Brasil
É o que o governo
federal gastou em viagens no ano passado. O governo anunciou, na semana passada, que pretende cortar de 5% a 10% dos gastos do Executivo com despesas de viagem. A iniciativa é digna de aplausos. E seria ainda mais louvável não fosse um detalhe: ela só foi tomada depois que jornais divulgaram o volume recorde de despesas registrado no ano passado com transporte, pagamento de diárias e uso de cartões de crédito corporativos por parte de funcionários do governo em viagens de caráter oficial. O total dos gastos – 1,1 bilhão de reais – é três vezes e meia o que foi investido, por exemplo, no Ministério da Cultura em 2004 e daria para bancar 34 programas como o Primeiro Emprego, anunciado como uma das prioridades do governo Lula. É muito dinheiro. É certo que ninguém governa dentro de gabinetes. O presidente e seus ministros precisam viajar para o exterior, entre outros motivos, para "vender" o Brasil e atrair investimentos para ele. Da mesma forma, assessores e funcionários de ministérios têm de se locomover pelo país e fora dele para, por exemplo, recolher informações que abasteçam seus superiores e os ajudem na tomada de decisões. O que é anormal é que o governo tenha levado tanto tempo para descobrir que a metodologia que ele vem usando para administrar os gastos com viagens carece de dois elementos fundamentais: racionalidade e transparência. Apenas um exemplo: no ano passado, o Ministério da Saúde, sozinho, gastou em compras de passagens aéreas e locomoção 74 milhões de reais – dinheiro suficiente para bancar todo o Programa de Infra-Estrutura de Transportes, que promove a construção e manutenção de rodovias e ferrovias. Parece demais – e é. Com esse dinheiro, o ministério poderia lotar com servidores mais de um Airbus 320 todos os dias do ano em viagens entre Brasília e São Paulo. Há, provavelmente, algo de errado aí. Ocorre que ao contribuinte é permitido apenas suspeitar da existência de erro (ou coisa pior), já que fiscalizar é impossível. O Sistema Integrado de Administração Financeira (Siafi), uma espécie de livro contábil on-line que mostra os gastos do governo, só pode ser acessado por parlamentares. Mesmo assim, no caso das despesas de viagem, as informações disponíveis são de caráter genérico. As passagens não são lançadas individualmente – só os pagamentos mensais de cada órgão aparecem na tela. Detalhes básicos, como o nome do funcionário que viajou e o motivo da missão, permanecem ocultos. No ano passado, o deputado distrital Augusto Carvalho (PPS-DF) solicitou à Controladoria-Geral da União que essas informações passassem a constar das planilhas do Siafi. Não obteve resposta até hoje. Para o deputado, a modestíssima meta de reduzir em 10% as despesas de funcionários públicos federais com viagens poderia ser facilmente ampliada se o governo determinasse, por exemplo, que os prêmios de milhagem oferecidos por companhias aéreas passassem a ser creditados em favor da União, que é quem paga as passagens, e não em benefício do funcionário, que voa a trabalho. "Não é possível que, com um plano de austeridade, o governo não conseguisse economizar pelo menos outros 10% ou 20%", diz Carvalho. O sistema de cartões de crédito corporativos, hoje nas mãos de cerca de 3.000 funcionários públicos, consegue ser ainda mais obscuro que o da compra de passagens. Criados na gestão de Fernando Henrique Cardoso, os cartões deveriam servir para fazer face a despesas não previstas, como a compra emergencial de bilhetes aéreos ou o pagamento de refeições para convidados do governo. Em tese, dariam mais transparência aos gastos, já que a natureza das despesas fica discriminada nos extratos. O problema é que os cartões também servem para fazer saques em dinheiro. E esse recurso, que permite esconder o propósito dos gastos, vem sendo largamente utilizado por seus portadores. Em 2004, dos 13 milhões de reais que o governo gastou com os cartões, pelo menos 3,8 milhões saíram em forma de saque. Neste ano, o volume de saques já supera o de faturas: representa 63% do total de 4 milhões de reais gastos no primeiro trimestre. O gabinete da Presidência da República respondeu por 69% do total das despesas feitas por esses cartões no ano passado.
Ao contrário do Poder Executivo, o
Legislativo já dispõe de um sistema por meio do qual o contribuinte pode
tomar conhecimento das andanças dos parlamentares pelo mundo, bem como do
propósito de suas viagens. No site da Câmara dos Deputados, o link
"Transparência" relaciona todas as missões oficiais cumpridas pelos
parlamentares desde 2003. É possível saber, por exemplo, que os deputados
Robson Tuma (PFL-SP), Ciro Nogueira (PP-PI) e Henrique Eduardo Alves
(PMDB-RN) passaram quatro dias nos Estados Unidos, em março de 2004,
visitando uma feira internacional de helicópteros – com o auxílio de 4.200
dólares em diárias e, pelo menos no caso do deputado Tuma, com passagens
pagas pela Câmara. O site também informa que, em outubro do ano passado, o
deputado Gastão Vieira (PMDB-MA) passou cinco dias no Rio de Janeiro (dois
dos quais caíram em um fim de semana) com o propósito de prestigiar a
"Comemoração do Nascimento do Instituidor da Fundação Darcy Ribeiro".
Novamente, passagens e diárias foram pagas pela Câmara. O contribuinte pode
até não concordar com a relevância de tais compromissos, mas, no caso do
Legislativo, ao menos tem a chance de tomar conhecimento deles – e
espernear. Fonte: Revista Veja, Juliana Linhares, ed. nº 1899 de 06/04/2005. |