Brasil,
nação evanescente?
Nossos cérebros cada vez mais vão para o exterior. A nação tem uma leitura de seu passado pela história oficial, tem seu alicerce cultural no idioma e, por vezes, um projeto de futuro desejado. Sem a esperança nesse futuro, o presente esmaga, com suas misérias, e a leitura oficial do passado sugere vacuidade de mentira. É importante cotejar o Brasil-nação de hoje por essas dimensões. A história oficial não foi objeto de entusiasmo popular -afinal, o Brasil preservou a escravidão até a República. Nosso projeto de futuro surgiu na década de 20 e foi alavancado pelo Estado Novo, a partir da crise de 29. O nacional-desenvolvimentismo formulou um projeto de desenvolvimento pela industrialização e de modernização social pela urbanização e valorização dos sujeitos do desenvolvimento: o operário e o empresário. Esse projeto conduziu o Brasil ao salto siderúrgico, à campanha do "Petróleo é nosso", ao Plano de Metas dos anos 50, à implantação de Brasília e à hipertrofia autoritária do Brasil-potência. O nacional-desenvolvimentismo brasileiro foi conservador em relação ao campo, mas apostou que a urbanização faria a mudança a partir das metrópoles. O movimento pela democratização converge na Constituição de 1988. O trabalhismo foi preservado e aperfeiçoado em 88, tendo o seguro-desemprego como principal inovação. O direito ao trabalho é seu corolário. Em 1988, como principal nova dimensão do projeto brasileiro, consolida-se o compromisso com a questão social. O conceito de seguridade social consagrado pelos constituintes estabelece estas diretivas: - Todo brasileiro, ao encerrar sua vida laboral, tem direito a uma aposentadoria ou pensão digna que seja equivalente ao padrão de que desfrutou durante seu período de vida ativa. Essa diretiva foi estendida aos brasileiros que não contribuíram para a Previdência, com pensão assegurada aos maiores de 65 anos, o que beneficiou sobretudo o trabalhador rural. Hoje, todo brasileiro com mais de 60 anos tem acesso a esse benefício. - O direito à vida com a preservação da saúde foi enfatizado, em 1988, com o preceito "a saúde é um direito do cidadão e um dever do Estado". A seguridade social brasileira protege os grupos mais frágeis, como os portadores de deficiências graves. A Previdência Social, a saúde pública e a assistência social formariam o orçamento de seguridade, radicalmente diferente do fiscal. Pelo conceito de 1988, a execução fiscal estaria subordinada às prioridades da seguridade social. Em 88, não foi abandonado o projeto de nacional-desenvolvimento. Era clara, para o constituinte, a necessidade de preservar o crescimento econômico dando-lhe prioridade social. Em 2008, a Constituição está mutilada. Foi varrido o projeto nacional-desenvolvimentista. O orçamento de seguridade social não foi implantado segundo o preceito constitucional. A Previdência é acusada de deficitária, os padrões da saúde pública pioraram e a assistência social foi substituída por transferências de renda (sou favorável ao Bolsa Família, mas considero superior, como proteção social, o benefício da pensão continuada). Dado o nível de desemprego e a mediocridade do crescimento da economia nos últimos 25 anos, houve um inequívoco debilitamento sindical. Nas últimas décadas, o dinamismo produtivo se restringiu ao setor agropecuário. A estrutura industrial retrocedeu em relação aos padrões passados e o Brasil perdeu posições no mundo. O segmento financeiro cresceu aceleradamente em relação à economia estagnada. A desnacionalização é assustadora. Quase 50% da indústria brasileira já é de filiais estrangeiras. Os poucos grupos nacionais fortes estão investindo no exterior. A agropecuária é abastecida com insumos quase sempre produzidos por filiais estrangeiras. No setor bancário, um banco estrangeiro disputa a primeira colocação. A infra-estrutura vai sendo transferida para concessionários privados. Na Bolsa de Nova York, são negociadas mais de 30 companhias brasileiras, e o volume de transações com essas ações supera a Bovespa. Nossos cérebros cada vez mais vão para o exterior. Estamos nos convertendo num país de emigração. Nossos capitais se refugiam em aplicações no Caribe. A juventude é mobilizada para o mercado.
A degradação das
instituições republicanas, a perda de prestígio do homem público, o repúdio
à política como exercício de cidadania guardam uma relação perversa de
realimentação com o cenário supra descrito. * Carlos Lessa, economista, é professor titular aposentado do Instituto de Economia da UFRJ. Foi reitor da UFRJ (2002) e presidente do BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social).
Fonte: Folha de S. Paulo, 18/3/08.
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