Cansei desse assunto
Houve quem estranhasse minha última coluna, achando que eu estava "melancólica". Talvez, como tanta gente, eu ande cansada de me debater entre otimismo e descrença; farta do assunto que nos envenena publicamente no palco político, com ramificações em bastidores que é melhor nem conhecer – deles emana um odor de pizza barata e suspeita podridão. Aliás, alguém que entende das coisas mais que eu afirmou, em entrevista recente, que "da missa não sabemos nem a metade". Estou cansada do receio de que tudo acabe mal. Cansada do tema. Não quero mais escrever sobre ele, mas é difícil falar de outros assuntos quando a situação dramática bate à minha porta com mãos insistentes: abra, abra, escute, escreva, não se desligue. Pois eu me desliguei relativamente por algum tempo, e ao voltar das férias pensava encontrar presos – ou fugidos – muitos dos atores desse triste circo nacional. O que vejo, porém, me dá a ilusão momentânea de que nem estive ausente: os mesmos personagens dizem quase as mesmas coisas; choram lágrimas de crocodilo falando nos filhos (como sempre, a gente devia ter pensado neles na hora de agir, em vez de choramingar depois); parecem mais ou menos sinceros, mais ou menos sorrateiros. Até os melhores jornalistas têm um ar entre entediado e exausto. Devem estar, como eu, ansiosos para que todos nós tenhamos nas mãos matéria menos malcheirosa para comentar. Decidi, portanto, mudar o disco, o tema, o tom. Por quanto tempo? Não sei. Mudar como? Talvez deslocar um pouco a perspectiva ajude. Em lugar de assistir como brasileira explorada e espantada, começo a observar depoimentos e entrevistas como ser humano, e se abrem aspectos bem mais complexos. Um chora ao lembrar filhos, outro soluça, de costas, falando no celular com a mulher: não tenho grande simpatia por quem comete ações desonrosas e, ao ser descoberto, choraminga lembrando a família, que entra em cena como um recurso patético para desculpar ações vergonhosas. Podem até ser lágrimas reais, lágrimas de sangue, mas chegam com atraso: deviam ter pensado nas pessoas amadas quando estavam sendo desonestos. Tratando-se das quantias assombrosas de que se tem notícia, a ação criminosa com certeza não foi necessária para botar pão na mesa das crianças, cuidar da saúde dos velhos pais, pagar pensão da ex-mulher incapaz. Mas, na hora da explicação, desencavamos até fotos das crianças, como quem diz: "Não façam essa maldade comigo, pois eles, os inocentes, é que vão sofrer...". Não me comove nada essa chantagem repulsiva, não acho correto nem acho decente. Decente e minimamente correto teria sido bancar o pai, o filho, o marido atento ao bem-estar da família, em lugar de meter a mão no bolso do outro, do povo – no meu, aliás. Com algumas coisas não sou nada simpática, e neste momento não faço a menor questão de ser. Sou razoavelmente solidária, mas detestaria que me considerassem boazinha. Não me importa o destino dos culpados, espero apenas que seja exemplar... e me descubro indagando: o que é exemplar neste país de tão maus exemplos? Na nova perspectiva que assumi, ao menos pela duração desta coluna, me importam os que, sem de nada saber, agora são tão atingidos e expostos. Penso no desamparo das crianças ou adolescentes que nem podem mais ir à escola porque ali são apontados por sua ligação com quem se tornou modelo de desonestidade e cinismo. Penso nas mulheres que não saem de casa pelo mesmo motivo. Penso nas vidas arruinadas, nos casamentos falseados, no desapontamento e na humilhação. Que fortuna, que cargo, que poder seria grande e sedutor o bastante para pôr em risco o edifício dos afetos essenciais de qualquer pessoa? Ou seria mais adequado mudar também a pergunta: Quem corteja poder ou dinheiro a qualquer preço tem afetos essenciais? * Lya Luft é escritora Fonte: Revista Veja, Ed. 1923, 21/09/2005 |