O
perigo de classificar
os brasileiros por raça
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Os gêmeos Alex e Alan Teixeira da Cunha,
18 anos, filhos de pai negro e mãe branca. |
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A
decisão da banca da Universidade de Brasília que determina quem tem
direito ao privilégio da cota mostra o perigo de classificar as pessoas
pela cor da pele – coisa que fizeram os nazistas e o apartheid
sul-africano
Um
absurdo ocorrido em Brasília veio em boa hora. Ele é o sinal de que o Brasil
está enveredando pelo perigoso caminho de tentar avaliar as pessoas não pelo
conteúdo de seu caráter, mas pela cor de sua pele. No início de maio, o
estudante Alan Teixeira da Cunha, de 18 anos, e seu irmão gêmeo, Alex, foram
juntos à Universidade de Brasília (UnB) para se inscrever no vestibular.
Visto que têm pele morena, eles optaram por disputar o concurso por meio do
sistema de cotas raciais. Desde 2004, a UnB – e outras 33 universidades do
país – reserva 20% de suas vagas a alunos negros e pardos que conseguem a
nota mínima no exame. Alan e Alex são gêmeos univitelinos, ou seja, foram
gerados no mesmo óvulo e, fisicamente, são idênticos. Eles se inscreveram no
sistema de cotas por acreditar que se enquadram nas regras, já que seu pai é
negro e a mãe, branca. Seria de esperar que ambos recebessem igual
tratamento. Não foi o que aconteceu. Os "juízes da raça" olharam as
fotografias e decidiram: Alex é branco e Alan não.
Alan, que quer prestar
vestibular para educação física, foi classificado como preto na subcategoria
dos pardos e pode se beneficiar do sistema de cotas. Alex, que pretende
cursar nutrição, foi recusado. "Não sei como isso é possível, já que eu e
meu irmão somos iguais e tiramos a foto no mesmo dia", diz Alex, que
recorreu da decisão. A UnB informa que o recurso está sendo analisado e o
resultado sairá nesta quarta-feira. A avaliação divergente dos irmãos Alan e
Alex pela UnB é uma prova dos perigos de tentar classificar as pessoas por
critério racial. Em todas as partes onde isso foi tentado, mesmo com as mais
sólidas justificativas, deu em desastre. Os piores são as loucuras nazistas
e as do apartheid na África do Sul. Ambas causaram tormentos sociais
terríveis com a criação de campos de concentração e guetos. Os nazistas
exterminaram milhões de pessoas, principalmente judeus, em nome da
purificação da raça.
Biologicamente as
raças são chamadas de subespécies e definidas como grupos de pessoas –
ou animais – que são fisiológica e geneticamente distintos de outros
grupos. São da mesma raça os indivíduos que podem cruzar entre si e
produzir descendentes férteis. Esse é o conceito científico assentado há
décadas. Recentemente, porém, esse conceito foi refinado. Pode haver
mais variação genética entre pessoas de uma mesma raça do que entre
indivíduos de raças diferentes. Isso significa que um sueco loiro pode
ser, no íntimo de seus cromossomos, mais distinto de outro sueco loiro
do que de um negro africano. Em resumo, a genética descobriu que raça
não existe abaixo da superfície cosmética que define a cor da pele, a
textura do cabelo, o formato do crânio, do nariz e dos olhos. Como os
seres humanos e a maioria dos animais baseiam suas escolhas sexuais na
aparência, a raça firmou-se ao longo da evolução e da história cultural
do homem como um poderoso conceito.
Em termos cosméticos sempre será assim, mas |
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tentar explicar as
diferenças intelectuais, de temperamento ou de reações emocionais pelas
diferenças raciais é não apenas estúpido como perigoso.
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O sistema de cotas
raciais nas universidades foi uma promessa de campanha do presidente
Lula. Embora já encampada pelas universidades, a lei que o regulamenta
espera aprovação no Congresso, junto com outra lei temerária que
institucionaliza o cisma racial no país: o Estatuto da Igualdade Racial.
Caso os dois projetos sejam aprovados, metade das vagas nas
universidades federais terá de ser preenchida por negros. O mérito
acadêmico fica em segundo plano. Também haverá cotas para negros no
funcionalismo público, nas empresas privadas e até nas propagandas da
TV. As certidões de nascimento, prontuários médicos e carteiras do INSS
terão de informar a raça do portador. Ao matricularem os filhos na
escola, os pais terão de informar se eles são negros, brancos ou pardos.
A lei de cotas e o estatuto racial são |
monstruosidades
jurídicas que atropelam a Constituição – ao tratar negros e brancos de
forma desigual – e oficializam o racismo. Resume a antropóloga Yvonne
Maggie, da Universidade Federal do Rio de Janeiro: "A discriminação
existe no dia-a-dia e precisa ser combatida, mas, se ambas as leis
entrarem em vigor, estaremos construindo legalmente um país dividido em
raças, e isso é muito grave. Será como tentar apagar fogo com gasolina".
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As políticas
raciais que se pretende implantar no país por força da lei têm potencial
explosivo porque se assentam numa assertiva equivocada: a de que a
sociedade brasileira é, em essência, racista. Nada mais falso. Após a
abolição da escravatura, em 1888, nunca houve barreiras institucionais
aos negros no país. O racismo não conta com o aval de nenhum órgão
público. Pelo contrário, as eventuais manifestações racistas são punidas
na letra da lei. O fato de existir um enorme contingente de negros
pobres no Brasil resulta de circunstâncias históricas, não de uma
predisposição dos brancos para impedir a ascensão social dos negros na
sociedade – como já foi o caso nos Estados Unidos e na África do Sul.
Até as primeiras décadas do século XX, |
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prevalecia o
pensamento racista no Brasil. Sociólogos defendiam a tese de que, para o
país se desenvolver, era necessário "embranquecê-lo", diminuindo a
porção de sangue negro que circulava nas veias do povo. O sociólogo
pernambucano Gilberto Freyre foi um dos pioneiros no combate a esse
raciocínio perverso, não apenas por nobilizar o papel do negro na
formação da identidade nacional brasileira. Freyre foi além disso ao
mostrar que as culturas e não as diferenças raciais eram os fatores
decisivos nos processos civilizatórios. |
Depois de Freyre, a
miscigenação racial foi sendo gradualmente aceita até se transformar, hoje,
num valor cultural dos brasileiros. A música popular, por exemplo, não cansa
de festejá-la. O país tem orgulho da beleza de suas mulatas. Diz o sociólogo
Simon Schwartzman, ex-presidente do IBGE: "O preconceito racial existe, mas
existe também um histórico de convivência amigável, de aceitação das
diferenças raciais, religiosas e culturais que representam um patrimônio a
ser aperfeiçoado. Por que não progredir nesse caminho, em vez de dividir a
sociedade em raças estanques?".
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A inspiração para
a adoção de cotas "raciais" são os Estados Unidos. Lá, uma secular
história de discriminação dos negros foi amenizada pela integração
forçada nas escolas e nos locais de trabalho. Nunca houve nada parecido
no Brasil. Não há por aqui escolas ou bairros só para negros. Enquanto
em alguns estados americanos o casamento entre brancos e negros era
proibido, no Brasil é um fato do cotidiano que não causa nenhuma
atenção. Quem acha que o problema racial no Brasil é parecido com o dos
Estados Unidos, nunca leu os elogios à nossa democracia racial feitos
por tantos autores negros americanos. A história tem exemplos eloqüentes
de que a oficialização da discriminação racial tem conseqüências
desastrosas.
O mais notório deles, evidentemente, é o |
genocídio
promovido por Hitler entre os judeus. Os nazistas desenvolveram
metodologias para determinar o grau de impureza racial das pessoas e
separá-las dos alemães. O geneticista Otmar von Verschuer, mentor de
Josef Mengele, o médico-monstro de Auschwitz, foi um dos expoentes desse
procedimento. Com base em medidas que incluíam as feições e
características do rosto, a cor dos olhos e o tamanho e o formato do
crânio, Von Verschuer doutrinou centenas de médicos, funcionários de
saúde e oficiais da SS no anti-semitismo pseudocientífico, ou seja, na
arte de reconhecer um judeu.
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A África do Sul
viveu décadas de turbulência e esfacelamento da sociedade após
instituir, em 1948, o apartheid, que segregava os negros. A nova
Constituição, aprovada em 1996, proibiu todo tipo de discriminação
racial. O governo tentou incluir os negros na sociedade branca com um
conjunto de medidas chamado de "ação afirmativa". Entre elas estava a
inclusão de negros em cargos do funcionalismo público e a obrigação das
escolas e universidades do país em aceitar cotas de estudantes negros. O
resultado foi um desastre. A qualidade do serviço público despencou e o
desemprego entre os negros subiu de 36% para 44%. A lição aqui não é a
de que os negros fazem um trabalho pior que os brancos.
E, sim, a de que, |
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para uma sociedade
funcionar perfeitamente, o melhor sistema é distribuir as vagas na
universidade e os empregos públicos com base puramente no mérito
individual, independentemente da cor da pele.
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A discriminação do
diferente ou estrangeiro é tão antiga quanto a civilização. Os gregos
viam com desprezo os estrangeiros e os chamavam de "bárbaros" –
significando "aqueles que gaguejam" –, por não saberem falar grego. No
século XX, a discriminação racial se amparou no raciocínio de
cientistas, sociólogos e pensadores hoje relegados à lata de lixo da
história. Em 1883, o inglês Francis Galton criou o conceito de eugenia,
que pregava o aperfeiçoamento humano através do cruzamento seletivo
entre pessoas com características desejáveis, como inteligência ou força
física. Pouco antes de Galton, disseminaram-se com sucesso as idéias do
franzino e arrogante conde francês Joseph-Arthur de Gobineau. Em seu
célebre ensaio A Desigualdade das Raças Humanas, Gobineau defendia a
tese de que os alemães, descendentes de um povo mítico, os arianos,
representavam a raça suprema no mundo moderno. Chefe da delegação
francesa ao Brasil em 1869,
o conde previu que
logo o país se |
tornaria terra
despovoada em conseqüência dos casamentos inter-raciais. Gobineau achava
que negros, brancos e índios não apenas formavam raças diferentes, mas
espécies completamente distintas. Portanto, o cruzamento entre elas
produziria descendentes estéreis, como a égua e o jumento resultam na
mula.
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Além de pisotear a
Constituição, tratando negros e brancos de forma desigual, o projeto de
separar os brasileiros e definir direitos com base na "raça" é também um
disparate científico. "Os genes que determinam a cor da pele de uma
pessoa são uma parte ínfima do conjunto genético humano – apenas seis
dos quase 30.000 que possuímos", diz a geneticista Maria Cátira
Bortolini, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Em parceria com
o geneticista mineiro Sérgio Pena, Maria Cátira é autora de um estudo
recente que mostra que os negros brasileiros por parte de pai têm em
média mais genes europeus do que africanos (veja o quadro). Sérgio Pena,
por seu turno, divulgou na semana passada um outro estudo, feito em
parceria com a BBC Brasil, mostrando que várias celebridades negras
brasileiras também têm forte ascendência européia.
"Esses estudos |
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mostram que é
impossível dividir a humanidade em raças", diz Pena. O grande
geneticista italiano Luca Cavalli-Sforza, em seu monumental estudo sobre
as raças humanas lançado em 1995, resumia: "Não é que todos os seres
humanos sejam iguais, mas as variações dentro de uma mesma comunidade
são tão grandes quanto entre comunidades diferentes".
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A diferença de cor
de pele é um fenômeno relativamente recente na história da humanidade.
Quando o Homo sapiens surgiu, há 200.000 anos, todos tinham a pele negra
e habitavam a África. À medida que foram se espalhando pelo mundo,
primeiro na Ásia, depois na Oceania, na Europa e na América, as
populações se adaptaram aos novos ambientes. Os cientistas acreditam que
a seleção natural exercida nesses ambientes tenha dado origem às
diferentes cores de pele e características anatômicas que distinguem as
raças. Na África, a pele escura do ser humano foi preservada para
protegê-lo do alto grau de radiação ultravioleta do sol. O grupo que
migrou para o norte da Europa sofreu uma pressão seletiva
no sentido do |
clareamento da
pele para aproveitar melhor o sol fraco e sintetizar a vitamina D,
essencial para os ossos. Toda essa diferenciação no tom de pele ocorreu
nos últimos 20.000 anos, segundo geneticistas. O Brasil, que tinha o
privilégio de ser oficialmente cego em relação à cor da pele de seus
habitantes, infelizmente corre o risco de ser mergulhado no ódio racial.
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Fonte: Rev. Veja, Rosana Zakabi e Leoleli
Camargo. Com reportagem de Thomaz Favaro,
ed. 2011, 6/6/2007 (nas bancas em 3/6/07).
[6/6/2007]
UnB volta atrás e aceita gêmeo barrado em cotas
Banca de professores é que decide, analisando uma foto, quem é ou não é
negro.
Segundo a universidade, falhas podem existir por causa do excesso de
candidatos.
O Centro de Seleção e de Promoção de Eventos (Cespe) da
Universidade de Brasília (UnB) aceitou o recurso do estudante Alex Teixeira
da Cunha, 18, para que ele participe do vestibular do meio do ano pelo
sistema de cotas da universidade. Anteriormente, a UnB havia negado a
inscrição de Alex e considerou negro apenas seu irmão gêmeo, Alan Teixeira
da Cunha. Filhos de pai negro e mãe branca, os dois são gêmeos univitelinos
(idênticos).
O professor Mauro Rabelo, coordenador do Cespe, afirmou que
a universidade vai rever os critérios para a seleção de alunos cotistas. "A
nossa política de ação afirmativa estabeleceu que o candidato tem que ser de
cor preta ou parda para concorrer pelo sistema de reserva de vagas. Mas não
vamos nos furtar de aperfeiçoar o sistema e mudar o que for preciso. A
universidade está rediscutindo e revendo essa questão. Mas é importante
destacar que esta é a sétima edição do processo seletivo que usa a cor como
critério e mais de dois mil alunos já foram beneficiados", disse.
A assessoria de imprensa da UnB nega que a universidade
tenha voltado atrás na decisão alegando que a primeira decisão era
provisória e cabia recurso para o candidato.
Depois de comemorar a decisão da universidade, o estudante
Alex só reclamou de não saber o motivo de ter tido a inscrição recusada na
primeira etapa do processo. "Fiquei bastante feliz com o resultado porque
vou poder concorrer pelo sistema de cotas. O único problema é que não fiquei
sabendo porque a universidade errou na hora de avaliar se eu era negro ou
não", disse Alex.
Os critérios das cotas
A polêmica envolvendo a cor dos irmãos gêmeos aqueceu o
debate sobre os critérios para adoção de cotas raciais nos vestibulares das
universidades, pois, ao contrário da maioria das instituições que possuem
cotas, a seleção de alunos pelo sistema da UnB não leva em conta o critério
socioeconômico, e sim a cor do vestibulando.
Para concorrer, os candidatos obrigatoriamente se dirigem
até um posto de atendimento da universidade e tiram fotos no Cespe/UnB,
responsável pela aplicação da prova. Essas fotos são anexadas na ficha de
inscrição e passam pela avaliação de uma banca de professores, que vai
decidir quem é e quem não é negro. Caso o vestibulando não seja aceito para
concorrer no sistema de cotas do vestibular, ele automaticamente é
transferido para a concorrência universal do processo seletivo.
Segundo o professor Rabelo, é a mesma banca de professores
que avalia todas as fotografias dos candidatos inscritos para concorrer
pelas cotas. "A análise das fotos é feita pelas mesmas pessoas. Se a maioria
concorda que o candidato é negro, ele tem a inscrição deferida. Se há
dúvidas, o pedido é indeferido e o candidato precisa apresentar um recurso",
disse o professor, que não revelou quantidade de pessoas que são envolvidas
nesse processo. "Esta é uma banca que tem caráter sigiloso como qualquer
outra. Não podemos passar essas informações."
Para Rabelo, a falha na admissão de um irmão e da recusa de
outro pode ser explicada pelo excesso de candidatos inscritos. "Ao todo,
3.791 vestibulandos se inscreveram no processo de cotas desse processo
seletivo. É um número relativamente grande de fotos para serem analisadas.
Os professores da banca observam as fotos e não podem compará-las. Eles
desconhecem a identidade dos candidatos e podem ter percebido alguma
diferença de cor neles", justificou.
Dos 3.791 inscritos, 2.263 tiveram a inscrição homologada e
vão concorrer pelo sistema de cotas no vestibular do meio do ano da UnB. No
resultado provisório, divulgado dia 22 de maio, 2.240 foram aceitos e 69
entraram com recurso. As provas da UnB serão realizadas nos dias 16 e 17 de
junho.
Fonte: G1, Fernanda Bassette, 6/6/2007.
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