Choque de realidade 

 

Foto: Montagem com foto de Ana Araújo

 

"Quero dizer a vocês, com toda a franqueza, eu me sinto traído. Traído por práticas inaceitáveis das quais nunca tive conhecimento. Estou indignado pelas revelações que aparecem a cada dia, e que chocam o país. O PT foi criado justamente para fortalecer a ética na política."

 

Foto: Ricardo Stuckert/PR
O DISCURSO
Sem convicção, Lula fala mas não diz nada que mude o curso da crise.

Com essas palavras, o presidente Lula se dirigiu aos brasileiros pela televisão no 91º dia do escândalo que implodiu seu partido e colocou seu governo de joelhos e seu próprio cargo na linha de tiro do supremo instrumento punitivo da democracia, o impeachment. Se Lula tivesse dito a mesma coisa no começo da crise, se tivesse dado às palavras o tom de indignação dos injustiçados – inflexão que ele usa com tanta freqüência para lamentar os infortúnios de sua vida pregressa –, teria obtido o resultado esperado. Não conseguiu. Não convenceu. Perdeu uma chance. Vai tentar de novo em breve.


Fonte: Rev. Veja, ed. n. 1918, 17/08/2005

 

Veja também:

Duda, a verdade que arrasa
A agonia de um partido
Ele quer contar tudo
Uma reforma-tampão
Molecagem no Plenário
Recado para Lula

 

 

 

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Duda, a verdade que arrasa
 

O publicitário revela que o PT tinha caixa dois e dinheiro
no exterior – e desperta o fantasma do impeachment

 

O publicitário Duda Mendonça foi peça decisiva para eleger o presidente Lula e, desde quinta-feira passada, virou peça decisiva para torná-lo um ex-presidente. No depoimento mais revelador prestado até agora à CPI dos Correios, o publicitário falou durante dez horas e contou que parte das despesas de marketing de cinco campanhas eleitorais do PT, incluindo a do presidente Lula, foi paga com dinheiro de caixa dois nas Bahamas, paraíso fiscal do Caribe. Depois do seu depoimento, os principais atores políticos da crise começaram a perder o pudor, pela primeira vez, de falar na palavra mais sensível do momento – impeachment, essa expressão criada na monarquia inglesa do século XIV e que há 200 anos se transformou no que é ainda hoje: o mais radical instrumento democrático para apurar a responsabilidade de um presidente e puni-lo.

As revelações de Duda Mendonça sugerem que a campanha de Lula pode ter sido parcialmente bancada com dinheiro ilegal, e a conseqüência disso é devastadora. Significa dizer que o mais alto mandatário do país pode ter chegado ao Palácio do Planalto valendo-se de operações financeiras clandestinas e fraudulentas. O publicitário contou que cobrou 25 milhões de reais para fazer cinco campanhas do PT: duas em São Paulo (a de José Genoíno ao governo e a de Aloizio Mercadante ao Senado) e duas no Rio de Janeiro (a de Benedita da Silva ao governo e a de Edson Santos ao Senado), além da campanha de Lula. Dos 25 milhões de reais, Duda afirmou que recebeu 10,5 milhões no exterior, sem nota fiscal. Dinheiro frio, clandestino. "O dinheiro era claramente de caixa dois. Nós sabíamos, mas não tínhamos outra opção. Queríamos receber", disse. O publicitário revelou que Marcos Valério lhe pediu que abrisse uma empresa lá fora – ele abriu a Düsseldorf, nas Bahamas –, cuja conta no BankBoston em Miami, na Flórida, passou a receber os depósitos. Duda apresentou vinte comprovantes de depósitos, num total de 5 milhões de reais, feitos entre os dias 23 de abril e 15 de maio de 2003. Nos comprovantes, constata-se que os 5 milhões de reais saíram de quatro bancos: BAC Florida Bank, Banco Rural Europa (que fica em Funchal, na Ilha da Madeira, em Portugal), Israel Discount Bank of New York e, por fim, o principal de todos, Trade Link Bank, aberto no paraíso fiscal das Ilhas Cayman e ligado ao Banco Rural. Só do Trade Link Bank o publicitário recebeu 3,4 milhões de reais.

Além de envolver a campanha de Lula no balaio da clandestinidade, Duda derruba a tese concebida pelo PT para restringir a roubalheira a um caixa dois eleitoral – crime que, na história jurídica brasileira, jamais levou um culpado à cadeia. Agora, aparecem sonegação fiscal, crime do colarinho branco e formação de quadrilha. O próprio PT, tendo recebido recursos fora do país, o que é proibido pela Lei Orgânica dos Partidos, está sujeito à perda do registro partidário. A descoberta do eixo internacional do esquema contribui, ainda, para derrubar a lorota de que o dinheiro dado a petistas e aliados – 55 milhões de reais, nas contas de Valério – teria vindo de seis empréstimos contraídos nos bancos Rural e BMG. "Já vi dinheiro sujo sair do país para ser lavado no exterior", diz o advogado Murilo da Silva Freire, especialista em direito empresarial e experiente na defesa de acusados de crimes financeiros. Diz ele: "Mas nunca vi dinheiro limpo, legalmente obtido em empréstimo bancário, sair do país de forma clandestina. Só se faz isso com dinheiro ilícito. Acho que, diante da documentação do Duda, Valério se enfiou numa camisa de sete listras".

No dia seguinte ao depoimento de Duda Mendonça, o presidente Lula, pela primeira vez em treze semanas de crise, referiu-se ao assunto num pronunciamento oficial – mas foi uma decepção. Na abertura de uma reunião ministerial na Granja do Torto, o presidente falou por quase dez minutos. Disse: "Eu me sinto traído. Traído por práticas inaceitáveis das quais nunca tive conhecimento". No final, aparentemente falando de improviso, disse que o PT e seu governo deviam pedir desculpas por seus erros, mas não disse quem errou, nem onde errou, nem como errou. E nem carregava na voz aquela inevitável dose de indignação dos traídos. Por trás do discurso de Lula, estava a palavra sensível – o impeachment. Com seu discurso, o presidente tentou espantar o fantasma, mas deu-se o contrário. A oposição endureceu as críticas e passou a falar na possibilidade de um impeachment. O PFL pedirá a abertura de um processo para investigar o caixa dois de Lula, a menos que o procurador-geral da República o faça. "Esse pedido pode ser o início de um processo de impedimento do presidente", diz o senador José Agripino Maia, líder do PFL, que antes resistia a tocar no assunto.

Um processo de impeachment, embora tenha semelhança com um julgamento jurídico, é sobretudo um processo político. Para que seja instalado, não basta a convicção de que o presidente sabia, omitiu-se ou até participou. É preciso, antes de tudo, que haja uma atmosfera politicamente favorável ao seu julgamento. Até a semana passada, isso não existia. Depois do depoimento de Duda Mendonça, o cenário mudou. Lula ficou ainda menor. O impeachment cresceu. Na Câmara, petistas choravam diante das revelações das Bahamas. Um grupo – 22 deputados e quatro senadores – rebelou-se contra o PT e anunciou que, agora, terá atuação independente. Até o senador Aloizio Mercadante, líder do governo no Senado, disse que pode deixar o PT. E aumentou o coro – de oposicionistas, governistas e petistas – pedindo que Lula falasse ao país, mas ninguém imaginava uma fala tão pífia como foi. Para completar o clima de desalento, saiu uma nova pesquisa do instituto Datafolha. Lula perderia para o tucano José Serra no segundo turno – e com folga de 9 pontos. Pior: 29% dos entrevistados já se declaram favoráveis ao impeachment.

A afirmação de que Lula não sabia de nada está se tornando dramaticamente inócua, pois o volume da roubalheira é tal que sua simples ignorância sobre os fatos já começa a comprometê-lo. O último lance, nesse campo, é a constrangedora dificuldade do presidente em dar uma explicação convincente para o pagamento de uma dívida de 29 000 reais que contraiu no PT em 2002. Na semana passada, depois de quase um mês de dúvidas e silêncios, apareceu uma justificativa, embora absolutamente estranha. O ex-tesoureiro petista Paulo Okamotto, velho amigo de Lula, disse que ele próprio pegou 29 000 reais do seu bolso e pagou a dívida em nome do presidente, já que este entendia que não havia contraído dívida alguma. Okamotto, porém, afirmou que não tem nenhum comprovante de que pagou a dívida e que não avisou Lula de sua generosidade financeira. "Não ia ficar enchendo o saco dele com uma coisa como essa", explicou ele. Pode ser tudo rigorosamente verdadeiro, mas chegou-se ao ponto em que se leva quase um mês para dizer que Lula não sabe que faz dívidas e não sabe quem lhe paga as dívidas. Sabe o quê, então?

Com o envolvimento de Lula em situações dessa natureza, sua imagem está gradualmente se dissolvendo – e, com ela, outros desmontes vão se sucedendo. O PT está em pleno processo de implosão e numa velocidade tamanha que desorienta até seus dirigentes mais bem-intencionados (veja reportagem na pág. 66). O próprio governo do presidente Lula está se desmontando em praça pública, sendo carregado pela crise. Sua base aliada também está igualmente destroçada, depois das evidências irretorquíveis de que funcionava movida a mensalões. Em meio a isso, na semana passada a oposição se sentiu à vontade para fazer uma molecagem. No Senado, os oposicionistas, liderados pelo senador baiano Antonio Carlos Magalhães, resolveram aprovar um aumento para o salário mínimo, elevando-o para 384,29 reais. A decisão é uma estupidez destinada apenas a causar constrangimento ao presidente da República, que terá de vetar o aumento. É um deboche do pedaço irresponsável da oposição, que merece toda a censura da sociedade. Mas é preciso que se reconheça que a oposição irresponsável só debocha de quem pode.

Otávio Cabral
Com reportagem de Camila Pereira
 


A agonia de um partido

Na semana em que novas denúncias estarrecedoras sobre o PT levam deputados do partido às lágrimas, José Dirceu manobra para
garantir a sobrevivência de Delúbio Soares na legenda
 

Enredado em cuecas recheadas de dólares, malas de dinheiro, empréstimos suspeitos e, agora, depósitos milionários em paraísos fiscais, o PT caminha agonicamente para o fim. Na quinta-feira passada, o publicitário Duda Mendonça cravou o que pode ter sido a estaca mortal no coração do partido ao admitir ter recebido dele, como pagamento por campanhas eleitorais, 10,5 milhões de reais repassados via caixa dois para uma offshore nas Bahamas. Enquanto o marqueteiro falava, parlamentares de estrela vermelha na lapela choravam no plenário da Câmara. Eram lágrimas de luto por um quase finado partido – explodido pela realidade dos fatos e implodido pelas dinamites que ele mesmo plantou em suas entranhas. Entre elas: o desprezo pela democracia, a promiscuidade na relação com o governo e o personalismo do mais notório de seus dirigentes, o ex-ministro José Dirceu.

Há anos, Dirceu comanda o Campo Majoritário (bolchevique, em russo), facção que, na briga fratricida de tendências pela hegemonia no partido, até hoje conseguiu reinar soberana. O Campo Majoritário controla quase 70% das vagas do Diretório Nacional – versão ampliada da Executiva Nacional, o politburo petista que decide os destinos da legenda. Embora as denúncias do mensalão tenham derrubado os quatro principais nomes da Executiva, todos ligados ao Campo Majoritário, seu comandante insiste em não assinar a rendição. Prova disso foi a performance que exibiu no sábado 6, na reunião do Diretório Nacional em São Paulo. Ignorando o presidente interino do PT, Tarso Genro, Dirceu, por meio de uma série de manobras, impediu a aprovação de qualquer medida que significasse uma punição aos dirigentes e parlamentares petistas envolvidos na lama do mensalão.

VEJA ouviu cinco petistas que participaram da reunião do diretório e reconstituiu a queda-de-braço entre o grupo de Dirceu e as alas da esquerda. O ex-chefe da Casa Civil não fez uso da palavra, como é de seu costume nessas reuniões. Manteve uma postura discreta, limitando-se a comandar rodinhas de, no máximo, duas ou três pessoas. Mas teve participação decisiva nos três episódios fundamentais da reunião: a recusa em levar ao Conselho de Ética do partido os dirigentes acusados de envolvimento no esquema do mensalão, a manutenção da legenda para os parlamentares apontados como sacadores do valerioduto que renunciarem ao mandato a fim de escapar da cassação no Congresso e – essa nem Lenin ousaria – a não-expulsão de Delúbio Soares, barganhada por uma suspensão da filiação do ex-tesoureiro, acusado de ser o operador do esquema do mensalão.

Até o último momento, Dirceu, por meio de interlocutores, tentou negociar com as lideranças da esquerda do partido uma pena mais branda para Delúbio. Quando ficou claro que os petistas não abririam mão da expulsão do ex-tesoureiro, os aliados de Dirceu – sob sua orientação – passaram a, deliberadamente, atrasar a reunião. Enquanto isso, dois emissários do deputado foram à casa de Delúbio para convencê-lo a assinar uma carta com o pedido de suspensão de sua filiação. A carta chegou no fim da tarde. Delúbio conseguiu ser suspenso "a pedido" e a expulsão não foi adiante.

Para vencer batalhas como essa, Dirceu usou toda a maldade acumulada ao longo dos quinze anos à frente dos principais cargos de direção do partido. Nesse período, notabilizou-se, entre outras coisas, pelo gosto pela prática da intimidação. Episódio ocorrido no encontro de sábado ilustra esse estilo. Em uma conversa com membros do Campo Majoritário, Dirceu voltou-se para o senador Aloizio Mercadante – que, em entrevistas à imprensa, vinha cobrando punições aos dirigentes do partido – e insinuou que ele deveria administrar melhor seu comportamento. Fez uma menção velada a alguns outdoors espalhados por São Paulo, que estamparam o nome do senador. A ameaça surtiu efeito sobre Mercadante. O senador ajudou a barrar ao menos uma das propostas que desagradavam a Dirceu: a de que os parlamentares que comprovadamente haviam sacado dinheiro no valerioduto fossem levados imediatamente ao Conselho de Ética do partido.

Outro elemento, mais prosaico e (demasiadamente) humano, contribuiu para o desmanche do PT: o deslumbramento de alguns de seus principais representantes, que, diante do banquete do poder, lançaram-se sobre os pratos como porcos magros. Silvio "Land Rover" Pereira coroou os 25 anos de serviços prestados ao partido no constrangedor episódio envolvendo a GDK, empresa prestadora de serviços ao governo e fornecedora do "presente" recebido pelo ex-secretário-geral do PT. Delúbio "Charutos Cohiba" Soares e suas fazendas de origem nebulosa, pela profusão de elementos disponíveis, dispensam comentários, da mesma forma que o ex-presidente da Câmara, João Paulo "50.000" Cunha. Hoje, porém, já se sabe que o surgimento do nome de outros petistas nas listas do valerioduto causou pouca surpresa entre representantes do partido. O Professor Luizinho, ex-líder do governo na Câmara, por exemplo, agraciado com 20.000 reais pelo valerioduto, era famoso entre seus pares pela desenvoltura com que pedia vinhos de quatro dígitos em restaurantes da capital federal e pela generosidade que exibia durante jantares com companheiros de legenda. "Fazia questão de pagar a conta de todo mundo, ainda que ela desse 300 reais por cabeça", lembra um companheiro.

O desmantelamento ético do PT é tamanho que o deputado Paulo Pimenta, do Rio Grande do Sul, teve de renunciar à vice-presidência da CPI do Mensalão porque, a mando de Dirceu, divulgou uma lista falsa com os nomes de 128 políticos de outros partidos que teriam recebido dinheiro do valerioduto. Uma vergonha, esse PT. Uma vergonha, esse Dirceu.

A derrocada de um partido historicamente identificado com os ideais que ele agora afronta levou às lágrimas parte de seus representantes. Imagens de parlamentares como Paulo Rubem Santiago (PT-PE) e Chico Alencar (PT-RJ) chorando no momento em que Duda Mendonça detalhava o modus operandi oculto da legenda resumiram o sentimento de petistas e militantes idealistas diante da sucessão de revelações estarrecedoras acerca do partido e seus dirigentes. "O golpe político é terrível, mas o golpe pessoal é muito doloroso também. É duro perceber que, durante todos esses anos, convivemos com um partido paralelo", disse Santiago.

Há, dentro e fora do PT, quem defenda a esdrúxula tese de que o fim da legenda represente uma ameaça à democracia brasileira, em virtude do papel desempenhado pelo PT junto a alguns setores organizados da sociedade. Trata-se de uma bobagem por dois motivos. O primeiro é que em política – sabe-se – não há espaço para o vácuo. A fila anda – e partidos nascem e morrem. Se ainda existe um espaço importante para a esquerda no espectro político nacional, ele deverá ser ocupado por outra agremiação. Depois, a democracia não só nunca dependeu do PT como jamais foi levada a sério por seus principais dirigentes – pelo menos enquanto valor universal. Para os petistas hoje pegos em flagrante litígio com a lisura, a democracia – assim como a ética – jamais foi um fim em si mesmo, mas apenas um meio de chegar ao poder – tem um valor "estratégico". "O PT nunca fez, de verdade, a conversão que os partidos de esquerda da Europa foram forçados a fazer, aceitando a democracia representativa e a economia de mercado", diz o filósofo Denis Rosenfield, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. É possível que a passagem do PT pelo cenário político brasileiro, portanto, nem sequer deixe um legado digno de respeito. Pelo contrário: é mais provável que os livros de história se dediquem a contar às futuras gerações o efeito deletério da oposição petista na última década, quando o partido tentou barrar propostas fundamentais para a modernização do Estado brasileiro – como a quebra do monopólio das telecomunicações e a reforma da Previdência –, apenas para retomá-las a partir do primeiro minuto do governo Lula.

Uma semana depois que tomou posse como novo presidente do partido, Tarso Genro reconheceu que o PT teve, no poder, um comportamento "um pouco arrogante" e tentou ser "monopolista da verdade". Algumas semanas convivendo com as entranhas da máquina montada por Dirceu e seu grupo foram suficientes para convencer o ex-ministro da Educação da necessidade de subir o tom das autocríticas. Na semana passada, ele admitiu que o partido se transformou "praticamente em uma extensão do governo", funcionando "como uma espécie de ministério sem pasta". O reconhecimento talvez tenha vindo tarde demais. Tarso, agora, tenta juntar os cacos do PT, recorrendo às alas que foram alijadas da direção do partido pela quadrilha de Dirceu. Essa turma "limpinha", no entanto, tem um pecado de origem: a falta de conexão com a realidade, fruto de sua crença messiânica no socialismo.

O PT, sob o comando de Dirceu, colocou em prática um pragmatismo que conjuga o pior tipo de patrimonialismo, aquele que "sacramenta" o direito à apropriação de recursos públicos em benefício privado, com o mais empedernido leninismo, representado pelo aparelhamento do Estado em favor dos interesses do partido. Escondidos sob o manto da dicotomia "conservadores versus progressistas", os petistas que encabeçavam o tal Campo Majoritário espertamente evitaram a diferenciação que, de fato, interessa no momento de escolher os que lidarão com o bem público: o que separa a honestidade da desonestidade, o certo do errado. Felizmente, esse petismo de resultados tem encontro marcado na lata de lixo da história com outras experiências reais do ideário marxista.

Marcelo Carneiro
Com reportagem de Camila Pereira
 


Ele quer contar tudo


O doleiro Toninho da Barcelona diz que conhece (e quer revelar)
o esquema de envio de dinheiro do PT ao exterior
 

De onde saiu o dinheiro que o PT mandou para o exterior e que pode ter desembarcado na campanha de Lula? A resposta está numa penitenciária de segurança máxima em Avaré, no interior de São Paulo. Ali, preso numa cela de castigo, com a cabeça raspada e 10 quilos mais magro, está o doleiro Antonio Oliveira Claramunt, o Toninho da Barcelona, considerado o maior do país. Ele quer falar. Em cartas e contatos mantidos com a família e com seus advogados, Toninho já mandou dizer que está disposto a depor na CPI dos Correios para contar o que sabe sobre as remessas clandestinas que operou durante anos para políticos e partidos, entre eles o PT. E Toninho sabe muito. Sabe inclusive o nome de pessoas e instituições envolvidas na fraude. Nas cartas que escreve, às quais VEJA teve acesso, Toninho diz que o PT envia dinheiro ao exterior desde a preparação da primeira campanha de Lula, em 1989. As remessas se multiplicaram na década de 90 e, desde então, concentraram-se em duas pontas: no Trade Link Bank, instituição ligada ao Banco Rural nas Ilhas Cayman, e numa empresa offshore criada no Panamá, que também funciona como um paraíso fiscal.

Em seu depoimento, o publicitário Duda Mendonça, calçado por vinte comprovantes de depósitos bancários, mostrou que a maior parte do dinheiro que recebeu lá fora saiu de uma conta no Trade Link, em Cayman. Os segredos de Toninho da Barcelona podem mostrar de onde saíram esses recursos. Os doleiros, normalmente, recebem dinheiro frio no Brasil – das mãos do dono do dinheiro ou de seu representante – e se encarregam de enviá-lo ao exterior por meio de uma cadeia de laranjas. Toninho da Barcelona afirma saber o nome do responsável pelas transações entre o PT e o Banco Rural. Nas cartas enviadas à família, o doleiro dá algumas pistas sobre os caminhos do dinheiro. As informações, porém, são cifradas para fugir à censura do presídio. Ele está com medo de morrer, diz-se vítima de uma brutal perseguição e conta que sua vida virou um inferno desde que surgiu a informação de que ele operou para o PT. A notícia foi publicada pela primeira vez pelo jornal O Estado de S. Paulo, em junho passado, reproduzindo uma declaração do ex-tesoureiro do PPS Rui Vicentini, que afirmou ter ouvido de Barcelona a revelação sobre a existência de um caixa do PT no exterior.

Não se sabe a amplitude do que Toninho da Barcelona, condenado a 25 anos de prisão por evasão de divisas, tem a revelar. Mas sabe-se que seus segredos geram um clima de pânico entre figuras importantes do PT. No dia 24 de junho, o doleiro pediu autorização para dar uma entrevista. Queria contar o que sabia. No mesmo dia, eclodiu uma rebelião no Presídio Adriano Marrey, em Guarulhos, onde o doleiro cumpria pena. Ele foi apontado – vagamente e por uma denúncia anônima – como um dos líderes da rebelião e, como punição, foi transferido para a penitenciária de segurança máxima de Avaré, onde ocupa uma cela sem chuveiro e com direito a banho de sol apenas uma vez por semana. É um tanto exótico que um doleiro, neófito nas lides de um presídio, seja capaz de liderar uma rebelião – muito menos que o faça justamente no dia em que está recebendo a primeira visita de sua filha de 14 anos, como foi o caso. Mesmo assim, o diretor de disciplina do presídio, em carta ao juiz, pediu que Toninho fosse punido com um ano em cela isolada, por tratar-se de "pessoa de altíssima periculosidade".

No presídio de Avaré, Toninho conta que recebe ameaças de morte e é vítima de tortura psicológica. É acordado no meio da madrugada por carcereiros que batem nas grades de sua cela, produzindo um barulho infernal. "Estou com medo de morrer", já disse. Ele conta que, depois da transferência para Avaré, recebeu a visita de dois advogados do PT. Um deles, dizendo-se amigo do deputado José Mentor, do PT de São Paulo, queria saber se ele tinha mesmo revelações a fazer sobre remessas do partido. Quando Toninho indagou o que teria a ganhar por responder à pergunta, um dos emissários anunciou uma charada: "Nós temos três reis e um ás que podem ajudá-lo a sair daqui". Não foi a primeira vez que o doleiro e enviados do deputado Mentor se encontraram. Segundo Toninho, o próprio Mentor articulou para que ele não fosse à CPI do Banestado, que apurava a remessa ilegal de dinheiro para o exterior. Toninho diz que Mentor, então relator da CPI do Banestado, temia o alcance das revelações que o depoente pudesse fazer.

Consultando os arquivos da CPI, constata-se que o doleiro foi intimado a depor no dia 20 de abril de 2004, mas não compareceu porque recebeu a intimação apenas duas horas antes da audiência. E ficou tudo por isso mesmo. Ele nunca apareceu na CPI nem foi convocado de novo. "Houve um estranho afrouxamento na convocação do Toninho. O relator parecia não ter interesse no depoimento", acusa o senador Antero Paes de Barros, ex-presidente da CPI do Banestado. Em seu relatório final, Mentor suprimiu todo o capítulo que se referia ao Banco Rural, instituição suspeita de participar do esquema de remessas ilegais para o exterior. Procurado por VEJA, o deputado José Mentor declarou que não conhece o doleiro Toninho da Barcelona e que nunca enviou nenhum emissário para conversar com ele. Sobre o depoimento à CPI que não aconteceu, o parlamentar disse que isso fez parte de uma estratégia que definiu em comum acordo com a Polícia Federal.

"Toninho da Barcelona é hoje um preso político", diz Ricardo Sayeg, seu advogado, que pensa, a pedido da família, em ingressar com uma denúncia na Anistia Internacional. Sayeg lembra que a situação do doleiro é inusitada dado o fato de que seu cliente tem curso superior mas nunca conseguiu ser transferido para uma cela especial, como manda a lei. "Ele está cumprindo 25 anos porque foi condenado três vezes pelo mesmo crime", diz o advogado. Sayeg não tem dúvida de que a situação de Toninho se complicou desde que ele ameaçou contar o que sabe sobre as transferências de dinheiro de petistas para o exterior. "Ele foi interrogado ilegalmente por nove delegados da Polícia Federal, sem a minha presença, que sou seu advogado, e sem comunicação prévia à Justiça." Os representantes do PT que o visitaram também não tinham autorização para isso. O criminalista conta ainda que, na prisão, o doleiro foi obrigado a assinar um estranho documento por meio do qual se responsabilizava por sua integridade física. "Tenho razões para crer que tudo isso está acontecendo de maneira orquestrada para evitar que ele conte o que sabe", conclui Sayeg. Com a palavra, a CPI.

Policarpo Junior
 


Uma reforma-tampão


Nenhum sistema político é imune à corrupção, mas o Congresso
discute nesta semana medidas para tornar as campanhas mais
baratas e transparentes
 

Em meio à escalada da crise que envolve o financiamento ilegal de campanhas eleitorais (entre as quais, a de Lula à Presidência em 2002) e a cooptação de partidos para a base de apoio ao governo com um "mensalão", a reforma do sistema político nacional voltou a ser assunto em Brasília na semana passada. O principal acontecimento foi a apresentação de um projeto de lei pelo senador Jorge Bornhausen, do PFL de Santa Catarina, visando a limitar os custos e a ampliar a transparência financeira das campanhas políticas já nas eleições do ano que vem. Entre outros dispositivos, o projeto reduz o tempo da propaganda eleitoral, bane os showmícios e cria tetos para doações. Várias lideranças apóiam a iniciativa de Bornhausen. Isso abre caminho para que ela seja aprovada no Senado ainda nesta semana e então enviada à Câmara dos Deputados. Para ter aplicação em 2006, qualquer mudança nas regras eleitorais deve ser promulgada até o fim de setembro, um ano antes do pleito. Mas essa não é a única proposta em discussão.

O presidente do Tribunal Superior Eleitoral, ministro Carlos Velloso, reuniu uma comissão de juristas para dar forma a sugestões que serão apresentadas ao Congresso nos próximos dias, a tempo de encontrar espaço numa nova lei. Entre elas, a criação de incentivos para as doações legais – permitindo o seu desconto no imposto de renda – e punições mais rigorosas para as doações ilícitas. "As penas para quem faz caixa dois são muito brandas. Temos de endurecer", diz Velloso. Finalmente, encontra-se na Câmara um velho projeto de reforma política pronto para ser votado. Mas é improvável que ele entre em pauta, pois as transformações que propõe, como o financiamento público exclusivo das campanhas políticas, são profundas e polêmicas demais.

Num cenário de escândalo como o atual, discutir reformas tem seus inconvenientes. Mudanças no sistema político-eleitoral poderiam ser vendidas como parte de uma "agenda positiva". Em seu patético discurso de sexta-feira passada, quando pediu desculpas à nação, o presidente Lula defendeu a necessidade das reformas. Gestos como esse, no PT e no governo, são mais do que hipocrisia. A reforma política já estava na mesa quando Lula chegou ao Palácio da Alvorada, com cacife de sobra para promover mudanças que poderiam ter valido já nas eleições do ano passado. Mas, em vez de mexer nesse vespeiro, ao preço de desagradar aos partidos pequenos e médios, o governo preferiu comprar deputados.

Também é desonesto transferir para o sistema partidário e eleitoral toda a culpa por falcatruas arquitetadas por mandarins políticos. Na frase do especialista em legislação eleitoral Walter Costa Porto, isso é como transferir para a cama a responsabilidade pelo adultério que se comete em cima dela. Não há reforma capaz de criar um ambiente totalmente estéril para o vírus da corrupção. A idéia de proibir as doações de campanha e instituir o financiamento puramente público dos partidos e candidatos, por exemplo, pode parecer um caminho para impedir fraudes e práticas como o caixa dois (ainda que ao custo estimado de 800 milhões de reais para a União, num pleito brasileiro de hoje em dia). A experiência internacional mostra, contudo, que nem uma medida desse tipo é capaz de evitar a explosão de escândalos. "Estudamos processos eleitorais no mundo todo e jamais conseguimos estabelecer uma relação direta entre níveis de corrupção e métodos específicos de financiamento de campanha. Todos os sistemas têm vulnerabilidades", diz o argentino Daniel Zovatto, um dos diretores do International Institute for Democracy and Electoral Assistance.

O debate sobre a reforma política é necessário e deve começar agora, desde que não se transforme numa bandeira empunhada pelo governo para esconder a crise nem alardeie soluções mágicas. O projeto do senador Bornhausen, que no momento parece ter chances de prosperar no Congresso, pode tornar a campanha de 2006 mais barata e mais aberta à fiscalização. Seu escopo, no entanto, é limitado à questão eleitoral. O principal ainda fica por pensar – de propostas radicais como a do senador Almeida Lima (PSDB-SE), que reduz em 25% o número de parlamentares brasileiros, àquelas que dizem respeito à organização dos partidos e aos métodos de votação e de representação política no país.

Carlos Graieb
 


Molecagem no Plenário


Em meio à crise, o Senado aprova um aumento do salário mínimo
que ameaça o rigor fiscal e assusta investidores
 

A crise política balançou os indicadores financeiros na semana passada, mas não o suficiente para preocupar investidores e empresários. Ainda assim, senadores de oposição deram sua cota de contribuição para bagunçar os mercados. Na última quarta-feira, num ato de molecagem parlamentar, o Senado aproveitou-se da fragilidade política do governo e aprovou a elevação do salário mínimo de 300 para 384,29 reais. Se aplicado, esse aumento implicaria um rombo de 16,4 bilhões de reais nas contas públicas neste ano. É mais do que o total de recursos disponíveis no orçamento de 2005 para recuperar estradas e construir escolas e hospitais – que não devem passar de 13 bilhões de reais.

O novo mínimo ainda precisa ser aprovado pela Câmara dos Deputados e, em última instância, pode ser vetado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que já o havia elevado para os atuais 300 reais por meio de medida provisória em maio deste ano. Mas sua aprovação parcial já é motivo de preocupação. Imaginava-se que havia entre os parlamentares mais lúcidos do Congresso forte consenso em torno do rigor fiscal e da definição de uma agenda mínima de reformas. Ledo engano. O que se viu foi um consenso tresloucado em torno da proposta dispensável de autoria do senador Antonio Carlos Magalhães. Um amplo leque de senadores defendeu o novo mínimo, cada um com uma idéia na cabeça. A esquerdista Heloísa Helena (PSOL), uma das maiores entusiastas do projeto de ACM, realmente acredita na gastança pública como alavanca da justiça social. Já os senadores do PSDB, que também votaram a favor da proposta, parecem mais interessados em constranger o presidente Lula, que será obrigado a arcar com o custo político de vetá-la – curiosamente, foi o PSDB que moldou o conceito de responsabilidade fiscal nos anos 90. "O efeito moral dessa medida é devastador", diz Ilan Goldfajn, sócio-diretor da Gávea Investimentos e ex-diretor do Banco Central.

Em tese ninguém em sã consciência deve ser contrário à idéia de salários maiores para os trabalhadores brasileiros. Mas, ao contrário do que sugere a lógica primária, a elevação do mínimo não aumenta a renda da população pobre. Provoca enormes distorções na distribuição de renda. Primeiro, porque empresário nenhum, nem aqui nem em qualquer economia de mercado do mundo, paga salário de acordo com o que manda o governo, mas de acordo com a rentabilidade de sua empresa e o nível de oferta de mão-de-obra. Quando o governo eleva o mínimo, os empresários que não puderem arcar com o novo salário não hesitarão em demitir funcionários ou contratá-los de modo informal, sem carteira assinada nem outros benefícios. Além disso, a maioria dos que ganham um salário mínimo por mês não é formada por trabalhadores pobres, mas por jovens estagiários ou recém-formados que acabaram de entrar no mercado de trabalho. Os pobres ganham menos que o mínimo. Afora isso, mais de 65% das aposentadorias pagas pelo INSS são corrigidas pelo salário mínimo. Quando ele sobe, também cresce o gasto da Previdência, que hoje já consome 13 de cada 100 reais que o país produz.

Ao longo de dez anos, o Brasil conseguiu consolidar a política macroeconômica com um regime cambial flutuante, austeridade fiscal e ortodoxia na política monetária. É esse tripé que tem sustentado os indicadores econômicos e garantido estabilidade à economia em meio à chuva de escândalos. "A economia está resistente, os únicos riscos agora são a paralisação do Congresso ou o populismo fiscal", avalia o economista José Alexandre Scheinkman, da Universidade Princeton. A economia real também vai bem. Na semana passada, a balança comercial registrou o maior superávit semanal deste ano. Enquanto a crise se arrastava, bancos e empresas divulgaram lucros recordes. Bradesco, Itaú e Unibanco – os três maiores bancos privados do país – lucraram quase 6 bilhões de reais, 60% a mais do que no primeiro semestre de 2004. A mineradora Vale do Rio Doce divulgou um lucro de 5 bilhões de reais – aumento de nada menos que 93%. Diz o economista Carlos Langoni, diretor do Centro de Economia Mundial da Fundação Getulio Vargas e ex-presidente do Banco Central: "Nessa crise o grande teste é resistir à tentação de aumentar os gastos públicos".

Chrystiane Silva e Carina Nucci
 


Recado para Lula


Dois líderes, um do PP e outro do PL, ambos com receio de perder
o cargo, ameaçam contar o que sabem sobre o envolvimento
do presidente no mensalão


Na semana passada, o presidente do PL, Valdemar Costa Neto, o único parlamentar, até agora, que renunciou ao mandato para fugir do julgamento de seus pares, deu entrevista à revista Época. Nela, o ex-deputado afirmou que o presidente Lula sabia do acerto financeiro pelo qual o PT deu 10 milhões de reais ao PL na campanha de 2002 – um acerto que, mais tarde, foi honrado com dinheiro do valerioduto. A entrevista arranha o presidente Lula, mas talvez sua situação seja até mais grave. Há três semanas, sete deputados reuniram-se para um jantar em Brasília, e dois deles ameaçaram contar as conversas que tiveram com Lula sobre o mensalão. A história foi apurada pelo repórter Alexandre Oltramari, de VEJA, que conversou com três pessoas que participaram do jantar. A seguir, o relato do repórter:

"Na noite de 26 de julho passado, uma terça-feira, o líder do governo na Câmara, o petista Arlindo Chinaglia, fez uma reunião de emergência com a cúpula de quatro partidos aliados, todos brindados com o capilé do valerioduto. O encontro ocorreu no apartamento do líder do PP, deputado José Janene. Entre o início do convescote, por volta das 9 da noite, e o seu fim, em torno das 2 da madrugada, sete deputados sentaram-se à mesa – e um deles subiu, com sapatos e tudo, em cima do sofá. Era o anfitrião. Desconfiado de que o presidente Lula manobrava para apeá-lo da liderança do PP, Janene surtou, trepou no sofá e, de dedo em riste para Chinaglia, mandou um recado ameaçador ao presidente. 'Avisa àquele f.d.p. que, se eu perder a liderança, e eu não estou nem falando do meu mandato, mas só da liderança, eu vou contar tudo', berrou Janene. 'Vou contar todas as conversas que tive com ele sobre esse caso', completou, referindo-se aos pagamentos do mensalão. Antes que os presentes digerissem a gravidade da ameaça, soou outro petardo. 'Eu também', endossou o líder do PL, o deputado Sandro Mabel. 'Também falei várias vezes com ele sobre isso', disse, reforçando a ameaça.

Já se sabia que o presidente Lula fora alertado sobre a existência do mensalão em pelo menos cinco ocasiões, entre fevereiro de 2004 e março passado. É a primeira vez, porém, que se tem notícia de que Lula pode ter chegado ao ponto de negociar pessoalmente os pagamentos, tendo, portanto, se envolvido com o assunto de forma muito mais profunda e mais comprometedora. Além de Janene, Mabel e Chinaglia, estiveram no jantar o hoje ex-deputado Valdemar Costa Neto, o líder licenciado do PMDB, José Borba, e os deputados Nelson Meurer e João Pizzolatti, ambos do PP. Janene, o anfitrião, abiscoitou pelo menos 4,1 milhões de reais das contas de Marcos Valério no Banco Rural. Já Mabel é acusado de distribuir entre os deputados do PL parte dos 10 milhões de reais retirados por Costa Neto, presidente de seu partido. Apesar das evidências de que estão enlameados no mensalão, os dois, Janene e Mabel, seguem firmes na liderança de seus partidos.

A ameaça de Janene, secundada por Mabel, foi uma reação a um encontro de Lula com o presidente da Câmara, Severino Cavalcanti, ocorrido na manhã daquela mesma terça-feira 26 de julho. Nesse encontro, Lula sugeriu a Severino que era recomendável renovar a elite da base aliada, trocando os líderes atingidos pelas denúncias. Cordato, Severino prometeu examinar a idéia e, à tarde, tentou convencer Janene a deixar a liderança do PP – mas esbarrou na oposição irada do deputado. A pelo menos dois interlocutores com quem conversou naquela terça-feira, Janene avisou que não irá cair sozinho. À noite, quando cedeu seu apartamento para a reunião, a idéia era assar uma pizza. A receita: o PL retiraria o pedido de cassação contra Roberto Jefferson, que, em troca, daria novo depoimento à CPI. Jefferson diria que fora mal interpretado. Em vez de mensalão, ele diria que o dinheiro era para pagar dívidas de campanha, corroborando a tese, mais amena, de que ocorreu apenas um crime eleitoral. Mas, como os líderes não confiam no governo, e ninguém confia em Roberto Jefferson, o acordo não vingou. Agora só resta torcer para que Janene e Mabel estejam blefando."

Alexandre Oltramari

 


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