Capital externo nas universidades
“Entregar esta área para setores estrangeiros significa fazer com que o país, em lugar de criar conhecimento, seja apenas um imitador do que se faz em outras partes”. Esta é a opinião de Marco Antônio Rodrigues Dias, professor aposentado da Universidade de Brasília, atualmente conselheiro especial do reitor da Universidade das Nações Unidas. Dias se refere à venda de 51% das ações da Universidade Anhembi- Morumbi ao grupo estadunidense Laureate Education, proprietária de uma rede de 20 universidades, em 15 países. O grupo, de capital aberto, tem suas ações negociadas na Nasdaq (bolsa de valores estadunidense, onde são negociadas ações de empresas de tecnologia). A operação, anunciada no início de dezembro, é a primeira, no Brasil, que passa o controle de uma instituição de ensino a um grupo estrangeiro. Outro grupo semelhante, o Apollo, também estadunidense, possui 50% da Faculdade Pitágoras, em Minas Gerais. Dias conta que, em conferência realizada pela Unesco, o diretor do grupo Apollo deixou claro o interesse pelo setor educacional brasileiro. “As possibilidades de lucro na educação superior não são igualadas em parte alguma”, afirmou. REGULAMENTAÇÃO Luiz Antônio Barbagli, presidente do Sindicato dos Professores de São Paulo (Sinpro-SP), alerta que não há impedimento na legislação brasileira para que uma instituição de ensino estrangeira passe a controlar um empreendimento local. “O anteprojeto da reforma universitária estipula que a participação de grupos estrangeiros em instituições privadas não exceda 30%, mas enquanto ela não for aprovada, acredito que vamos ver mais casos omo estes”, acredita o dirigente. Para o presidente do Sinpro-SP, a interferência de grupos estrangeiros na educação superior suscita muitas perguntas. “Como eles vão tomar conta da educação? Eles terão que respeitar a Constituição brasileira, que garante a autonomia das universidades? Como vão se aproveitar de brechas na legislação?”, questiona. Barbagli, como Marco Antonio Dias, acredita que há contradição entre o desenvolvimento nacional do país e a presença de interesses estrangeiros em universidades. “Temos a intromissão na educação de um grupo que não tem vínculo com a cultura, os interesses e o desenvolvimento brasileiros”, argumenta. MAIS CRÍTICAS Procurado pela reportagem do Brasil de Fato para comentar a negociação, o Ministério da Educação não deu retorno. Para Marco Antônio Dias, o governo Lula não se diferenciou do de Fernando Henrique Cardoso, uma vez que privilegiou o setor privado da educação, ao invés de reforçar o sistema público. Para ele, este caminho, “cheira à busca de compromissos políticos com quem só pensa em dinheiro e que vê a educação apenas como comércio”. Na análise de Dias, é falso o argumento de que investimentos estrangeiros trarão qualidade às universidades. “Não há qualidade se não houver pertinência, se os programas não estiverem voltados para as necessidades do país, se não levarem em conta os aspectos culturais de cada Nação”, afirma ele. A visão privatista da educação vai de encontro às pressões estadunidenses na Organização Mundial do Comércio (OMC) para classificar a educação como serviço comercial. “Se educação é serviço comercial, a sociedade, diretamente ou através de seus governos democraticamente eleitos, nada poderá fazer contra o desenvolvimento de uma educação que visará formar técnicos culturalmente dependentes”, avalia Dias, que cobra do Itamaraty uma postura que não “venha a entregar aos países ricos toda a área de serviços, incluindo educação, pesquisa e cultura”.
Fonte: Jornal Brasil de Fato e Andes-SN, 19/12/2005. |