30 brasileiros participam do maior experimento da Física

          

Colisão de partículas em megatúnel subterrâneo está programada para meados do ano
 

Cem metros abaixo da superfície da Terra, o engenheiro brasileiro Denis Oliveira Damazio expõe sua íris a um detector para ter acesso ao local das obras do maior acelerador de partículas do mundo. A cena, que poderia ser de um filme de ficção científica, é exigência de segurança para todos os que trabalham no projeto de mais de US$ 8 bilhões do Centro Europeu de Pesquisa Nuclear (Cern).

Damazio é apenas um dos 30 brasileiros trabalhando diretamente no projeto, considerado o mais importante do século para a física, aguardado por cientistas de todo o mundo como o evento que pode revolucionar os conhecimentos sobre a origem do universo.

Na fronteira entre a Suíça e a França, o Cern vai realizar nos próximos três meses uma experiência em que partículas atômicas vão se chocar em alta velocidade, permitindo, assim, o estudo de como teriam sido os momentos após o Big Bang.

A reportagem do Estado teve acesso ao túnel de 27 quilômetros construído pelos engenheiros para abrigar o acelerador gigante de partículas. O teste está marcado para meados do ano, após muitos atrasos e mais de 14 anos de estudos. O túnel fica ao redor de Genebra e passa por território francês.

Na sala de comandos é um brasileiro, Damazio, que terá a responsabilidade de monitorar os algaritmos que avaliam os impactos dos testes. Entre os equipamentos no subsolo e na sala de comando estão mais de 3 mil km de cabos e 2,5 mil computadores.

“Não há como a física dar um passo adiante hoje sem esse experimento”, afirma Damazio, de 32 anos de idade, há três trabalhando no projeto do Cern.

Sobre os cientistas brasileiros, Damazio é enfático: “Não perdemos para ninguém em termos de capacidade.” Carioca, ele estudou na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e depois passou a trabalhar para o Laboratório Nacional Brookhaven, uma das parceiras americanas do Cern. “Para todos os brasileiros aqui, tenho certeza de que é um grande orgulho participar de um projeto dessa magnitude.”

Cerca de 100 mil cientistas espalhados pelo mundo vão usar os dados produzidos pelo experimento a partir dos testes na próxima década. “Não sabemos o que descobriremos. Mas as esperanças são grandes”, conta Damazio. Um dos objetivos será conseguir diferenciar, pela primeira vez na física, matéria de antimatéria. As conseqüências práticas desse projeto podem ser inúmeras, entre elas o controle da gravidade.

Menina dos olhos

Outro brasileiro atuando no projeto é o engenheiro André Rabello dos Anjos, de 34 anos, funcionário da Universidade de Wisconsin (EUA) cedido ao Cern. “É uma experiência única poder trabalhar no local que é a menina dos olhos da física no momento”, afirma. “O mundo inteiro estará olhando para o Cern nos próximos anos.”

O engenheiro atua no desenvolvimento de um software que filtra os dados gerados pelo choque de prótons. Em sua avaliação, o Brasil ganha com a participação de seus engenheiros no projeto, já que muitos vão retornar “em algum momento” para as universidades nacionais e repassar suas experiências. Além dos brasileiros vivendo na Suíça e na França, há ainda os que viajam freqüentemente para colaborar. São os professores José Manuel de Seixas, Fernando Marroquim e Carmen Maidantchik, da UFRJ.

Mesmo não sendo um país membro do Cern, o Brasil está colaborando com equipamentos. Além dos técnicos brasileiros, o Cern ainda conta com peças fabricadas pela indústria nacional.

A principal delas é a placa eletrônica que faz a soma dos sinais das células do detector gigante, usado para registrar o choque entre os prótons. O equipamento foi financiado pelo CNPq e custou cerca de US$ 140 mil. O investimento é mínimo perto de US$ 8 bilhões, o custo do acelerador de partículas. Mesmo assim, os cientistas brasileiros apontam que a participação é importante para o País.

Risco zero

Os brasileiros trabalhando no Cern são unânimes em apontar que as ameaças da experiência para a sobrevivência da Terra são “ridículas”. Em ação protocolada na corte federal do Havaí, dois supostos especialistas, Walter Wagner e Luis Sancho, alertam que o choque de prótons no Cern pode produzir um buraco negro que “engoliria a Terra”.

A esperança dos autores da ação é de que a Justiça dos EUA dê ordem para que os testes sejam suspensos. Damazio, que trabalha para um laboratório que já conseguiu criar micro buracos negros, garante que não há risco. “São pessoas que estão tentando se aproveitar da pesquisa para ganhar notoriedade.”

Fonte: O Estado de S. Paulo, Jamil Chade, 5/4/2008.


Brasileiros no LHC tentam confirmar previsão de Lattes

          

Físicos tentarão usar o megaacelerador de partículas para detectar pela 1ª vez em laboratório fenômeno visto em 1975. Pesquisador do Rio tenta obter US$ 500 mil para construir peça que dobraria chance de observação da "nova" partícula, o centauro

Quem passa pela estrada que liga Genebra (Suíça) a Cessy (França), não vê neste começo de primavera muita coisa além de vacas, plantações e os cumes brancos das montanhas. Com as estações de esqui desativadas, o clima é de calmaria na fronteira. Mas isso só na superfície. Num túnel a cem metros de profundidade, um exército de cientistas e engenheiros trabalha a todo vapor agora para construir nada menos do que "a máquina mais poderosa do mundo", com data de inauguração prevista para junho.

A estrutura colossal produzida sob liderança do Cern (Organização Européia de Pesquisa Nuclear) é o acelerador de partículas LHC (Grande Colisor de Hádrons, na sigla em inglês), responsável por experimentos que investigarão várias das questões que mais atormentam os físicos hoje. Para colocar a máquina em operação, será preciso resfriar algumas de suas peças a uma temperatura muito menor que a do inverno suíço: -271C, o que tornará o interior do LHC o lugar mais frio do Universo.

Esvaziando o formigueiro

A Folha visitou na semana passada três dos quatro detectores de partículas subterrâneos do acelerador. Foi uma das últimas chances de ver o LHC por dentro: nos próximos dias, as enormes cavernas repletas de passarelas por onde hoje técnicos e cientistas sobem e descem como se estivessem em um formigueiro se tornarão laboratórios-fantasmas, comandados remotamente e repletos de radiação letal. Partes do túnel de 27 km de circunferência já estão sendo fechadas para resfriamento -as bombas de hélio e argônio líquidos já estão funcionando.

O Brasil, apesar de não ser país-membro do Cern, tem cientistas e estudantes contribuindo em quase todos os detectores do LHC. Um deles, de valor especial para o país, pode ajudar a explicar um fenômeno descoberto pelo físico curitibano César Lattes (1924-2005).

O LHC vai usar imãs supercondutores hiperfrios para acelerar núcleos de átomos e fazê-los se chocarem entre si (daí o nome da máquina: núcleos são compostos de prótons e nêutrons, partículas da classe dos hádrons).

O choque produz uma quantidade grande de energia, que então dá origem a uma série de partículas. Algumas são bastante triviais, como os elétrons. Outras não existem soltas em meio à matéria ordinária. Uma dessas partículas, prevista em teoria, é o chamado bóson de Higgs. Sua existência pode explicar por que a matéria possui massa.

Partícula mitológica

Vários físicos brasileiros, no entanto, estão em busca de outro fenômeno. Na caverna onde está o detector CMS (Solenóide Compacto de Múons), eles esperam encontrar um "centauro" -um ser quase tão mitológico quanto o meio-homem-meio-cavalo dos gregos.

Centauro foi o nome dado por Lattes a estranhos jatos de partículas que ele detectara em montanhas da Bolívia em 1975 usando placas de um filme especial. Neste caso, as partículas incomuns não vinham de um acelerador, mas da colisão de raios cósmicos, a radiação de alta energia que chove do espaço sobre a atmosfera terrestre.

Como o centauro é um evento registrado poucas vezes na natureza e nenhuma em laboratório, um grupo de físicos que inclui gregos, brasileiros e russos quer tentar usar a energia do LHC para provar que ele existe e não é um mito -e talvez explicar de onde ele vem.

Usando dois subdetectores batizados de Castors, idealizados pelo grupo do físico grego Apostolos Panagiotou, físicos esperam extrair informação sobre a natureza dos centauros das colisões entre prótons.

"Sem a evidência de um experimento em aceleradores", diz o grego, fica difícil convencer outros físicos de que o fenômeno é relevante. 

O problema é que só um dos Castors, que ficam dentro do CMS, deve ficar pronto neste ano. Um outro, que dobraria a probabilidade de detecção dos centauros, ainda depende de financiamento. "Isso poderia ser uma ser uma possibilidade do Brasil, se nós conseguíssemos um financiamento adequado", diz o físico Alberto Santoro, da Uerj (Universidade do Estado do Rio de Janeiro). O brasileiro, que há dois anos tenta articular patrocínio para a construção do aparelho, diz que seu custo seria da ordem de US$ 500 mil.

Pensando no custo-benefício científico, não é tão caro, comparado ao valor total estimado do LHC: US$ 8 bilhões. A missão brasileira que levou um astronauta ao espaço em 2006 gastou US$ 10 milhões, e os experimentos feitos por ele não lidavam com ciência de ponta.

Sem dinheiro para o detector, o Brasil provavelmente não poderá apitar nos projetos que darão prestígio aos eventuais primeiros "criadores" de um centauro. Mesmo assim, Santoro tem contribuído para melhorar a qualidade do Castor. Seu aluno de doutorado Dilson Damião, por exemplo, participa dos testes de calibragem do primeiro detector, que entrará em operação até o fim do ano.

Pizza

Em princípio seria um trabalho relativamente simples, porque existe uma aparelhagem criada para isso, mas Damião está tendo de criar uma estratégia nova para a calibragem. "Depois que o detector está todo construído, você não tem mais espaço físico para fazer esse tipo de medida." O que seria algo trivial virou um desafio tecnológico, que tem de ser superado para que um centauro dê as caras.

Outros alunos de Santoro trabalham diretamente na montagem de uma parte do detector ainda não instalada. É o caso de um pesquisador incumbido de recortar peças de um papel e de uma lâmina especiais usadas pelo Castor. "Você deve imaginar que aqui no Cern tudo é feito no método mais automatizado", diz. "Não é a opção neste momento. Eu estou cortando na mão todos eles com um rolinho de cortar pizza", conforma-se.

Fonte: Folha de S. Paulo, Rafael Garcia, 06/4/2008.
 

 


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