Crônica
Dá para conhecer as pessoas pela maneira com que elas tratam os bichos. Mas tem que ser um bicho nojento, como os sapos, por exemplo. A experiência não dá certo se o bicho for uma coisa muito bonitinha, como um passarinho, ou um filhote de cachorro. Todo mundo gosta de um passarinho ou de um filhote de cachorro. Se você está ali, passeando com seus filhos pelo jardim, e encontra um passarinho caído no chão, nas últimas mas ainda vivo, provavelmente você vai tentar fazer alguma coisa por ele, nem se for por causa das crianças. - Vamos levar pra casa, pai? - Mas ele está, ele está... - Ele está o quê, pai? - Hum, ele está muito doente e... - A mamãe cuida dele, pai! E você acaba levando o passarinho para casa, dá uma papinha, dá água, enrola num paninho, coloca numa caixa de sapato velha, e no dia seguinte tem que jogar o corpinho no lixo e mentir para os filhos que o passarinho saiu voando. - Quer dizer que sarou, pai? - É, quer dizer, mais ou menos. - Ele saiu voando para o céu, pai? - É, hum, de certa maneira, é, podemos dizer que sim. E a mesma coisa com um filhote de cachorro. Você pode ser o mais traiçoeiro dos bandidos, o mais sanguessuga dos deputados, mas não tem jeito de resistir a um filhotinho de cachorro. Você até que tenta bancar o durão, mas acaba pegando o bichinho no colo, fazendo tico-tico na barriga dele e, sem ninguém perceber, até deixa ele dar uma lambida na ponta do seu nariz. Agora, eu quero ver você fazer isso com um sapo. Ser bonzinho com bichos bonitinhos é fácil. Mas com um sapo as coisas já são bem diferentes. É quando um sapo aparece que a gente descobre como são realmente as pessoas que nos rodeiam. Tem aquelas que correm deles, o que demonstra, além da óbvia covardia, uma aversão a encarar as realidades da vida. Tem aquelas outras que simplesmente espantam os sapos com vassouras, o que revela um lado corajoso, porém nada prático, já que o sapo, provavelmente, voltará minutos depois. Tem aqueles também que jogam sal em cima dos bichos, o que evidencia uma grave propensão para seguir carreiras esquisitas como as de advogado, torturador ou carcereiro. E existem aqueles que simplesmente pisam em cima do bicho, chutam ele para o meio do mato e continuam sua caminhada, como se nada tivesse acontecido. Esses são os mais perigosos. Esses podem acabar até na presidência da república.
Fonte: Ag. Carta Maior, 18/10/2006 |