técnicos administrativos, naquela época pedreiros não queriam juntar-se a ferreiros, sapateiros a chapeleiros, carpinteiros a tecelões. O controle de espaços políticos pelas corporações prevalecia em detrimento do grande vínculo comum decorrente da condição de assalariados. A unidade, pois, foi rompida e começaram assim a formar-se os sindicatos por ramos de atividade e a vocação unitária foi sufocada ao interesse do poder concreto das corporações.

A tal ponto prevaleceu a multiplicidade sobre a unidade e a competição sobre a luta comum no interior do sindicato, que grandes revolucionários do século XIX e do início do século XX perceberam o esmaecimento da vocação unitária do sindicato e em função disso passaram a afirmar sua incapacidade para produzir transformações mais profundas na estrutura da sociedade capitalista ou feudal. Ao sindicato caberia somente conduzir a luta pelas condições de trabalho e salário. A luta política maior ficaria por conta do partido político.

A intenção de cisão sindical não se arvora possivelmente em princípios maiores que talvez aqueles decorrentes da prática contemporânea da organização e da luta sindical. A luta sindical foi tremendamente enfraquecida no mundo todo com o esboroamento da proposta socialista em escala internacional e a prevalência de um pensamento, ele também com viés totalitário, de que “não existe mais alternativa”. A organização sindical no Brasil vem tomando um rumo no qual prevalece o número de entidades sindicais sobre sua capacidade de ação. Não é por acaso que o esfacelamento e a divisão sindicais avançam a largas passadas, a começar pela organização de base, o sindicato, até a entidade agregadora, a organização central, que já existem em tão grande número que melhor se chamariam divisões em vez de centrais.

Diz-se que os romanos operavam com a máxima ‘divide et impera’. Será que na luta sindical o mesmo princípio não mais se aplica? Será que para os docentes do ensino superior, dividir aumenta o poder das sindicais e unir diminui sua força enquanto conjunto? Ou o contrário é verdadeiro? No fundo, a questão política e teórica em jogo é se o princípio da unidade voluntariamente construída deve prevalecer sobre as intenções e as práticas divisionistas.

A provocação de organização de um segundo sindicato pode ter as justificativas teóricas e práticas mais plausíveis. Será difícil, entretanto, provar que no recôndito da provocação divisionista não estejam aninhadas as idéias de territorialização, controle de espaço político e partidarização, das quais flui como conseqüência o enfraquecimento da luta comum em favor da categoria e da transformação da sociedade.

 

 *Sadi Dal Rosso - Presidente da ANDES e do ANDES-SINDICATO NACIONAL, durante cuja gestão o movimento docente transformou a associação em sindicato. Este artigo representa meu posicionamento individual e não do conjunto dos companheiros da diretoria, gestão 1988-1990, apesar de que estou certo de que todos compartilham das idéias aqui expostas.

 

Fonte: Andes-SN, 22/10/2008.

 


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