A Carta da Terra:
uma promessa
Nos dias 6-9 de novembro ocorrerá em Amsterdã um balanço dos cinco anos de aprovação da Carta da Terra. Esse documento nasceu como resposta às ameaças que pesam sobre o planeta como um todo e como forma de se pensar articuladamente os muitos problemas ecológico-sociais tendo como referência central a Terra. Em 1992 por ocasião da Cúpula da Terra no RJ, fora proposto tal documento que por razões que não cabe aqui referir não foi aceito. Em seu lugar adotou-se a Declaração do Rio sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento. Desta forma a Agenda 21, o documento mais importante da Eco-92, ficou privado de uma fundamentação e de uma visão integradora. Insatisfeitos, os organizadores, especialmente Maurice Strong da ONU e Mikhail Gorbachev, diretor da Cruz Verde Internacional, suscitaram a idéia de se criar um movimento mundial para formular uma Carta da Terra que nascesse de baixo para cima. Deveria recolher o que a humanidade deseja e quer para sua Casa Comum, a Terra. Depois de reuniões prévias e muitas discussões, criou-se em 1997 a Comissão da Carta da Terra composta por 23 personalidades dos vários continentes (entrei pelo Brasil), para acompanhar uma consulta mundial e redigir o texto da Carta da Terra. Efetivamente, por dois anos, ocorreram reuniões que envolveram 46 paises e mais de cem mil pessoas, desde favelas, comunidades indígenas, Universidades e Centros de Pesquisa até que em inícios de março de 2000 no espaço da Unesco em Paris o texto final da Carta da Terra foi aprovado. É um dos textos mais completos que se tem escrito ultimamente, digno de inaugurar o novo milênio. Recolhe o que de melhor o discurso ecológico produziu, os resultados mais seguros das ciência da vida e do universo, com forte densidade ética e espiritual. Tudo é estruturado em quatro princípios fundamentais, detalhados em 16 proposições de apoio. Estes são os quatro princípios: (1) respeitar e cuidar da comunidade de vida; (2) integridade ecológica; (3) justiça social e econômica; (4) democracia, não-violência e paz. O sonho coletivo proposto não é o “desenvolvimento sustentável”, fruto da visão intrasistêmica da economia política dominante. Mas “um modo de vida sustentável” fruto do cuidado para com todo o ser especialmente para com todas as formas de vida e da responsabilidade coletiva face ao destino comum da Terra e da Humanidade. Este sonho benaventurado supõe entender “a humanidade como parte de um vasto universo em evolução” e a “Terra como nosso lar e viva”; implica também “viver o espírito de parentesco com toda a vida”, “com reverência o mistério da existência, com gratidão, o dom da vida e com humildade, nosso lugar na natureza”; propõe uma ética do cuidado que utiliza racionalmente os bens escassos para não prejudicar o capital natural nem as gerações futuras; elas também têm direito a um Planeta sustentável e com boa qualidade de vida. As quatro grandes tendências da ecologia - ambiental, a social, a mental e a integral - estão ai bem articuladas com grande força e beleza.
Se for aprovada pela
ONU, a Carta da Terra será agregada à Carta dos Direitos Humanos. Assim
teremos uma visão holística da Terra e da Humanidade, formando um todo
orgânico, sujeito de dignidade e direitos. * Leonardo Boff é filósofo e teólogo. Fonte: Jornal do Brasil, 4/11/2005 |