[Não é piada!!!]
Contra desflorestamento, governo prepara anistia
para desmatadores

          

Ante alta da devastação, idéia é reduzir área intocada das propriedades de 80% para 50%
e reverter perda total
 

Para tentar reduzir e compensar o desmatamento na Amazônia Legal, o governo planeja dar uma anistia a quem derrubou ilegalmente a floresta. 

Pela medida em estudo nos Ministérios da Agricultura e do Meio Ambiente, empresas e agricultores poderão manter 50% das fazendas desmatadas, voltar à legalidade e ter direito ao crédito agrícola oficial se aceitarem recuperar e repor a floresta dos outros 50% das propriedades. 

Feitas as contas, se a decisão for adotada, o governo vai legalizar em torno de 220 mil quilômetros quadrados de Amazônia desmatada ilegalmente, uma área correspondente à soma dos Estados do Paraná e Sergipe. 

A obrigatoriedade estabelecida no Código Florestal, de manter reserva legal correspondente a 80% do tamanho do imóvel, podendo desmatar e produzir nos demais 20%, continuará valendo para quem não derrubou a mata ou para quem adquirir propriedade nova. 

“O dano ambiental já ocorreu, a área já está desmatada. Esse é o fato. Permitir que a recuperação nas áreas de uso intensivo seja de 50% é uma forma de diminuir a pressão por novos desmatamentos”, disse ao Estado o secretário-executivo do Meio Ambiente, João Paulo Capobianco, um dos defensores da idéia.

Embora a medida funcione como uma anistia, o secretário não aceita essa definição. Para ele, trata-se de uma medida excepcional, destinada a resolver um problema urgente. 

No final de janeiro, Capobianco divulgou dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) segundo os quais em novembro e dezembro houve aumento de desmatamento na Amazônia. 

“Situação excepcional” 

O secretário admite que haverá tratamento diferenciado para quem desmatou e para quem preservou a floresta. “Há áreas desmatadas, que são classificadas de uso intensivo, tanto por pastagens quanto por agricultura. O que se discute é a possibilidade de uso maior de parte da propriedade, hoje fixada em 20%. Nesse caso em estudo, poderá chegar a 50%. Mas essa é uma situação excepcional.” 

Para o ministro da Agricultura, Reinhold Stephanes, a medida a ser tomada pelo governo é fundamental para enfrentar o desmatamento em definitivo. 

“A alternativa é uma forma de levar a paz ao campo e, enfim, resolver o problema do desmatamento na Amazônia”, disse. “O proprietário de terras se sentirá incentivado a não fazer novos desmatamentos, pois contará com área suficiente para desenvolver suas atividades econômicas.” 

O raciocínio do governo é de que a anistia funcionará, na prática, como uma punição, enquadrando quem desmatou fora do critério de preservação de 80%, e hoje trabalha sem cobertura vegetal nenhuma, pois o obrigará a repor até 50% da mata destruída. 

Entre o zero de floresta e a recuperação de 50% das matas, o governo considera que haverá um ganho considerável, mesmo que, para isso, tenha de abrir exceções. 

De acordo com dados oficiais, dos 5 milhões de quilômetros quadrados da Amazônia Legal, cerca de 730 mil quilômetros quadrados - 73 milhões de hectares - já foram derrubados. 

O governo não tem números exatos sobre o tamanho do desmatamento ilegal, mas calcula-se que, do total de floresta derrubada, pelo menos 80% disso está nessa categoria, ou seja, cerca de 580 mil quilômetros quadrados. 

Levando-se em conta a exigência de que a recuperação das áreas degradadas chegue aos 50% do tamanho da propriedade, a anistia poderá alcançar 220 mil quilômetros quadrados de desmatamentos.

Benefício e impunidade 

Entre especialistas, há dúvidas quanto à eficácia da medida que o governo estuda tomar. “Se a decisão não vier acompanhada de outras medidas, como o controle do crédito e a punição para os que agem na clandestinidade, não resolverá nada”, diz Adalberto Veríssimo, diretor e pesquisador sênior do Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon). 

Para ele, a perspectiva de anistia para quem desmatou é ruim do ponto de vista da iniciativa do governo. “O debate é salutar, mas a anistia não”, afirmou. “Os desmatadores ilegais sempre agiram pensando que um dia seriam beneficiados com ela.” 

Segundo Capobianco, a intenção do governo é concluir os estudos para o projeto o mais rapidamente possível, talvez ainda neste semestre. “Técnicos dos Ministérios da Agricultura e do Meio Ambiente têm feito reuniões seguidas. Quando concluírem os estudos, eles serão entregues aos ministros”, informou Capobianco. Em seguida, o projeto será encaminhado à Casa Civil. 

Compensação 

O secretário-executivo do Meio Ambiente disse ainda que a recuperação da área degradada não terá de ocorrer, necessariamente, na propriedade de quem desmatou. 

“Ele poderá comprar uma área correspondente ao que falta para chegar a 50% do tamanho de sua propriedade e torná-la reserva legal. Poderá também adquirir áreas em florestas nacionais ou áreas de reservas federais, estaduais ou municipais e repassá-las para o ente federativo correspondente”, afirma. 

Ele reconhece que o assunto é polêmico e que o governo tem de agir com cuidado. “Não vamos abrir as porteiras. Cada caso é um caso e será analisado assim. É preciso ver se os documentos do proprietário são legais, se não há grilagem.” 

O Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) exigirá dos proprietários a origem dos documentos, se foram adquiridos de forma “mansa e pacífica”, ou seja, se o proprietário não recorreu à violência. 

“É preciso entender que muitas pessoas estão nas áreas há muito tempo, que há desmates antigos, que é ali que criaram famílias e é dali que tiram seu sustento. O governo não quer prejudicar ninguém. Quer é resolver esse problema de uma vez por todas”, afirma Capobianco. 

Para ele, a forma mais objetiva de o proprietário mostrar que tem boas intenções é procurar o Incra para fazer o recadastramento. Os que não procurarem o instituto estarão, segundo ele, admitindo que vivem em situação irregular. 

Manobra beneficiaria três estados 

A proposta do senador Jonas Pinheiro (DEM-MT), em tramitação no Senado, retira da Amazônia Legal os Estados do Maranhão, Mato Grosso e Tocantins. Com a mudança, as propriedades rurais dos três Estados não teriam de cumprir o limite de 80% de reserva legal. Também fazem parte da Amazônia Legal os Estados do Acre, Amapá, Amazonas, Rondônia, Roraima e Pará. 

A Amazônia Legal, conceito criado em 1953, tem cerca de 5,2 milhões de km2, perto de 61% do território brasileiro. Entre 1970 e 1996, sua população cresceu cerca de 130%. 

Ao apresentar o projeto, o senador Jonas Pinheiro deixou claro que seu objetivo é favorecer Mato Grosso. Ele lembrou que a criação de Mato Grosso do Sul, em 1977, representou perda para a economia de MT. A título de compensação, o governo integrou todo o território de MT à Amazônia Legal, pois se beneficiaria dos incentivos fiscais concedidos à região. 

Mas, para Pinheiro, MT foi prejudicado, porque grande parte de sua cobertura vegetal, onde predominaria o cerrado, nada tem a ver com o bioma da Amazônia.

 


“Temor é que a anistia induza a novos desmatamentos”,
diz o diretor e pesquisador sênior do Imazon

          

Para Adalberto Veríssimo, só a divulgação do projeto já pode levar mais gente a pôr a mata
no chão; solução seria maior presença do Estado
 

O diretor e pesquisador sênior do Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon), Adalberto Veríssimo, elogia o fato de o governo estar preocupado com a recuperação de áreas degradadas na Amazônia Legal, mas teme que os efeitos sejam nulos ou até estimulem mais desmatamentos. 

Para ele, a notícia do estudo da anistia pode levar mais gente a pôr a mata no chão. Adalberto apela ao governo para que seja mais presente na área. O Imazon alertou em 2007 que o desmate havia aumentado. O governo contestou. No mês passado, o governo admitiu a alta. 

Leia entrevista: 

- A anistia a quem desmatou pode ajudar a conter a derrubada? 

Meu temor é o de que a simples notícia de anistia leve quem não fez a mesma coisa a também desmatar. 

- O que o governo pode fazer para reduzir o desmatamento? 

É preciso estar presente. O governo é omisso. A presença do Estado na Amazônia é tênue. Há problemas na titulação de terras. O Estado não consegue nem emitir alvarás para autorizar desmatamentos legais, dentro do limite de 20%. O fato de haver esse limite não permite ao proprietário fazer o desmatamento. Ele tem de pedir autorização e obter o alvará. Como o governo não consegue fazer isso, a pessoa cansa de esperar. 

- Quem não desmatou pode se sentir injustiçado? 

Claro. O governo deveria ter um mecanismo de compensação para quem ficou na legalidade. Mas não tem. Também deveria oferecer compensação econômica para quem recuperar áreas degradadas. É preciso lembrar que bacias hidrográficas inteiras foram prejudicadas e isso pode ter conseqüências nefastas para o clima e o bioma. 

- Onde o desmatamento é pior? 

Em toda a região da Transamazônica, da Belém-Brasília, no Pará, da BR-364, em Rondônia. Nesse Estado, a mata só foi preservada onde há reserva legal. 

- É possível evitar mais prejuízos? 

Sim. O desmatamento já chegou a 18%. Se houver ações do governo na Amazônia, se houver compensações econômicas para a recuperação, é possível parar com o desmatamento. Hoje temos projetos de reflorestamento, mas ainda são ínfimos.

 

Fonte: O Estadão, 10/2/2008.

 


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