Confira a íntegra da entrevista que o novo presidente da
Capes, Carlos Roberto Jamil Cury, concedeu ao Universia Brasil.
Universia.net - Quais são suas prioridades à frente da
Capes?
Carlos Roberto Jamil Cury
- Pretendo deixar meu toque pessoal na Capes, mas existe um provérbio no
esporte que diz que em time que está ganhando não se mexe. Ou seja,
existem situações que, se têm dado certo, devem permanecer. A intensa
participação da comunidade científica na condução e na direção da Capes
é um exemplo disso. Inclusive, é por causa dessa participação que a
agência tem dado certo há um bom tempo.
Gosto do nome da Capes: coordenação. Quero ser um coordenador,
alguém que seja capaz de articular as demandas da comunidade científica.
Acho que a função dela é essa: formar no Brasil uma comunidade
científica competente, lúcida, esclarecida e compromissada. Apesar do
meu objetivo principal ser dar continuidade, não vou esquecer o outro
nome da Capes, que é aperfeiçoamento. Ela é, como instituição, uma
agência de aperfeiçoamento. Eu, como presidente, tenho que buscar os
caminhos para atingi-lo.
U - Quais seriam estes caminhos?
CRJC - Pretendo ter um contato mais próximo com as grandes
áreas de conhecimento científico que estão representadas na Capes:
Ciências Biológicas e Ciências da Saúde, Ciências Biológicas e Ciências
Agrárias, Ciências Exatas e da Terra e Engenharias, Ciências Sociais
Aplicadas e Ciências Humanas, Linguística, Letras e Artes.
U - Como o senhor manterá este contato?
CRJC - Primeiro, farei uma reunião com o Conselho Superior da
Capes, que está acima do presidente. Depois, com a instância que fica
abaixo do Conselho Superior e do presidente, que é o CTC (Conselho
Técnico Científico). Mas também pretendo ir mais embaixo para conversar
com os representantes de cada área. Esse será meu esforço inicial: ouvir
o Conselho, o CTC e os representantes.
U
- Quais são os principais pontos que devem ser modificados
no atual sistema de avaliação?
CRJC - Durante a última gestão, ocorreram importantes inovações
no modelo de avaliação de pós-graduação, como a mudança de bianual para
trianual e a criação de uma avaliação continuada. Mas algumas coisas
ficaram pendentes. O que vou procurar fazer é uma variação da avaliação.
Ou seja, verificar os diferentes impactos que as inovações tiveram em
cada área e fazer uma análise individual para ver quais precisam de
mudanças e quais podem continuar como estão, pois as áreas de
conhecimento têm tempo de existência diferentes e programas com ritmos
diferenciados. Acredito que, se a antiga administração continuasse,
também gostaria de fazer isso.
U - Pode citar algum exemplo?
CRJC - Existe um ponto que tenho certeza que precisamos
delimitar melhor. O chamado NRD-6 (Núcleo de Referência Docente). A
escala número seis determina que os professores tenham dedicação
integral aos programas. No entanto, essa definição, que parece óbvia,
causa impactos diferenciados de acordo com as culturas institucionais
das diferentes áreas do conhecimento. O significado de dedicação
integral em uma pesquisa de Artes certamente é diferente do significado
em uma de largo porte feita em laboratórios. Outro ponto que deve ser
tocado, que posso falar pela minha área (Ciências Humanas), é a dúvida
quando ao tempo de duração dos programas de mestrado. Por exemplo: será
que uma tese sobre Kant ou uma pesquisa de caráter antropológico está
bem dentro dos 24 meses exigidos como tempo de titulação? Isso é um
pouco diferente em cada área. Precisamos, portanto, delimitar melhor o
que deve ser comum a todas e o que pode ser diferenciado, como o NRD-6 e
a duração de uma pós.
Quero pensar também no diferente impacto das publicações de acordo
com as áreas. Para se atribuir uma nota de avaliação a um programa,
leva-se em conta o fato de ter sido publicado em revistas internacionais
indexadas em inglês, por exemplo. Um trabalho publicado pode conseguir
uma nota seis ou sete, em uma escala que vai de um a sete. No entanto, é
preciso analisar isso detalhadamente. Por exemplo: se um pesquisador
consegue emplacar um trabalho em uma revista renomada, mesmo que
nacional, em uma área que o Brasil ainda não tem tradição, pode
significar maior reconhecimento do que outro que publica em uma revista
internacional, em área que o país já possui representatividade no meio
acadêmico.
U - Há demanda para estas possíveis mudanças?
CRJC - Claro que há! E é por isso que pretendo ouvir todas as
instâncias. Aprendi no CNE (Conselho Nacional de Educação) que as
pessoas, quando ocupam cargos dessa natureza, têm que ser bastante
ouvintes e muito menos faladoras.
U - Existem muitos questionamentos quanto a como qualificar
a pós-graduação latu sensu. O senhor tem alguma idéia de como
fazer isso? Há alguma solução imediata?
CRJC - Esta matéria foi regulada pelo CNE, na resolução
01/2001. Está entre as minhas preocupações levá-la de volta a ele para
tentarmos delimitar um pouco mais esta área. A princípio, ficou mesmo no
âmbito dos chamados cursos livres. Acredito que é interessante voltar a
esta questão para descobrir se não vale a pena tentar definir alguma
certificação para estes cursos.
U - Como esta delimitação pode ser feita?
CRJC - Poderíamos começar a pensar naquelas instituições que
querem, explicitamente, dar um caráter mais oficial a esses cursos. As
que não querem e que preferem continuar como cursos livres têm à
disposição a resolução 01/01. Antes de discutir com o Conselho essa
matéria é preciso debater o tema, porque, a partir do momento que foi
definido como curso livre, emite um certificado que tem somente valor de
mercado. Fica na dependência de quem o propõe e de quem o aceita. Foge
daquilo que a LDB (Lei de Diretrizes e Bases da Educação) chama de
educação escolar como tal. Ou seja, foge do âmbito da educação básica,
do ensino superior e da própria pós-graduação que, por ser strictu
sensu, emite um diploma de validade nacional.
U - Com relação às bolsas, o senhor pretende mexer nos
critérios de seleção?
CRJC - Por hora, vou manter do jeito que está. Mas tenho
certeza que quando propuser uma discussão com os representantes de área
e disser "liste os cinco principais problemas para discutirmos hoje", um
deles será o de cota de bolsas.
U - Por quê?
CRJC - Principalmente a partir de 96, quando a LDB obrigou
todas as instituições de caráter universitário a ter, até 2004, um
terço, no mínimo, do seu corpo docente com pós-graduação strictu
sensu, o crescimento dos programas acelerou muito. Esta norma
acarretou uma corrida enorme das instituições aos programas oficiais
credenciados pela Capes. Mas estes não foram ampliados porque,
infelizmente, a determinação coincidiu com a crise fiscal do Estado
Brasileiro. Então, o número de candidatos e programas não têm crescido
na mesma velocidade. Além de existir esta falta de recursos, a avaliação
feita pelos programas é muito rigorosa; não podem simplesmente liberar
vagas. O teor de excelência, que é muito seletivo, deve ser mantido.
Houve demanda de abertura de novos programas e, com todo critério, a
Capes conduziu como foi possível essa ampliação.
Atualmente, discutir cotas de bolsas é, em primeiro lugar, partir
do existente e ver quais são as possíveis alternativas. É claro que se
eu tiver chance de brigar, vou brigar para aumentar. Mas é claro também
que devemos fazer isso com todo o critério, dialogando com as outras
áreas e vendo as possibilidades de maior reforço da própria
pós-graduação. Sabemos que as cotas de bolsas, de fato, representam o
estímulo mais importante para a manutenção de estudantes de pós.
U - Existe alguma hipótese de diminuir o rigor de avaliação?
CRJC - Não, não existe esta possibilidade. Mas, ao mesmo tempo,
não podemos impedir a expansão. Se a própria legislação impõe um número
mínimo de professores formados com mestrado e doutorado, precisamos dar
condições para que isto aconteça. Essa é a tensão que existe entre o
constrangimento normativo imposto e a seletividade necessária para que
os programas sejam de qualidade.
U - Com quem pretende conversar sobre este tema?
CRJC - Terei que falar diretamente com o MEC (Ministério da
Educação).
U - É fato que os recursos existentes atualmente não são
suficientes para atender a todos os bons projetos apresentados. Em
quanto seria necessário aumentar o orçamento para que boas propostas não
deixem de ser contempladas?
CRJC - Não tenho idéia de quantos processos deixam de ser
aceitos e de quanto precisaria ser maior o orçamento para atender a
todos. Preciso primeiro, agora que estou aqui, estudar o tema para,
depois, pensar nisso com mais informações em mãos. Principalmente porque
a maior parte dos programas de pós-graduação pertence à área pública,
que está debaixo da crise.
Do ponto de vista interno, o orçamento da Capes, que é de pouco
mais de R$ 500 milhões, é direcionado quase exclusivamente (92%) para as
atividades fim, ou seja, bolsas e fomento. Portanto, apenas 8% vão para
as atividades meio. O portal da Capes, que é alimentado 24h por dia,
absorve cerca de 5% deste restante, destinados principalmente à
assinatura dos principais periódicos científicos internacionais para a
comunidade acadêmica. Então, só 2% ficam para as atividades
administrativas mesmo. Desde a época que fui representante da área de
educação das Ciências Humanas, no final da década de 80, que a parte
administrativa da Capes é extremamente enxuta.
U - O sistema de pós-graduação deve ser facilitado ou
incentivado nas IES privadas?
CRJC - Não, elas devem se adequar ao exigido pela Capes. Dentro
do sistema de pós-graduação, a avaliação ocupa um papel crucial. É por
conta da avaliação que conseguimos ter esse parque de elite científica
compromissada no país. A responsabilidade pela abertura de novos
programas parte dos representantes de área. Quando chega um pedido,
existe uma processualística bastante complexa e minuciosa para não
apenas autorizar, mas sobretudo credenciar um programa. O pedido passa
por vários escalões, por uma comissão formada sobretudo por membros da
comunidade cientifica, do CTC e do Conselho Superior. Conseguir o
credenciamento é algo bem espinhoso e as instituições que o conseguem
consideram uma glória. É mais ou menos como obter um ISO na área
privada.
A LDB exige das IES, públicas ou privadas, além do mérito, da
excelência, da existência de um suporte orgânico de pesquisa, que ela
ofereça condições de financiamento. Então, sobretudo quando se trata da
expansão da pós no âmbito das privadas, há uma determinação em lei que
solicita das instituições que possuam capacidade de auto-financiamento.
Talvez algumas tenham condições gerais, mérito, mas não tenham como
auto-financiar um sistema de pós. Além disso, também é preciso que as
IES tenham uma clara disposição de manutenção do programa.
U - Mas existem instituições privadas que se
adequem a todas essas exigências?
CRJC
- Existe na Capes o Prosup (Programa de Suporte à Pós-Graduação de
Instituições de Ensino Superior Particulares), que é voltado
explicitamente às IES privadas que revelem em seu organograma a
possibilidade de instalação de um programa de pós-graduação de teor de
excelência. Mas exige que haja a contrapartida da instituição, ou seja,
que seja possível o auto-financiamento e a manutenção. Portanto, são
elas que devem se prontificar e conseguir se enquadrar nas exigências
existentes.
U - As privadas podem ter um papel especial em
alguma área da pós-graduação?
CRJC
- Não, elas entram no padrão de qualidade. É aí que está a marca da
Capes: ao receber um pedido de credenciamento, ela analisa mérito,
competência e compromisso. Têm que atender a essas exigências. Não
acredito que elas devam ter um papel analiticamente diferente. A lei diz
que o padrão de qualidade independe do caráter administrativo da
instituição. O que temos que colocar na frente é o padrão de qualidade:
ver se a IES tem mérito e se já tem um espírito de pesquisa, se o
programa é promissor, se é de teor de excelência.
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