Demografia
O bê-á-bá da longevidade

 

Pesquisa mostra que os universitários são os que têm vida mais longa

Uma pesquisa recente conduzida pelas universidades Harvard e Princeton, nos Estados Unidos, deu pela primeira vez números a um fenômeno que havia décadas perturbava os demógrafos: as pessoas que passam mais tempo em sala de aula vivem mais – independentemente da classe social. Depois de um detalhado cruzamento das informações de 200 milhões de americanos, reunidas pelo censo, os pesquisadores concluíram que cada ano a mais de estudo resulta em mais sete meses de vida. A comparação entre um universitário e um adulto que não freqüentou os bancos escolares chama ainda mais atenção: com um diploma de ensino superior, vive-se, em média, mais oito anos. A pesquisa mostra que nenhum dos fatores que influenciam na expectativa de vida – entre eles sexo, raça, violência e renda das pessoas – tem tanto impacto na longevidade quanto a educação. Foge, portanto, da explicação aparentemente óbvia: como os mais letrados são também os mais ricos, eles teriam dinheiro para patrocinar os gastos com a própria saúde – o que faria aumentar automaticamente suas chances de uma vida longa. Isso esclarece apenas uma parte menor do problema. O estudo revela que a escola, por si só, tem papel decisivo na formação de um conjunto de hábitos que contribui para esticar os anos de vida – não importando o estrato social do qual saiu o aluno. "A passagem pela sala de aula induz a escolhas mais inteligentes e a uma postura de aversão ao risco na idade adulta", resume a economista Adriana Lleras-Muney, uma das autoras da pesquisa.

 

Foto: Louie Psihoyos/Getty Images
Formatura numa universidade americana: o diploma vale oito anos de vida

Um dos méritos do trabalho foi comprovar, com números, que a escola tem um poderoso efeito no modo como as pessoas cuidam da saúde. Os mais escolarizados são, de longe, os mais prevenidos. Um exemplo: os estudantes de ensino superior têm 35% mais probabilidade de submeter-se a um check-up do que um adulto que não venceu as primeiras séries do ensino fundamental. Os universitários são também os que mais batem ponto no consultório médico para tomar vacinas: 37% a mais do que os que passaram poucos anos na escola. Essas são conclusões que reforçam evidências colhidas em outros estudos sobre o mesmo assunto. Além de demonstrarem maior preocupação com a saúde, os estudantes mais graduados apresentam duas características que são benéficas a qualquer tratamento: a capacidade de compreender receitas e bulas e a obstinação em obedecer às recomendações médicas. Um dos resultados mais contundentes veio de uma pesquisa coordenada pelo demógrafo americano James Smith. Depois de observar um grupo de 1.400 diabéticos submetidos a tratamento durante dez anos, ele constatou que os pacientes com passagem mais longa pela escola jamais desistiram do tratamento – nem mesmo nos momentos difíceis. Conclui Smith: "Os mais escolarizados têm a cabeça menos imediatista, mais voltada para o futuro".  

O estudo das universidades Harvard e Princeton comprova a existência de uma relação direta entre níveis elevados de escolaridade e a tomada de decisões mais racionais no cotidiano. No detalhado mapeamento dos hábitos que distinguem o grupo dos mais instruídos dos que praticamente não freqüentaram a escola, descobre-se, por exemplo, que os universitários estão mais acostumados a utilizar o cinto de segurança. A cada ano que uma pessoa permanece em sala de aula, suas chances de usar o cinto crescem 4,5%. Há evidências também de que a sala de aula contribui para a formação de hábitos mais saudáveis à mesa e para a prática regular de atividades físicas. É o que explica um dos números mais impressionantes do estudo: quatro anos a mais na escola faz despencar em 20% a probabilidade de uma pessoa tornar-se obesa. Ainda segundo a pesquisa americana, quem evolui no ambiente acadêmico tem possibilidade menor de desenvolver maus hábitos, entre eles o vício do álcool, do cigarro e das drogas – nesse último caso, os que possuem diploma de ensino superior estão 12% menos inclinados a se tornar dependentes de drogas do que os estudantes que desistiram da sala de aula no ensino médio.

Foto: Orlando Filho/Diário do Grande ABC
Escola em São Caetano: campeã brasileira em longevidade

 

Estudos realizados na Suécia, na Inglaterra e na Dinamarca já haviam concluído que existe uma forte relação entre o investimento em educação e o aumento na expectativa de vida. Nesses países, o governo decidiu adicionar uma série ao ensino obrigatório (aquele que o Estado garante por lei). A avaliação sistemática do impacto dessa medida levou a duas constatações. A primeira era mais esperada. A maior permanência em sala de aula ajudou a elevar a escolaridade geral. A segunda constatação é a de que tal política contribuiu para o aumento da expectativa de vida nesses três países. No Brasil, uma pesquisa da Fundação Getulio Vargas também mediu o efeito da escola na expectativa de vida nos 5.500 municípios do país. A conclusão é semelhante à de suecos, ingleses e dinamarqueses. Nos municípios

que mais investem na escola, como São Caetano do Sul, em São Paulo, as pessoas vivem mais. Claro que, no Brasil, onde os mais ricos são sempre os mais escolarizados, é mais difícil isolar educação de renda. Ainda assim, o resultado dos estudos que atribuem à sala de aula um papel fundamental para a longevidade acrescenta um novo argumento para que os governantes invistam nas escolas brasileiras.

 
 

 

 

Fonte: Rev. Veja, Camila Antunes, ed. 1994, 7/2/2007.


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