Carta de Salvador
 

 

O 23º CONGRESSO do ANDES-SN reuniu-se em Salvador, de 4 a 10 de março de 2004, em circunstâncias dramáticas da vida nacional.

Os três pilares em que se apoiou o movimento docente, nas últimas décadas, por um Brasil justo, solidário e independente – a construção do movimento sindical classista, a luta dos sem-terra pela Reforma Agrária, e da universidade e do ensino públicos – encontram-se hoje sob um ataque cerrado, ameaçados de extinção. O principal responsável por esse ataque é um governo que, eleito por uma ampla maioria popular, transformou-se, com rapidez extraordinária, de portador da esperança em agente do medo e da desesperança, pela subserviência crescente aos ditames do capital financeiro e seus organismos internacionais - o FMI, o Banco Mundial, e outros.

O governo Lula da Silva, ao priorizar o cumprimento dos “compromissos financeiros internacionais”, por meio da obtenção de crescentes superávits primários, baseados no arrocho do setor público, como eixo da política econômica, abriu a porta para uma política de destruição sistemática de todas as conquistas sociais da população trabalhadora e das classes oprimidas. Assim, no mesmo ano em que o setor financeiro (bancos e outros) obtiveram lucros recordes, o governo empreendeu uma ofensiva destrutiva contra a previdência social pública e solidária, abrindo o terreno para uma nova fonte de acumulação parasitária de capital. Ao mesmo tempo em que foram concedidas anistias fiscais e benefícios tributários, sem precedentes, ao grande capital, o desemprego atingiu patamares históricos nas grandes capitais, submetendo cada vez mais famílias brasileiras à miséria. Enquanto o grande latifúndio era premiado com maiúsculas garantias e a política internacional voltava-se para a defesa dos interesses do agronegócio, famílias eram despejadas e trabalhadores do campo eram assassinados em dobro, em relação ao último ano do infausto governo FHC.

A reforma sindical e trabalhista com a regulamentação/anulação do direito de greve no setor público, a imposição legal-estatal do desmoralizado projeto do sindicato orgânico e a projetada legalização da precariedade e flexibilização do trabalho como figura dominante da relação laboral constituem hoje a continuidade da lógica da política ensejada em 2003. O objetivo de tais medidas nada mais é do que pavimentar os caminhos que levam a adesão à ALCA proposta pelo imperialismo norte-americano. Esse acordo, em versão light ou hard, nada mais é que uma política de colonização da América Latina pelos EUA para fortalecer seu alicerce histórico na luta interimperialista, tornada mais aguda pela crise mundial do capital, e para deixar suas costas protegidas no momento de impor a “ferro e fogo” a lei dos monopólios no Oriente Médio, no Iraque, na Ásia Central, na África, e em todas as regiões e nações oprimidas.

Não é de surpreender que esse governo, no seu intuito de tornar-se sócio menor, mas privilegiado, do capital financeiro internacional, venha representando o papel de bombeiro da rebelião popular na América Latina, em especial nas suas “missões” à Venezuela e à Bolívia ou que agora aprofunde esse papel, enviando soldados brasileiros ao Haiti, onde serão forçados a atuar como agentes da “pax americana” no Caribe, do mesmo modo que o fazem os cúmplices voluntários dos EUA na ocupação militar do Iraque, onde enfrentam uma brava resistência popular.

O governo Lula, em toda a sua política interna e externa, social, econômica e educacional, pauta-se, lamentavelmente, pelo atendimento dos interesses do grande capital mundial e de seus aliados locais. Com relação à educação superior, repete o mesmo cenário demagógico das políticas sociais “focalizadas”, que eliminam até a noção do direito universal, base da democracia política. Com efeito, procura usar a histórica opressão de negros, índios, e outros setores, fruto de cinco séculos de espoliação colonial e imperialista, para criar uma nova fonte de subsídios ao semifalido sistema universitário privado (um dos maiores do mundo), por meio de reserva de vagas pagas pelo Estado, ao mesmo tempo em que arrocha a universidade pública e submete à miséria salarial os seus professores e funcionários, assim como o restante do funcionalismo público, tudo sob a cobertura de uma suposta “reforma universitária” e de uma mais suposta ainda “universidade para todos”.

Com base nas reivindicações dos trabalhadores, em especial dos trabalhadores da educação, dizemos chega! Chega de pagamento da dívida externa! Chega de anistia tributária para o grande capital! Chega de perdão aos grandes sonegadores! Chega de renúncia fiscal para capitalistas e pilantropos!

A esperança pode vencer o medo sim, mas se for baseada na luta. Na luta dos sem-terra por reforma agrária e pelo fim do latifúndio; na luta dos trabalhadores pelo emprego, pelo salário e pelas condições dignas de trabalho; na luta por um sindicalismo classista, democrático, autônomo e independente; na luta por um regime previdenciário e de seguridade social, público e solidário que atenda dignamente a todos os que passaram suas vidas construindo com seu trabalho um Brasil melhor; na luta de todo o povo contra a ALCA, contra o FMI e demais organismos do grande capital internacional; e ainda na luta de professores, funcionários, negros, índios, jovens, por uma universidade pública, gratuita, laica, de qualidade, para todos os que desejem nela ingressar, com vistas a se qualificar para construir um Brasil livre, justo, solidário e dos trabalhadores: um Brasil socialista, numa América Latina igualmente unida e socialista.

Temos todos, professores, estudantes, negros, mulheres, índios, jovens, sem-terra, sem-teto, trabalhadores do setor público e privado, do campo e da cidade, mais motivos do que nunca para lutar. O ANDES-SN conclama todo o povo brasileiro para essa luta e garante que ocupará, com mais valentia do que nunca, seu lugar na trincheira popular.

 

A LUTA É PARA VENCER!

 

 

Fonte: ANDES-SN, 12/3/2004.