O círculo do mal da
educação brasileira
"Para que o recém-formado na universidade pública se dirija à escola pública
e lá fique trabalhando, o salário precisa ser equiparado ao salário de
entrada na universidade pública. Fora disso, conversar sobre política
educacional no Brasil é perda de tempo" Quem sai de um curso de licenciatura de uma faculdade particular, não raro se dirige ao mercado de trabalho e, se continua a vida no que se formou, acaba trabalhando como professor na escola pública ou particular de ensino básico. O egresso da universidade pública, por sua vez, se dirige para o mestrado e depois para o doutorado e, então, volta como professor para a universidade pública. Esse círculo nada virtuoso está longe de qualquer abalo. Ao contrário, ele parece que até está se tornando a regra geral, com poucas exceções, em nosso país. A hora-aula do professor do ensino público básico está em torno de sete reais. Não há uma profissão mais mal remunerada que a de professor do ensino público básico e, por isso, com tamanha falta de atratividade por parte da escola básica, os mais bem formados como professores nem pensam em trabalhar nela. Os que se formam nas licenciaturas das universidades públicas podem não ser gênios eruditos, mas rapidamente se percebem tão melhores que a maioria dos formados em faculdades particulares que, então, desistem logo de ir para o mercado de trabalho da profissão. Os desejosos de exercer a profissão, nessa elite, se encaminham rapidamente para o ensino superior público onde iniciam com o salário que seria o correto - e talvez o mínimo - para o professor da escola básica. Como prioridade, não há qualquer medida a ser tomada para a melhoria da educação brasileira que não seja a de se tentar quebrar esse círculo maldito. O professor melhor formado precisa voltar para o ensino básico público. Para que o recém-formado na universidade pública se dirija à escola pública e lá fique trabalhando, o salário precisa ser equiparado ao salário de entrada na universidade pública. Fora disso, conversar sobre política educacional no Brasil é perda de tempo. Os presidenciáveis que estão aí não tocam nessa questão. Não são sérios. Nenhum deles sabe o be-a-bá das necessidades da política educacional brasileira. Pelo que mostram, não sabem e ainda por cima estão pessimamente assessorados na área educacional. Na corrida presidencial, falam em ensino técnico - a última coisa que deveria ser lembrada agora. Mas não se pense que são só eles os ignorantes. Há ignorância também no interior da própria universidade pública a respeito desse círculo. Isso fica claro quando se escuta alguma voz universitária dizendo que a universidade está "distante da realidade" e que as licenciaturas estão "de costas para a sociedade". As licenciaturas da universidade pública não precisam se aproximar da sociedade por meio de uma invasão da escola pública básica. Caso seja para pesquisa, tudo bem. Mas, lotar a universidade de atividades que visam resolver diretamente o problema do ensino básico é uma bobagem. A universidade forma professores e ponto. Os alunos das universidades, uma vez formados, devem se dirigir à escola básica. É assim que a universidade, na parte das licenciaturas, se relaciona com a sociedade. Cabe à política educacional viabilizar a chegada dos formados nos lugares que devem chegar. Não cabe fazer a universidade olhar para o não funcionamento da escola básica pública e, então, querer substituí-la, seja ou por intervenção direta ou por cursos para professores já formados etc. Aliás, o ministro Fernando Haddad está completamente equivocado em sua ação de fornecer pequenas bolsas para os professores universitários, tirando-os da pesquisa e do ensino a que já estavam destinados, para colocá-los para refazer o que supostamente não foi feito. Essa idéia de remendar a formação dos professores da rede de ensino básico é infeliz. Isso não é política educacional séria. A política do ex-ministro Paulo Renato, agora na secretaria de Educação do Estado de São Paulo, também não é apresentável. Pois, nesse caso, não é só "cursinho da recapacitação" ou de "atualização" que a secretaria de São Paulo diz que quer promover; o que há é, sim, um sistema de provas que visa reprovar o professor, desprestigiando-o, e então recontratá-lo e colocá-lo na sala de aula com o título de "professor reprovado". Isso, realmente, não é política nenhuma, é apenas "bullying" contra o professorado. É intimidação para quebrar a coluna do movimento sindical. É briga política baixa. Nem é de bom senso aceitar a ideia, desse mesmo secretário, da "promoção por mérito" para os professores que já são efetivos - pois do modo como São Paulo fez os beneficiados serão tão poucos e a tão duras penas que isso não provocará nenhum impacto positivo na rede. É preciso enxergar com competência as funções do ensino superior na sociedade ocidental. O ensino superior não alfabetiza. O ensino superior não ensina no sentido da reprodução, como, em geral e corretamente, deve fazer o ensino básico. O ensino superior trabalha com a pesquisa e, por conta da evolução desta, ensina. Quando desconsideramos as especificidades da universidade e queremos que ela resolva, por ela própria, os problemas gerados pela falta de política educacional dos governos em relação ao funcionamento da escola básica, não melhoramos nada, ao contrário, criamos é mais confusão no sistema como um todo. Poderíamos enxergar tudo isso. Mas há um bloqueio dos olhos por força das emoções ou, melhor, da covardia. Não queremos ver que estamos no que estamos. Não queremos ver que nossos políticos não sabem nada de educação. Estamos a cada dia aceitando mais e mais esses mesmos políticos, cada dia piores quanto ao entendimento dos problemas da política educacional. Eles escolherão secretários de educação e ministros da educação que, enfim, serão talvez os que, dentro da universidade, comungam com eles a mesma ignorância.
* Paulo Ghiraldelli Jr. é filósofo, escritor e professor da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ). [Artigo enviado pelo autor ao "JC e-mail"].
Fonte: SBPC, JC e-mail, 8/7/10.
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