Brasil sobe no IDH, mas educação patina
País
pula quatro posições no ranking, mas escolaridade trava desenvolvimento O Brasil subiu quatro posições no ranking global de bem-estar das populações em 2010, para o 73º lugar entre 169 países, segundo o mais novo Relatório de Desenvolvimento Humano (RDH), que completa 20 anos e foi lançado nesta quinta-feira (4/11) em Nova York. O Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) brasileiro, calculado sob a nova metodologia do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud), passou de 0,693 para 0,699. A escala varia de zero, o pior, a 1, o melhor. A edição comemorativa de duas décadas faz uma avaliação do desenvolvimento nos últimos 40 anos e conclui: a educação é uma barreira ao progresso do Brasil e é a mais grave privação imposta à nossa sociedade. A escalada brasileira de quatro posições foi o melhor desempenho no ranking no ano passado, segundo o Pnud. Os dados do IDH refletem o país de 2009 para a maioria dos indicadores. O Brasil melhorou em todas as dimensões do desenvolvimento: saúde, educação e renda. Apesar dos elogios aos avanços inegáveis do país em 40 anos, especialmente na última década, o Pnud ressalta que a permanência de desigualdades históricas - como as de renda e entre homens e mulheres - continua sendo um forte limitador do desenvolvimento. Quando o IDH brasileiro é ajustado para refletir a diferença entre os mais privilegiados e os mais privados de acesso a renda, saúde e educação, ele baixa para 0,509 e o Brasil cai 15 posições no ranking global, deixando o grupo de alto desenvolvimento no qual está desde 2007 para o de médio. Com mudança, país mais longe do topo Além disso, o Pnud aprimorou sua metodologia, e isso expôs os enormes desafios que o Brasil tem pela frente na educação. Pelo cálculo antigo, nosso IDH era de 0,813. Na nova fórmula, esse número caiu para 0,699 - houve redução para muitos países, porque os critérios que medem o desenvolvimento se tornaram mais exigentes. Como o objetivo continua sendo chegar a 1, ou seja, ao topo, na prática o Brasil terá que suar mais a camisa para alcançar a Noruega, primeira colocada da lista e cujo índice é 0,938. - A grande característica do Brasil nos últimos anos, sobretudo desde 2000, é o avanços nas três dimensões. Na educação, chama atenção o aumento dos anos médios de estudo. Mas ainda restam desafios na melhoria da qualidade do ensino. Nos anos esperados de estudo para as crianças, há muito a ser feito - afirmou o economista do Pnud e coordenador do Relatório de Desenvolvimento Humano no Brasil, Flávio Comim. Para o aniversário de 20 anos, o Pnud alterou a fórmula de cálculo do IDH e os critérios de avaliação de renda e educação. No primeiro caso, o Brasil não foi afetado. Mas a substituição de taxas de analfabetismo e matrícula pela escolaridade - média de anos de estudo de quem tem mais de 25 anos e expectativa para as crianças matriculadas hoje - impôs um grande desafio. Ficou evidente que quantidade de pessoas que leem e escrevem e de crianças matriculadas não se traduz necessariamente em qualidade. Foi a troca de parâmetros que acabou reduzindo o valor do IDH brasileiro. - Surgiu um novo IDH que elevou parâmetros, especialmente para educação. Isso provocou uma revisão generalizada no ranking global - explicou Comim. - Taxa de matrícula, por exemplo, é um indicador muito pobre que diz apenas se um indivíduo está ou não registrado numa escola. A média de escolaridade para pessoas com mais de 25 anos no Brasil é de 7,2 anos. Pelo critério do Pnud, o indicador ideal seria o que foi registrado nos Estados Unidos em 2000, 13,2 anos. Outra dificuldade está na expectativa de anos de estudo para crianças que ingressam nas salas de aula. No Brasil, são 13,8 anos, e o considerado ideal para o desenvolvimento humano seriam os 20,6 anos registrados na Austrália em 2002. - Estamos falando agora de olhar para as estatísticas com mais rigor. O Brasil ainda tem muito o que avançar - afirmou o Comim. Gasto com ensino é pouco, diz analista Para Marcelo Medeiros, professor da UnB, o importante é avaliar se "o país está chegando onde deveria, diante do tamanho da nossa economia": - O gasto com educação ainda é pouco se comparado com o gasto com a estabilidade macroeconômica. Para a professora da UFRJ Lena Lavinas, o avanço de quatro posições do Brasil no ranking do IDH não reflete os avanços sociais vividos pelo país nos últimos anos, como "a forte redução da pobreza e da miséria": - Essa posição não reflete a expansão do emprego, do ensino técnico e a inclusão no terceiro ciclo educacional. Sem contar o aumento nos gastos com saúde. O indicador de anos de estudo, que substituiu a taxa de matrícula e de analfabetismo na dimensão educacional, caminha muito devagar, segundo a professora: a cada dez anos, acrescenta um ano à média do país.
Para o Pnud, tão
importante para o desenvolvimento quanto gastos elevados e crescimento
econômico são medidas com foco, continuadas e abrangentes, que dependem de
decisão política. A experiência do Ceará com ações voltadas à infância é
citada como exemplo, bem como os programas de transferência de renda. Média de anos de estudos do Brasil é igual à do Zimbábue, o pior IDH O Brasil ainda tem um longo caminho a percorrer para alcançar níveis mais elevados de desenvolvimento humano. A educação é o principal entrave. A média de anos de estudos do Brasil (7,2 anos) é a mesma de Zimbábue, o último colocado no ranking, que inclui 169 países. O economista e professor da UnB Marcelo Medeiros avalia que está na hora de a educação ganhar mais espaço nas discussões e também mais investimentos: - Temos que debater seriamente a universalização do ensino médio e o tempo integral nas escolas. A baixa escolaridade da população impede que a família se ocupe dessa tarefa. A seu ver, a implantação do horário integral desataria outro nó, já quer permitiria a mãe trabalhar: - Esse é um dos entraves para diminuir as desigualdades de gênero. Ministério da Educação critica mudança no cálculo Em nota, o Ministério da Educação informou que a adoção do critério de anos de estudo prejudica países em desenvolvimento, como é o Brasil, que fizeram fortes investimentos na formação de jovens num período mais recente. O ministério alega que "considerado o grupo com mais de 25 anos de idade, cresce o peso do passivo educacional dos países menos desenvolvidos". Ele refere-se a pessoas já adultas que não tiveram oportunidade de escolarização no passado. Essa contagem pune, em termos de índice, os países que construíram políticas sociais e educacionais nos últimos dez anos". A nota destaca ainda que, "em oito anos, a taxa nacional da escolaridade média de pessoas acima de 25 anos de idade cresceu 21,1%". Segundo Flávio Comim, do Pnud, as estatísticas brasileiras ficam negativas quando o índice observado é o de repetência nas escolas. Cerca de 16% das crianças, de 9 anos, estão na série inadequada, enquanto o percentual entre os jovens, com idade média de 16 anos, é de 40%. E as dificuldades na educação atravessam gerações. A dona de casa Marilúcia Gomes acrescenta R$ 16 aos R$ 44 que recebe do Bolsa Família para pagar explicadores para os dois filhos, pois já não consegue ajudar as crianças com as matérias. Ela abandonou os estudos na antiga quinta séria, após repetir duas vezes. O marido estudou ainda menos: largou na quarta série, após algumas repetências. Sua filha Jéssica, de 13 anos, repetiu o sexto ano (antiga quinta série). Jefferson, seu irmão caçula de 11 anos, repetiu o terceiro ano duas vezes e deve repetir de novo essa mesma série este ano. Os dois estudam em escolas municipais em Curicica, Zona Oeste do Rio. - Eles já falaram até em abandonar o colégio. Mas eu não vou deixar eles fazerem isso, repetirem o que eu fiz - afirma Marilúcia. No Brasil, mais de 20% das pessoas sofrem alguma privação na educação. Isso inclui pessoas que não completaram cinco anos de estudo ou crianças que estão fora das salas de aula.
Fonte: O Globo, Cássia Almeida, Rennan Setti e Martha Beck, 5/11/10.
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