Collor e Lula são
comparáveis?
Gilberto Velho*
Por ora, apesar da
decepção, não se deve ignorar as diferenças de
O que existe, sobretudo, de melancolicamente comum é a confirmação de uma cultura da corrupção que perpassa a sociedade brasileira manifestada, de modo particularmente agudo, na relação entre o Estado, através de diferentes órgãos, agências e empresas com grupos de interesse dos mais variados tipos e perfis. Evidencia-se, em ambos os casos, através de fortes sinais e pistas indisfarçáveis, a enorme amplitude e persistente atuação de mecanismos e redes de corrupção associados, inevitavelmente, a outras formas de criminalidade como, por exemplo, as mortes de PC Farias, sua esposa e amante demonstraram. O nebuloso assassinato de Celso Daniel também aponta nessa direção. Essa crônica pilhagem da coisa pública, efetivada pela associação entre detentores de cargos em ministérios e empresas estatais, lobistas, políticos de diferentes partidos e orientações e poderosos grupos de interesses, vampiriza a nação, inviabilizando seu desenvolvimento e progresso social. No caso Collor evidenciou-se, de maneira inegável, que o próprio presidente da República não só participava, mas exercia a liderança de uma quadrilha que ascendera ao poder federal com um projeto claro de pilhagem e saque. Infelizmente, a extensão e profundidade de sua ação jamais foram devidamente investigadas e, muito menos, esclarecidas, pois os indícios apontavam para indivíduos e grupos políticos e econômicos solidamente encastelados em diferentes esferas do poder. Esses, com conivências surpreendentes, tudo fizeram para encobrir e apagar as evidências de sua atividade criminosa. O impeachment de Collor praticamente esgotou o esforço e a luta por uma devassa do escandaloso processo de corrupção identificado por uma ponta de iceberg que assomou. Na atual crise há, antes de tudo, choque e decepção ao descobrir-se que uma banda do PT e setores do próprio governo abraçaram, possivelmente por tosco maquiavelismo político, as práticas de manipulação e corrupção tradicionais que antes tanto condenavam, introduzindo até algumas inovações. Não se sabe ainda a extensão e todas as implicações de tais ações mas, até agora, não há nenhuma prova de que Lula, ao contrário de Collor, seja cúmplice ativo de tais desmandos. Os seus erros passam, ao que tudo indica, pela omissão e falta de controle sobre subordinados próximos e liderados em geral. Ou seja, está sujeito às críticas de mau governo e mesmo incompetência, mas nada que justifique uma campanha de impeachment. Isso seria banalizar e fragilizar ainda mais a democracia que vive de debates e críticas. Caso Lula fosse primeiro ministro de um regime parlamentarista, provavelmente cairia. Mas, de fato, ele é chefe de Estado de regime presidencialista. Não se pode, assim, negar a sua responsabilidade como supremo mandatário por tudo que ocorra no seu governo, mas há que evitar confundi-lo com um notório chefe de quadrilha. O governo Lula deve ser vigiado e fiscalizado em função das dúvidas e denúncias, mas sem espírito golpista. Este aparece na história do Brasil recente, tanto em setores da direita, como da esquerda, ávidos pelo poder e sequiosos de suas benesses. Há que insistir na necessidade de investigar tudo que for suspeito particularmente, nesse momento, as relações entre o Executivo e o Legislativo. A sociedade civil e a opinião pública precisam pressionar para que não acabe em farsa, mais uma vez, o esforço de resgatar a cidadania e fortalecer o regime democrático. É necessário, no entanto, caminhar passo a passo, sem precipitar acontecimentos que possam causar danos irreparáveis à nação. Caso se venha a provar o envolvimento direto do presidente com ações criminosas, é evidente que o cargo que ocupa estará em risco. Por ora, apesar da decepção, não se deve ignorar as diferenças de biografia e trajetória de Collor e Lula, dando a este, pelo menos, o benefício da dúvida. Para diminuir os riscos de comparações infelizes e desairosas seria, também, necessário que Lula recompusesse o seu governo para tentar superar a desmoralização que se alastra e, ainda, demonstrasse real interesse em aperfeiçoar seu questionável estilo de liderança.
Fonte: Jornal da Ciência, 21/06/2005. |