Avaliar para formar

 

Docentes modificam a avaliação para integrar ensino e aprendizado.
Avaliação formativa é focada no acompanhamento do desempenho do aluno

Teorias, fórmulas, soluções para problemas, maneiras autônomas de construir o conhecimento. Sejam quais forem os conceitos que você cultiva como educador, é possível saber o que cada aluno aprende nas suas aulas? Existe uma forma personalizada e justa de mensurar o que o estudante da sua disciplina aprende e aprimora durante o período letivo?

Cada vez mais, docentes do Ensino Superior acreditam que, se a resposta dessas questões é positiva, ela não passa apenas pela avaliação tradicional - ou avaliação somativa, aquela em que o aluno precisa demonstrar os seus conhecimentos adquiridos durante um ano ou um semestre em uma única prova, que às vezes é sua única chance de conhecer as expectativas e o estilo de correção do professor. No método tradicional, essa prova também é a única chance de o docente "medir" o conhecimento do aluno e julgar se ele merece a aprovação, sem ter a possibilidade de repassar conceitos e de descrever melhor para a classe os detalhes do seu desenvolvimento.

A alternativa para esse método pode estar numa avaliação que, ao invés de medir ou julgar, se preocupe em formar melhor. O conceito de avaliação formativa se baseia nas idéias de pedagogos como Philippe Perrenoud, que defende que se deixe de priorizar o único aspecto considerado pela avaliação somativa tradicional - a atribuição de um "juízo de valor" ao conhecimento do aluno -, e que se passe a valorizar outras esferas importantes do processo de ensino/aprendizado, como a relação de parceria autônoma entre professor e aluno na construção do conhecimento. Por meio de um acompanhamento contínuo e diferenciado, pretende-se considerar o processo de aprendizado do estudante em sua forma plena e, além disso, permitir que o próprio professor aprimore continuamente suas estratégias de ensino.

A professora do Departamento de Matemática da UCS (Universidade Caxias do Sul) Isolda Giani de Lima passou a modificar seus métodos de avaliação em 1999, quando introduziu recursos de informática na sua disciplina. "Comecei a fazer perguntas sobre os exercícios em um software de comunicação com os alunos e descobri que eles tinham grandes dificuldades para escrever", conta. Preocupada com as demandas do mercado, Isolda e mais alguns professores da instituição, com auxílio do Centro de Apoio Pedagógico da universidade, buscaram formas de fazer com o que os estudantes aprendessem a se comunicar melhor. "Qualquer profissão cobra a capacidade de ter idéias e argumentos bem formulados", afirma a professora. "Por isso, chegamos à conclusão de que era necessário atualizar as nossas propostas. Hoje, se um aluno me pergunta como deve redigir ou apresentar um trabalho, eu respondo 'faça de conta que eu sou sua gerente'".

Desde então, Isolda passou a pesquisar maneiras de fazer com que os estudantes aprendessem a organizar seus argumentos nas avaliações. "A idéia desse método é criar um processo por meio do qual o aluno se envolva, pense, argumente e perceba que é autor do seu aprendizado". Segundo a professora, para utilizar a avaliação como estratégia integrada a esse processo, é preciso planejar aulas e atividades diferenciadas. "Tentamos considerar os exercícios realizados pelo estudante de forma plena, inseridos no contexto da sua evolução pessoal" afirma Isolda. Ela inclui no seu planejamento atividades pré-prova e de auto-avaliação, que são utilizadas na hora de conceituar os alunos (veja quadro comparativo no fim da matéria). Com isso, eles têm a possibilidade de entender melhor as expectativas do docente em relação a cada conteúdo abordado, e adquirem também a chance de avaliar as dificuldades e os benefícios das suas escolhas. "A nota é o resultado de vários instrumentos - dos exercícios semanais, da auto-avaliação, da retomada de conceitos que o aluno faz depois da prova, que se antes valia 10 ou nada, agora vale seis".

A prova tradicional não deixou de fazer parte do programa de Matemática da UCS. "O que tentamos fazer desconstrui-la como aquele elemento que só vale zero ou dez. Ao invés de desmotivar o aluno, ela deve se tornar um espaço de estudo", conta Isolda. Um exemplo de como isso acontece: ao invés de propor que os alunos resolvam problemas matemáticos, ela pede que eles expliquem as razões de uma solução previamente apresentada, estimulando-os a pensar na essência dos conceitos que estudaram. Na hora da correção, a professora discute com os alunos os seus erros mais comuns, e eles apresentam estratégias e novas formas de solução para os problemas. Tudo isso consta na avaliação final, que é tabulada e discutida com a classe, para que cada estudante entenda os caminhos da sua evolução.

Sobre a resistência dos alunos ao método de avaliação adotado, Isolda afirma: "essa prática da aula diretiva do professor, em que o aluno resolve coisas encomendadas, com uma resposta padrão, ainda é muito forte. Quebrar paradigmas não é fácil". Ela conta que, na sua disciplina, a avaliação formativa requer um envolvimento maior dos alunos com o curso, já que as provas vão cobrar o entendimento da essência de conceitos, e não mais a aplicação de fórmulas. "No começo, o que eu mais escuto dos alunos quando peço uma questão dissertativa é a reclamação de 'em Matemática não é preciso escrever'. Mas, no final, eles mesmos percebem uma diferença na qualidade da aprendizagem, e se compreendem mais proprietários desse conhecimento", diz Isolda.

O futuro da Avaliação Formativa

Isolda e seus colegas perceberam que não são apenas os alunos que têm resistência ao método diferenciado de avaliacão. No entanto, o ímpeto do grupo em convencer os outros professores a adotarem suas práticas mudou após a visita do pedagogo Rafael Porlán à UCS, para um encontro voltado à formação profissional. "Ele aconselhou que fundamentássemos nossas práticas, que construíssemos uma metodologia sólida de avaliação. E que passássemos a valorizar a diversidade que queríamos promover na sala de aula também entre os docentes na nossa IES", conta Isolda. "Acho que os professores agem de acordo com aquilo que eles acreditam. Cada um tem uma caminhada. Acreditamos que esse é um bom jeito de trabalhar, mas a universidade é mesmo um lugar de diversidade em todos os aspectos."

A professora do Departamento de Metodologia da Faculdade de Educação da USP (Universidade de São Paulo) Cecília Hanna Mate afirma que tem grande preocupação em manter a coerência entre discurso e prática na sala de aula - ela é professora de Didática de futuros licenciados em disciplinas como Biologia, História e Letras, e defende a avaliação formativa como forma de auxiliar os alunos a se desenvolverem nos diferentes aspectos do aprendizado. "Esse é um tipo de avaliação que serve tanto para o aluno quanto para o professor, já que ela abre um espaço para que possamos melhorar as nossas práticas pedagógicas", afirma Cecília.

O formato de avaliação adotado por Cecília também permeia diferentes momentos do período letivo. No curso de Didática, os alunos são motivados a estudar diferentes autores nas cinco primeiras aulas. Depois disso, acontece a primeira avaliação, que consiste na redação em dupla de um texto sobre educação com tema livre, sob a luz dos conceitos estudados. "Como muitos alunos estão no terceiro ou quarto ano, muitos deles trazem questões do seu dia a dia como educadores para essa avaliação. O resultado é excelente e muitos deles ficam surpresos com o quanto acabam aprendendo com esse trabalho". O restante da nota é composto por uma aula-modelo, que cada aluno prepara de acordo com a disciplina em que está se formando, e com as horas de estágio individual.

Para lidar com a expectativa dos alunos acostumados a lidar com métodos de avaliação tradicionais, Cecília explica esses processos para os alunos logo no início do período letivo. "É nesse momento que eu expresso com clareza como eu pretendo trabalhar, e já aviso que eles não vão se submeter a notas muito exatas". A professora tenta ensinar as dinâmicas das práticas pedagógicas de maneira empírica, cultivando no curso a importância da construção conjunta de conhecimento e do espaço de discussão entre professor e aluno. "Apesar dessa palavra estar quase esvaziada de tão repetida, afirmo que essa é uma estratégia baseada no diálogo. Para que o aluno aprenda, é preciso que a conversa entre ele e o professor flua".

 

 

Fonte: Universia Brasil, 23/1/2007.


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