Bancada ruralista a um passo da vitória
O Senado pode aprovar, nesta terça-feira (8), uma medida provisória que beneficia grileiros de terras na Amazônia Legal. A medida triplica o tamanho de áreas públicas utilizadas por posseiros que serão regularizadas sem licitação. Fruto da negociação do governo com o setor agropecuário, a MP teve objeção na Câmara apenas do PV e o PPS. (leia mais) Sem representantes desses partidos no Senado, a medida pode ser facilmente aprovada. “Eu olho essa MP com uma visão crítica. Em muitas dessas terras, houve a expulsão de camponeses, até de forma violenta, e agora terão as terras legalizadas”, argumenta o senador José Nery (Psol-PA), uma das poucas vozes contrárias à matéria no Senado. Aprovada na Câmara no dia em que a ex-ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, reassumiu sua cadeira no Senado (13 de maio), a MP 422/07 é cópia do Projeto de Lei 2278/07 (leia mais), do deputado integrante da bancada ruralista Asdrúbal Bentes (PMDB-PA). Uma das posições mais aguardadas é a da senadora Marina Silva (PT-AC). À frente do Ministério do Meio Ambiente quando a medida foi editada pelo ministro Guilherme Cassel (Desenvolvimento Agrário), a petista pode acompanhar o governo e defender os interesses ambientalistas. Procurada pelo Congresso em Foco, a senadora estava em viagem à Espanha, onde participou no fim de semana do lançamento do livro Palavra da Água – novas estratégias para reduzir o desmatamento na Amazônia. Marina é autora de um dos capítulos do livro em que defende a preservação da floresta Amazônica. A assessoria de imprensa não soube definir a posição da senadora em relação à matéria. Sem a posição de Marina, setores ligados ao meio ambiente temem que a medida seja aprovada. “No Senado, a representação dos latifundiários é muitos forte. O próprio Jucá [Romero, líder do governo na Casa] foi um dos articuladores da MP. O lobby para a aprovação é forte”, avalia o consultor do Greenpeace João Alfredo, ex-deputado federal pelo Psol. A votação pegou os ambientalistas de surpresa. Entidades da área esperavam que a matéria fosse apreciada somente no segundo semestre. Segundo João Alfredo, as entidades preparavam mobilizações apenas para agosto. “Não esperávamos. É uma medida extremamente perigosa. Dispensando a licitação, você garante a legalização de terras que podem ter sido adquiridas por documentos falsos”, afirma o consultor. Concessão de uso Para o coordenador do Greenpeace no Brasil, Paulo Adario, que está à frente da campanha Amazônia desde 2001, por trás da justificativa social da medida há interesses ruralistas. “É uma descaracterização do problema social da região e um reconhecimento do status quo, em que o ocupante irregular não é punido”, argumenta Adario, que compara a medida ao processo de legalização de condomínios em áreas urbanas. “Porque é incompetente e inoperante o Estado deixa o problema acontecer e depois regulariza”, explica. Adario estima que só no Pará cerca de oito mil títulos serão emitidos. “Pensando em termos de 1.500 hectares, poderíamos dizer que mais de 10 milhões de hectares de terras do Estado serão repassados ao invés de o governo fazer um esforço de combater a ocupação irregular de terras”, exemplifica. O ambientalista defende a concessão do direito de uso da terra rural para sanar parte dos problemas agrários na Amazônia Legal. “Não é uma questão de a União retomar as terras. Grande parte é ocupada por comunidades que buscam oportunidades. É preciso reconhecer a presença dos ocupantes e dar o título de concessão de uso. Assim você tira o imóvel da ilegalidade, permite usá-lo, mas não perde o patrimônio que é da União”, avalia Adario. “E o proprietário não pode vender ou alugar o imóvel”, completa. “Solução da Amazônia” Dos 500 hectares atuais em que é permitida a regularização de terras rurais com dispensa de licitação, passa-se a permitir a legalização de 15 módulos fiscais. O módulo varia de acordo com a região, mas 15 módulos fiscais equivalem a aproximadamente 1.500 hectares. Um dos argumentos dos que defendem a medida é que serão beneficiadas famílias de pequenos e médios produtores. A pequena propriedade tem até quatro módulos fiscais, enquanto a média propriedade pode chegar a 15. “Serão benefícios para pequenos produtores. Mil e quinhentos hectares vão dar uns 500 alqueires. Isso não é grande propriedade”, afirma o senador Expedito Júnior (PR-RO). O parlamentar classifica a MP 422 como a “solução da Amazônia”. Para ele, a falta de regularização na região prejudica os trabalhos de fiscalização e, por sua vez, incentiva o desmatamento. A área regularizada, segundo ele, ajuda no controle daquele espaço. “A partir do momento em que você sabe quem ocupa a terra, a fiscalização pode multar quem desmatar. Do jeito que é hoje, quando a fiscalização vem, o sujeito foge e abandona a terra e ninguém sabe quem está lá”, argumenta. “Mas não adianta só fazer a MP. Precisa fazer uma força-tarefa para cadastrar as propriedades”, defende. Favorável à medida, o senador João Pedro (PT-AM), admite, no entanto, que o aumento da área ultrapassa os hectares destinados a pequenos produtores da agricultura familiar, responsável por cerca de 70% do consumo alimentar interno no Brasil. “A agricultura familiar não consegue trabalhar com uma área dessa ordem [15 módulos]”, confirma. João Pedro salienta que a medida não irá atrapalhar a reforma agrária. "A medida não interfere nos trabalhos do Incra, que distribui terras de 100 hectares", justifica. Desmatamento Paulo Adario do Greenpeace avalia que com a mudança haverá aumento no desmatamento. “Tendo o título, o proprietário poderá, por lei, desmatar 20% da sua propriedade. Não sendo dono da terra, ele pensa duas vezes antes de desmatar. Hoje ele não o faz por medo de ser punido”, justifica. De acordo com o Código Florestal brasileiro (Lei 4771/65), a propriedade rural na Amazônia deve ter 80% de sua área de reserva legal. A reserva legal é a área em que não é permitido o desmatamento (corte raso de madeira), mas pode ser utilizada através do uso sustentável, ou seja, para a exploração do ambiente desde que haja preservação dos recursos e da biodiversidade. Na contramão dos ambientalistas, o governo argumenta que o aumento da área rural regularizada permitirá que uma maior extensão seja destinada à reserva legal. Ainda que admita que o Código Florestal não tem sido cumprido, o senador Flexa Ribeiro (PSDB-PA), um dos grandes defensores da medida, argumenta a favor da idéia. “Vai aumentar o espaço de reserva legal”, garante. Flexa Ribeiro é autor do Projeto de Lei 6424/07, um dos principais alvos de críticas dos ambientalistas. O projeto prevê uma possível redução na área da reserva legal e flexibiliza a lei, possibilitando que a reposição florestal, hoje feita apenas por espécies nativas, seja realizada por qualquer espécie. “O PL está sendo desvirtuado pelos ambientalistas. Não há previsão de derrubada de uma única árvore”, argumenta o senador. Regularização Na avaliação de Flexa Ribeiro, a MP 422 vem sanar um dos maiores problemas da Amazônia Legal, a falta de regularização fundiária. O senador justifica que sem a legalização fundiária fica impossibilitada a realização do zoneamento econômico ecológico da região, instrumento de gestão territorial que permite estabelecer qual área será preservada, qual terá uso sustentável (explorado com restrições), e em qual será possível realizar corte raso de madeira (desmatamento), além de outros formas de uso. “Com isso, poderá se definir o eixo de desenvolvimento da região”, defende. Segundo dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), cerca de 9% da bioma amazônico tem ocupações antrópicas (feita pelo homem). Dessa área, 98% é propriedade rural destinada à pecuária ou agricultura. Os estados do Mato Grosso e Pará são os que apresentam as maiores áreas destinadas a essas atividades. A Amazônia Legal engloba nove estados brasileiros pertencentes à Bacia Amazônica. Além do estado do Amazonas, fazem parte os estados do Acre, Amapá, Mato Grosso, Pará, Rondônia, Roraima, Tocantins e parte do Maranhão. A área, de aproximadamente 5.217.423 km², corresponde a 61% do território brasileiro. A ocupação da Amazônia Legal teve um grande impulso na década de 70, com a chegada de pecuaristas à região. Ainda nessa época, passaram a migrar, em especial para Carajás (PA) – uma das maiores províncias minerais do mundo – pessoas em busca de ouro, havendo também a ocupação das margens da rodovia Transamazônica (BR-230), que atraiu centenas de trabalhadores para a região. Concentração de terras Segundo estudo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), divulgado em janeiro de 2007, o boom da agricultura de exploração se deu na década de 90, com a chegada à região de grandes fazendeiros, em especial produtores de soja. Junto com os pecuaristas, o grupo é responsável pela maior parte do desmatamento da região, conforme apontou o estudo. Hoje, mais da metade da população que habita a Amazônia Legal tem origem em outros estados, em especial Nordeste e Sul do país. De acordo com o IBGE, o nível de concentração fundiária na região da Amazônia Legal é maior do que em outras regiões. Segundo o levantamento, 18% dos municípios da fronteira agrícola amazônica estão acima da média nacional, 48% apresentam média concentração e 52% atingiram índices de alta concentração. “A retrospectiva da ocupação da Amazônia vem do período Vargas, em especial com a migração de soldados da borracha. Houve um incentivo para a migração para a região. Mas muitos se aproveitaram disso para grilar terras”, justifica o professor Argemiro Procópio, do Instituto de Relações Internacionais da Universidade de Brasília (UnB). Especialista em questões sociais nas regiões
fronteiriças da Amazônia, Procópio defende que a MP legitima o processo de
grilagem. “Essa facilidade do governo legalizar o ilegal desincentiva os que
caminham na legalidade. Essa medida provisória é parcial. Ela tem a única
vantagem de acabar formalmente com o ilegal, mas não rompe com o ciclo da
ilegalidade”, argumenta. Fonte: Congresso em Foco, Renata Camargo,8/7/2008.
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