Congresso já fala em mudar projeto
Oposição natural, o PSDB reuniu seus representantes em São Paulo no início do mês e fechou questão: é contra o anteprojeto. O primeiro a atirar no governo é o ex-ministro Paulo Renato de Souza. Diz que a proposta "atende às pressões de entidades sindicais ligadas ao PT e não se apresenta como uma alternativa eficaz para a educação brasileira". De acordo com ele, a principal falha do projeto consiste em ignorar temas como flexibilização curricular, formação de professores e pós-graduação. Entre os deputados do partido, as queixas são as mesmas. Para o deputado Rafael Guerra (PSDB-MG), a reforma tem vários pontos demagógicos e que não contribuem para o aperfeiçoamento da universidade. Já para Eduardo Paes (PSDB-RJ) esse é "mais um movimento autoritário do PT". Deputada federal licenciada e secretária estadual de Ciência e Tecnologia de Goiás, a tucana Raquel Teixeira afirma que o governo não busca a excelência intelectual ao acabar com os institutos tecnológicos e os centros de pesquisa. No PT, Cristovam insiste no básico Há duas semanas, o ministro da Educação, Tarso Genro, se reuniu com a bancada do PT para apresentar sua proposta. Tenta ganhar apoio e evitar críticas internas. Aproveitou o encontro para convencer os deputados de que o governo não está cuidando apenas da universidade. Lembrou que o projeto do Fundo de Desenvolvimento da Educação Básica, o Fundeb, já está na Casa Civil e chegará ao Congresso antes da Reforma Universitária. Apesar do apoio que recebeu do presidente da Comissão de Educação da Câmara, deputado Paulo Delgado (PT-MG), no Senado o cenário é outro. Demitido por telefone, o ex-ministro e senador Cristovam Buarque (PT-DF) insiste nas críticas públicas. Subiu à tribuna para defender que, no lugar de se tentar ajustar cada artigo da proposta governista, os senadores elaborem um substitutivo que incorpore os pontos positivos do texto a ser enviado pelo Executivo. O senador até cumprimentou Tarso Genro pelo que chamou de "ousadia", mas ressaltou que o anteprojeto contém pelo menos dez equívocos. Para Cristovam, a proposta se limita a trabalhar aspectos relacionados com a falta de recursos, com a organização civil e com o gerenciamento da universidade. "É uma pena que a ousadia tenha ficado prisioneira de uma proposta tímida, pontual e superficial", disse, para em seguida ganhar apoio do senador José Jorge (PFL-PE). Senadores do Norte criticam artigo 13 Além de lidar com as ideologias e convicções pessoais, o governo terá que superar os interesses de cada bancada. Na semana passada, foi a vez de senadores do Amapá reclamarem do anteprojeto. Críticas que partiram do PMDB e até do PSB. O alvo é o artigo 13, que reconhece como universidades apenas as instituições de ensino superior que ofereçam pelo menos três cursos de mestrado e um de doutorado. A meta atinge as federais do Amapá, Acre, Roraima, Rondônia e Tocantins. O primeiro a reclamar foi Papaléo Paes (PMDB-AP). Disse que a proposta do MEC transforma as pequenas instituições públicas em centros universitários e lembrou a Universidade Federal do Amapá, que não possui nenhum curso de pós-graduação. "A universidade não tem encontrado quase ou nenhum apoio externo. Como poderá atender às exigências que a reforma propõe?", argumentou, acrescentando que a federal perderá sua autonomia. Em aparte, o senador Marco Maciel (PFL-PE) declarou apoio ao colega. No dia seguinte, foi a vez do senador João Capiberibe (PSB-AP) retomar o alerta. Disse que a Reforma Universitária vai aprofundar as diferenças entre as instituições federais. As críticas atingiram ainda os critérios para distribuição de recursos, professores e técnicos-administrativos, que prejudicariam as instituições da Amazônia. "As universidades da Amazônia já vivem às margens de políticas que valorizam o ensino superior e a pesquisa", disse Capiberibe, acrescentando que em 2003, o então ministro da Educação Cristovam Buarque criou regras que poderiam evitar o atrofiamento das federais da região. Política, que segundo ele, foi abandonada pelo governo. Comissões cobram apoio da Fazenda O MEC ainda recebe propostas para mudar a Reforma Universitária até esta quarta-feira, dia 30. Depois, o ministério pretende reformular o texto e apresentá-lo até 15 de abril. Antes de enviá-lo à Casa Civil, Tarso Genro admitiu que formará uma comissão com representantes de diversas entidades para revisar o anteprojeto. A meta é agregar apoio à Reforma Universitária, que só deve chegar ao Congresso Nacional no segundo semestre. Apesar do prazo, senadores e deputados não querem esperar. A Comissão de Educação da Câmara deve divulgar nos próximos dias um cronograma com uma série de debates sobre o tema. No Senado, a discussão já começou. No início de março, assim que assumiu a presidência da comissão, o senador Hélio Costa (PMDB-MG) convocou o secretário-executivo do MEC, Fernando Haddad, para explicar os objetivos do governo. O senador advertiu que o texto apresentado exige um aumento considerável de investimentos e questionou o apoio da área econômica. Ele lembrou a necessidade de excluir o setor da Desvinculação de Receitas da União (DRU). "A reforma do ensino superior deve ser uma política pública e não necessariamente uma política de governo. Temos que analisar como tudo isso vai ser financiado", afirmou Hélio Costa.
Até agora, a área
econômica ainda não emitiu opinião sobre os impactos da Reforma
Universitária nas contas do governo. Fato que só deve ocorrer quando o
projeto chegar à Casa Civil. No entanto, a Comissão de Educação do Senado
deve se adiantar. Hélio Costa afirma que vai convocar nova audiência, dessa
vez, com a presença de um representante do Ministério da Fazenda. Sindicato se diz excluído pelo MEC
Diretor regional do sindicato, Paulo Cresciulo afirma que os docentes não são contra a discussão, mas defendem um processo de construção coletiva. O professor, que também dirige a Associação dos Docentes da UFF, a Aduff, acrescenta que o MEC excluiu o sindicato devido à resistência da categoria em aceitar o anteprojeto. Em entrevista à FOLHA DIRIGIDA, Cresciulo analisa a proposta do governo e não poupa críticas aos artigos considerados inegociáveis. "A verba do ProUni e a conseqüente isenção de impostos que as particulares receberão, seria suficiente para tirar do papel grande parte desta expansão que o governo planeja". Veja a entrevista: • Qual sua análise do anteprojeto apresentado pelo MEC? Minha posição é a mesma do último Congresso Nacional do Andes e da própria Aduff. Existe uma resistência muito grande, não só ao conteúdo e às propostas, mas também à forma de divulgação e apresentação do anteprojeto. Embora o governo use um modelo de comunicação eficiente — como se quisesse realmente a participação e o envolvimento de toda a comunidade acadêmica —, na realidade, sabemos que isso não ocorre. É uma construção viciada, onde todas as propostas e toda a lógica e política são indicadas pelo modelo neoliberal. Existe uma grande preocupação de atender aos interesses do capital e do mercado, contrários ao interesse público. O MEC diz que há um prazo para a entrega das contribuições ao anteprojeto, fez um lançamento que foi transformado em ato midiático, mas foram convidadas apenas entidades que pretensamente estariam apoiando suas propostas. O MEC excluiu o Andes. Todos foram chamados: SBPC, Andifes, Fasubra, mas os docentes não. Por quê? Porque já sabia que o Andes não compactua com a proposta. O Andes tem uma proposta de universidade construída por um debate contínuo da categoria. Nossa intenção é de fato participar da elaboração do texto. Desconsideramos por completo o anteprojeto que aí está. Queremos construir um projeto junto com todas as demais entidades. Em reunião recente, o próprio presidente da SBPC, Ennio Candotti, lamentou a ausência do Andes no debate. • Nesta proposta que o Andes elaborou, que pontos o senhor destacaria como diferenciais ao anteprojeto do governo federal? A diferença primordial é que colocamos na nossa proposta que verbas públicas devem ser destinadas às instituições públicas. Basicamente, o projeto do governo tem o envolvimento do ProUni, que significa uma distribuição de dinheiro para as instituições particulares. Queremos também uma proposta séria sobre ações afirmativas. Achamos que a política de cotas está sendo apresentada de maneira demagógica e oportunista. As cotas não podem ficar restritas à raça negra. Existe um problema social que tem relação com as dificuldades da rede pública de ensino fundamental e médio. Propomos uma política ampla de construção de ações afirmativas. Até mesmo porque, ela deve vir acoplada com uma política de assistência e permanência do aluno carente na instituição de ensino. A gestão democrática do setor administrativo e financeiro é outro ponto. Basicamente, na proposta do governo, há uma preocupação em adequar a universidade às necessidades do mercado. Neste sentido, quando se fala em autonomia financeira, na verdade, o MEC quer dizer que a universidade estará captando recursos com a iniciativa privada e a sociedade. O resultado disso é que a universidade passará a funcionar segundo a visão e as diretrizes de quem a estiver financiando. No caso, é a mesma lógica das parcerias público-privadas. Logo, a instituição pública deixaria de ser uma instituição com objetivos sociais e passaria a atender as necessidades de mercado. Estas são as diferenças básicas entre o Andes e o anteprojeto do MEC. É preciso ficar claro que não somos contra qualquer proposta. Temos uma proposta. Mas não consideramos a nossa proposta a melhor ou a definitiva para a sociedade. Queremos discutir e nunca fomos ouvidos. • O anteprojeto estabelece meta de expansão de 40% para o setor público. O senhor acredita que esta meta é viável com a política de financiamento que temos hoje? Não. Achamos que há possibilidade. Mas é preciso que isso seja discutido seriamente com a comunidade. O Andes tem uma proposta sobre isso, inclusive com estudos detalhados, revelando, por exemplo, que a verba do ProUni e a conseqüente isenção de impostos que as particulares receberão, seriam suficientes para tirar do papel grande parte desta expansão que o governo planeja. O que nos preocupa é que o governo para atingir esta expansão usa o ensino a distância. Somos radicalmente contra a maneira como isto está sendo encaminhado pelo MEC. Da maneira como está sendo feito, não vamos atingir a meta e a expansão não terá a qualidade necessária. Queremos expansão com investimento nas federais para criação de novos cursos, de novos campi, de novas instituições. O governo não tem essa proposta. O que o MEC quer é chegar numericamente aos 40%. Como? Através do ensino a distância, através da interiorização sem nenhum controle de qualidade. • Falando do setor privado, o anteprojeto enumera diversas exigências. Isso mostra um endurecimento das regras ou não? Não. Na realidade, acredito que o governo tem como maior preocupação o diálogo com a sociedade, ou seja, convencer a sociedade de que suas ações são sérias. Não existe intenção de construir coletivamente. Existe apenas este diálogo com a sociedade com objetivo de mostrar uma coisa que na realidade não acontece. Acredito até que o governo tenha de fato uma preocupação de melhorar o nível das filantrópicas, comunitárias... Se esta ação fosse pautada numa lógica para garantir qualidade e não atender a interesses financeiros, seria de fato uma lógica louvável. Agora, com certeza a proliferação desse tipo de instituição vai continuar. Os grandes interessados, os grandes tubarões do ensino, continuarão agindo impunemente. Essas instituições não serão fechadas. Tanto no Rio quanto em São Paulo, onde o setor privado está muito bem enraizado, o problema vai continuar. • O anteprojeto cria conselhos sociais nas instituições de ensino. O Andes encara esta proposta como positiva ou negativa? O Andes não tem uma proposta definida sobre isso. Acabamos de finalizar um projeto mais geral em oposição ao anteprojeto do MEC, pois queremos uma construção coletiva, inclusive com a participação do governo. • O senhor falou do ProUni, que foi implementado separadamente. Da mesma forma aconteceu com a Lei de Inovação. O senhor acredita que isso prejudica a discussão da reforma? Veja só: o Andes sempre disse que o governo joga com a sociedade, dizendo que a proposta dele de Reforma Universitária está contida no anteprojeto. E o Andes já vinha alertando ao longo dos anos que a reforma está sendo implementada gradualmente pelo governo, a sua maneira. A reforma está vindo em fatias. Por isso, temos a Lei de Inovação Tecnológica, as parcerias público-privadas e o ProUni. Entendemos que estes elementos são primordiais e eles dão o pontapé inicial para mostrar o que o governo realmente pensa para as universidades. Não é o que está apenas escrito no anteprojeto. O anteprojeto é mais uma etapa. Entendemos estrategicamente que estas leis, mesmo as que não tratam especificamente das universidades, representam um caminho aberto para que outros pontos sejam bem-sucedidos. Se observarmos, percebemos que há toda uma coerência entre estas ações. Se o governo realmente tinha uma proposta através do ProUni, ou de qualquer uma destas leis, ela deveria estar embutida sim em toda a discussão sobre a reforma e não ser colocada antes, como foi feito. Ou seja, o governo na verdade preparou o caminho para uma reforma já com interesses bem definidos. • O governo está recebendo até quarta-feira, dia 30, as sugestões. Após isso a discussão deve continuar na Casa Civil. Existe ainda a possibilidade de mudança? Este documento que aprovamos tem a participação de delegados do Brasil todo. Esta proposta é embasada nas inúmeras deliberações de nossas entidades de base, ou seja, ela é coerente com a categoria. Vamos encaminhá-la pessoalmente ao ministro da Educação, Tarso Genro, na expectativa do governo receber efetivamente, não receber formalmente ou protocolarmente, a proposta que elaboramos. Acredito que pelo menos durante o ano de 2005 poderemos discutir com a sociedade brasileira, para que a reforma atenda aos anseios da comunidade acadêmica e do país. O Andes entende que o anteprojeto que aí está é inegociável. Acreditamos que o governo não conseguirá aprovar isso no Congresso Nacional. Não existe, neste caso, a possibilidade de negociação. O governo tem que mostrar disposição para negociar, pois até agora mostrou claramente que já tem definida, em linhas gerais, sua proposta. Entendemos que a reforma não é apenas do governo, ela é de todos. Não temos nenhuma expectativa otimista de que consigamos introduzir grandes mudanças. Mas queremos ter a oportunidade de participar, o que nos foi negado anteriormente. Fonte: Folha Dirigida, 29/03/2005. |