Barra limpa para candidato com ficha suja

 

 

Governo e oposição se unem no Senado para engavetar proposta que impede candidatura
de políticos com problema na Justiça


Tende a ir por água abaixo o esforço do grupo de trabalho formado pelos senadores Pedro Simon (PMDB-RS), Demóstenes Torres (DEM-GO) e Jarbas Vasconcelos (PMDB-PE), com o apoio do presidente da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado, Marco Maciel (DEM-PE), para impedir que candidatos com ficha suja na Justiça disputem cargos eletivos.

Líderes do governo e da oposição se articulam para evitar que a proposta seja votada pelo Plenário da Casa. Excluído das prioridades da próxima semana, a última reservada a votações antes do recesso, o projeto deve seguir fora da pauta também no segundo semestre. A tendência é que seja votado pela CCJ e permaneça na gaveta por um longo período. 

“Acho difícil [que a proposição seja votada ainda este ano], porque não houve consenso. Pelo contrário, houve um dissenso grande”, afirma o líder do PSDB no Senado, Arthur Virgílio (AM), para quem a questão deve ser aprimorada no médio prazo. “Temos de preparar o país não só para a próxima eleição, mas para as próximas. É a democracia que vai transcender as nossas vidas, queremos um Brasil democrático para os nossos bisnetos, não para nós.”

A intenção de Demóstenes, Simon e Jarbas é promover alterações na Lei Complementar 64/1990, a chamada Lei das Inelegibilidades, que atualmente permite a candidatos que não tenham sido condenados de forma definitiva (em última instância) a concorrer a eleições majoritárias (presidente, governador, senador e prefeito) ou proporcionais (deputados – federais, estaduais ou distritais – e vereadores).

Ano eleitoral

Os senadores da CCJ querem que políticos já condenados por improbidade administrativa, corrupção, crimes eleitorais e aqueles com punições superiores a dez anos de prisão, em qualquer instância, sejam impedidos de concorrer a pleitos eleitorais.

A despeito da disposição do grupo de trabalho da CCJ, a matéria esbarrará nas circunstâncias do ano eleitoral, avaliam líderes partidários. Baixo quórum em ano eleitoral e extensa lista de matérias “mais importantes” à espera de votação, segundo eles, são algumas dessas barreiras.

“Há uma lista extensa de matérias importantes para serem votadas no segundo semestre. Além disso, as eleições deste ano devem tomar muito tempo dos senadores”, observa o líder do DEM no Senado, José Agripino (RN), acrescentando que será muito difícil a aprovação da matéria ainda neste ano.

Dois líderes governistas que falaram ao Congresso em Foco foram mais sucintos em seus comentários. O líder do governo no Senado, Romero Jucá (PMDB-RR), disse considerar difícil que a matéria seja aprovada ainda neste ano em plenário, e acrescentou que as mudanças deveriam se dar por meio de uma “reforma política mais ampla”.

Já a líder do PT no Senado, Ideli Salvatti (SC), considera possível que senadores apreciem e votem o texto das proposições, mas só na hipótese de que se confirme o “ímpeto” de “votações impossíveis” verificado nos últimos meses na Casa. “É fato que as eleições deste ano atrapalham”, resumiu Ideli, para quem há outras matérias que podem ocupar o restante da pauta legislativa até o fim do ano.

O Congresso só deve retomar a normalidade dos trabalhos a partir da segunda quinzena de outubro, o que inviabiliza a apreciação de todas as matérias em pauta tanto na Câmara quanto no Senado.

Morosidade

O senador Cristovam Buarque (PDT-DF), membro da CCJ, lamentou a “lentidão” dos colegas em relação ao assunto. “É uma vergonha que a gente não aprove logo o projeto do senador Demóstenes. A opinião pública não consegue entender por que a gente tanto demora a votar medidas moralizadoras”, reclamou, destacando que, por causa de comportamentos dessa natureza, a sociedade “tem todo o direito de aumentar a desconfiança que tem em relação ao Congresso”.

Outro que ficou frustrado com o pouco empenho dos pares na análise da matéria foi o senador Pedro Simon. Segundo ele, um acordo foi rompido na reunião de ontem da comissão. “Nós suspendemos na terça-feira passada [24], dizendo que hoje [ontem] seria o primeiro item, e que se votaria“, criticou Simon, dizendo ser “quase impossível” que a matéria seja aprovada no Senado até o recesso, e até o fim do ano, na Câmara. 

Simon sugere que os tribunais sejam obrigados a julgar todos os processos contra candidatos antes do registro das candidaturas nas convenções partidárias.

O senador Alvaro Dias (PSDB-PR) lembrou à reportagem que, mesmo que fossem aprovadas ainda neste ano, as alterações na Lei de Inelegibilidade não prevaleceriam para as eleições municipais de outubro. “Se não for possível votar no segundo semestre, que se vote no próximo ano, porque valerá para 2010.”

Unificação  

A CCJ promoveu ontem a primeira reunião para tentar unificar cerca de 30 proposições que versam sobre o assunto. O objetivo, segundo Simon, é tentar aproveitar as principais alterações que as propostas apresentam à Lei de Inelegibilidade, no sentido de moralizar ao máximo o processo eleitoral no país. “Há uma expectativa boa.”

Relator do projeto de lei complementar que pretende alterar a Lei 64/90, Demóstenes Torres diz que, graças às brechas jurídicas existentes acerca da questão, como os recursos protelatórios, muitos dos crimes dos candidatos terminam em prescrição (encerramento do prazo para a sentença). E, graças a esses mesmos recursos, eles podem concorrer às eleições em seus redutos.

“Estamos criando instrumentos que obrigam a Justiça a julgar o mais rapidamente possível. O projeto modifica aquela idéia do trânsito em julgado, em que a condenação só surte efeito depois de passar por todos os tribunais”, explicou Demóstenes, lamentado que a proposição já tenha opositores no plenário do Senado. “Muita gente já chiou com o projeto.”

Para o senador goiano, ex-procurador-geral de Justiça do estado de Goiás, a proibição para registro de candidatura em casos de condenação em primeiro grau é o principal fator de rejeição entre seus pares.

Na exposição de motivos de seu substitutivo, Demóstenes aponta a necessidade de “depuração” do homem público. E que, da mesma forma que magistrados devem ter a vida pública ilibada – um dos requisitos analisados na sabatina feita pelos senadores aos ministros indicados para compor os tribunais superiores –, políticos também devem ter conduta imaculada para serem aceitos no Parlamento.

Contra-senso

O imbróglio jurídico em torno da questão deve-se a três interpretações diferentes sobre inelegibilidade: a da Constituição Federal, a da própria lei que trata do assunto e a de uma emenda constitucional editada em 1994. A Carta Magna leva em conta o direito de ampla defesa, ou seja, considera que ninguém pode ser considerado culpado até que o processo tenha “trânsito em julgado” (sentença definitiva, sem possibilidade de recurso).

Já a emenda de 1994 diz que uma lei complementar – no caso, a Lei das Inelegibilidades – deve estabelecer os termos a respeito da “vida pregressa” dos candidatos. No entanto, nada há na referida lei, aprovada em 1990, que impeça a candidatura de políticos condenados em decisões passíveis de recurso.

É exatamente essa adequação na lei que pretende o grupo de trabalho criado na CCJ para tratar do assunto.

O princípio da “presunção de inocência”, segundo Demóstenes, seria o motivo pelo qual sua proposição, caso seja chancelada pelas duas Casas legislativas, corre o risco de ter sua constitucionalidade questionada no Supremo Tribunal Federal (STF). Mas alguns juristas defendem que a presunção não pode se sobrepor à moralidade na administração pública, como o presidente do Tribunal Regional Eleitoral do Rio de Janeiro, desembargador Roberto Wider.

O desembargador argumenta que a presunção de inocência vale apenas para o direito penal, mas que no âmbito da Justiça eleitoral prevalece o preceito constitucional da moralidade. E diz que vai barrar candidatos com pendências judiciais, mesmo que amparados por decisão do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), que garante aos que não foram condenados em última instância a concorrer a cargos eletivos (leia mais).

“Meu Deus do céu, triste o país que precisa de uma lei para dizer que o princípio da moralidade se exige. É questão de bom senso. Ninguém consegue fazer um concurso público para qualquer órgão da administração pública sem provar que tem vida limpa. Só político não precisa?”, questionou Wider, em entrevista publicada na última segunda-feira (30) no jornal O Estado de S.Paulo. 

Em 2006, o TRE-RJ vetou o registro de seis candidatos com ficha suja sem sentença condenatória definitiva – um deles acusado de ter cometido 25 homicídios. Todos reverteram a decisão da corte regional junto ao TSE, mas nenhum foi eleito.    

“Populismo”

Na última terça-feira (1º), o presidente do STF, ministro Gilmar Mendes, fez duras críticas à divulgação, por parte de entidades de classe como a Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB), de listas de candidatos que tenham algum tipo de complicação com a Justiça. Durante entrevista coletiva convocada para divulgar um balanço das atividades da corte no primeiro semestre, o magistrado disse ser “populismo” elaboração e produção da “lista suja” (leia mais).

“Eu tenho horror a populismo e muito mais a populismo de índole judicial. Então, eu não me animo a ficar fazendo esse tipo de lista porque eu tenho medo de cometer graves injustiças”, disse Gilmar Mendes, sem fazer menção nominal à AMB ou qualquer outra entidade.

Na ocasião, Mendes jogou a responsabilidade pela divulgação para o Congresso, a sociedade e a imprensa. “A comunidade que se organize, os partidos políticos que façam a sua seleção, a imprensa que publique e assuma as suas responsabilidades”, bradou, dizendo não ver com “entusiasmo” tal tarefa para órgãos judiciais e lembrando que o Tribunal Superior Eleitoral já rejeitou realizar a divulgação da lista.

Ao Congresso em Foco, o presidente da AMB, o juiz estadual Mozart Valadares Pires, disse que a entidade não recuará da idéia de divulgar a lista. “Iremos divulgar. Não tenha dúvida disso.” Para ele, trata-se de um direito da sociedade à informação e um dever do servidor público divulgá-la.

“Tenho o maior respeito pelo ministro Gilmar Mendes, mas nesse aspecto eu discordo dele. Isso é um direito da sociedade, do cidadão saber o comportamento não só dos políticos, mas de todos os homens públicos do país”, argumentou Mozart, para quem o termo “populismo” foi indevidamente usado por Mendes.

“Eu sou remunerado pela sociedade, e tenho deveres para com a sociedade. E a sociedade tem o direito de saber o meu comportamento no exercício na função de magistrado, assim como o do parlamentar. Isso [a divulgação da lista] vem em favor da cidadania, da democracia, é uma informação pública.”

Lista na rede

Na contramão do que acontece no Senado, outras entidades de classe, a exemplo da AMB, também se mobilizaram para moralizar o processo eleitoral brasileiro.

A Confederação Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) preparou um abaixo-assinado reivindicando justamente a ampliação dos efeitos da Lei das Inelegibilidades para políticos corruptos. A lista foi entregue ao presidente do TSE, Carlos Ayres Britto, que elogiou a iniciativa.  

Levantamento divulgado há três semanas pelo Congresso em Foco revelou que um em cada quatro parlamentares é alvo de investigação no Supremo. Ao todo, 145 parlamentares respondem a 288 investigações na corte. Em 94 casos, os ministros e o procurador-geral da República encontraram elementos para transformar 42 deputados e seis senadores em réus (leia mais).

Na semana passada, o Tribunal de Contas da União (TCU) entregou ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE) uma lista com o nome de cerca de 3.100 autoridades públicas cujas contas foram julgadas irregulares. Com a relação em mãos, a Justiça pode declarar a inelegibilidade de candidatos. 

 

Fonte: Congresso em Foco, Fábio Góis, 2/7/08.

 


Coletânea de artigos


Home