Avaliação da pós será personalizada

 

Membro do CNE, professor da PUC-MG e aposentado pela UFMG, Carlos Roberto Jamil Cury não pensa em mexer nos critérios de seleção de bolsas, mas sabe que precisa ampliar a concessão das mesmas


Estudar as individualidades das áreas do conhecimento científico presente na Capes (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior) e particularizar a maneira de avaliar cada uma é a mudança primordial da nova gestão da instituição segundo seu novo presidente, o professor Carlos Roberto Jamil Cury. "Quero dar continuidade ao que tem sido feito, que está muito bom, mas pretendo deixar meu toque pessoal. Vou definir quais pontos se encaixam em todas as áreas e quais devem ser especializados", diz.

Além disso, Cury garante que não pensa em mexer nos critérios atuais de seleção para concessão de bolsas, embora reconheça que o número de bolsas concedidas deve aumentar, e que as IES interessadas, públicas ou privadas, têm que se adequar às normas existentes. Destacou também que tentará delimitar "um pouco mais" o sistema existente de avaliação de pós-graduação latu sensu, os chamados cursos livres.

Cury, que recebeu o convite para o cargo durante uma festa familiar, conta que levou "o maior susto da sua vida" ao receber o telefonema da secretária de Ensino Fundamental, Maria José Seres. "Era algo que não estava dentro do meu horizonte de forma nenhuma. Achei que era gozação. Fiquei com a barriga gelada - ela continua gelada ainda, menos, mas continua". Apoiado pelos amigos e pela família, o professor aposentado da UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais) e atualmente docente da PUC-MG (Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais), decidiu aceitar a função depois de duas conversas com o ministro da Educação, Cristovam Buarque.
Presidente da Câmara de Educação Básica do CNE (Conselho Nacional de Educação), Cury teve longa participação na pós-graduação brasileira. "Fui bolsista, coordenador de programa, sou professor em um programa de pós-graduação, fui representante de área e trabalhei em algumas comissões da Capes, fiz estudos específicos sobre a história da instituição. Conheço bem a área e vou me empenhar muito para aperfeiçoar o sistema atual", afirma.


Confira a íntegra da entrevista que o novo presidente da Capes, Carlos Roberto Jamil Cury, concedeu ao Universia Brasil.

Universia.net - Quais são suas prioridades à frente da Capes?

Carlos Roberto Jamil Cury - Pretendo deixar meu toque pessoal na Capes, mas existe um provérbio no esporte que diz que em time que está ganhando não se mexe. Ou seja, existem situações que, se têm dado certo, devem permanecer. A intensa participação da comunidade científica na condução e na direção da Capes é um exemplo disso. Inclusive, é por causa dessa participação que a agência tem dado certo há um bom tempo.

Gosto do nome da Capes: coordenação. Quero ser um coordenador, alguém que seja capaz de articular as demandas da comunidade científica. Acho que a função dela é essa: formar no Brasil uma comunidade científica competente, lúcida, esclarecida e compromissada. Apesar do meu objetivo principal ser dar continuidade, não vou esquecer o outro nome da Capes, que é aperfeiçoamento. Ela é, como instituição, uma agência de aperfeiçoamento. Eu, como presidente, tenho que buscar os caminhos para atingi-lo.

U - Quais seriam estes caminhos?

CRJC - Pretendo ter um contato mais próximo com as grandes áreas de conhecimento científico que estão representadas na Capes: Ciências Biológicas e Ciências da Saúde, Ciências Biológicas e Ciências Agrárias, Ciências Exatas e da Terra e Engenharias, Ciências Sociais Aplicadas e Ciências Humanas, Linguística, Letras e Artes.

U - Como o senhor manterá este contato?

CRJC - Primeiro, farei uma reunião com o Conselho Superior da Capes, que está acima do presidente. Depois, com a instância que fica abaixo do Conselho Superior e do presidente, que é o CTC (Conselho Técnico Científico). Mas também pretendo ir mais embaixo para conversar com os representantes de cada área. Esse será meu esforço inicial: ouvir o Conselho, o CTC e os representantes.

U - Quais são os principais pontos que devem ser modificados no atual sistema de avaliação?

CRJC - Durante a última gestão, ocorreram importantes inovações no modelo de avaliação de pós-graduação, como a mudança de bianual para trianual e a criação de uma avaliação continuada. Mas algumas coisas ficaram pendentes. O que vou procurar fazer é uma variação da avaliação. Ou seja, verificar os diferentes impactos que as inovações tiveram em cada área e fazer uma análise individual para ver quais precisam de mudanças e quais podem continuar como estão, pois as áreas de conhecimento têm tempo de existência diferentes e programas com ritmos diferenciados. Acredito que, se a antiga administração continuasse, também gostaria de fazer isso.

U - Pode citar algum exemplo?

CRJC - Existe um ponto que tenho certeza que precisamos delimitar melhor. O chamado NRD-6 (Núcleo de Referência Docente). A escala número seis determina que os professores tenham dedicação integral aos programas. No entanto, essa definição, que parece óbvia, causa impactos diferenciados de acordo com as culturas institucionais das diferentes áreas do conhecimento. O significado de dedicação integral em uma pesquisa de Artes certamente é diferente do significado em uma de largo porte feita em laboratórios. Outro ponto que deve ser tocado, que posso falar pela minha área (Ciências Humanas), é a dúvida quando ao tempo de duração dos programas de mestrado. Por exemplo: será que uma tese sobre Kant ou uma pesquisa de caráter antropológico está bem dentro dos 24 meses exigidos como tempo de titulação? Isso é um pouco diferente em cada área. Precisamos, portanto, delimitar melhor o que deve ser comum a todas e o que pode ser diferenciado, como o NRD-6 e a duração de uma pós.

Quero pensar também no diferente impacto das publicações de acordo com as áreas. Para se atribuir uma nota de avaliação a um programa, leva-se em conta o fato de ter sido publicado em revistas internacionais indexadas em inglês, por exemplo. Um trabalho publicado pode conseguir uma nota seis ou sete, em uma escala que vai de um a sete. No entanto, é preciso analisar isso detalhadamente. Por exemplo: se um pesquisador consegue emplacar um trabalho em uma revista renomada, mesmo que nacional, em uma área que o Brasil ainda não tem tradição, pode significar maior reconhecimento do que outro que publica em uma revista internacional, em área que o país já possui representatividade no meio acadêmico.

U - Há demanda para estas possíveis mudanças?

CRJC - Claro que há! E é por isso que pretendo ouvir todas as instâncias. Aprendi no CNE (Conselho Nacional de Educação) que as pessoas, quando ocupam cargos dessa natureza, têm que ser bastante ouvintes e muito menos faladoras.

U - Existem muitos questionamentos quanto a como qualificar a pós-graduação latu sensu. O senhor tem alguma idéia de como fazer isso? Há alguma solução imediata?

CRJC - Esta matéria foi regulada pelo CNE, na resolução 01/2001. Está entre as minhas preocupações levá-la de volta a ele para tentarmos delimitar um pouco mais esta área. A princípio, ficou mesmo no âmbito dos chamados cursos livres. Acredito que é interessante voltar a esta questão para descobrir se não vale a pena tentar definir alguma certificação para estes cursos.

U - Como esta delimitação pode ser feita?

CRJC - Poderíamos começar a pensar naquelas instituições que querem, explicitamente, dar um caráter mais oficial a esses cursos. As que não querem e que preferem continuar como cursos livres têm à disposição a resolução 01/01. Antes de discutir com o Conselho essa matéria é preciso debater o tema, porque, a partir do momento que foi definido como curso livre, emite um certificado que tem somente valor de mercado. Fica na dependência de quem o propõe e de quem o aceita. Foge daquilo que a LDB (Lei de Diretrizes e Bases da Educação) chama de educação escolar como tal. Ou seja, foge do âmbito da educação básica, do ensino superior e da própria pós-graduação que, por ser strictu sensu, emite um diploma de validade nacional.

U - Com relação às bolsas, o senhor pretende mexer nos critérios de seleção?

CRJC - Por hora, vou manter do jeito que está. Mas tenho certeza que quando propuser uma discussão com os representantes de área e disser "liste os cinco principais problemas para discutirmos hoje", um deles será o de cota de bolsas.

U - Por quê?

CRJC - Principalmente a partir de 96, quando a LDB obrigou todas as instituições de caráter universitário a ter, até 2004, um terço, no mínimo, do seu corpo docente com pós-graduação strictu sensu, o crescimento dos programas acelerou muito. Esta norma acarretou uma corrida enorme das instituições aos programas oficiais credenciados pela Capes. Mas estes não foram ampliados porque, infelizmente, a determinação coincidiu com a crise fiscal do Estado Brasileiro. Então, o número de candidatos e programas não têm crescido na mesma velocidade. Além de existir esta falta de recursos, a avaliação feita pelos programas é muito rigorosa; não podem simplesmente liberar vagas. O teor de excelência, que é muito seletivo, deve ser mantido. Houve demanda de abertura de novos programas e, com todo critério, a Capes conduziu como foi possível essa ampliação.

Atualmente, discutir cotas de bolsas é, em primeiro lugar, partir do existente e ver quais são as possíveis alternativas. É claro que se eu tiver chance de brigar, vou brigar para aumentar. Mas é claro também que devemos fazer isso com todo o critério, dialogando com as outras áreas e vendo as possibilidades de maior reforço da própria pós-graduação. Sabemos que as cotas de bolsas, de fato, representam o estímulo mais importante para a manutenção de estudantes de pós.

U - Existe alguma hipótese de diminuir o rigor de avaliação?

CRJC - Não, não existe esta possibilidade. Mas, ao mesmo tempo, não podemos impedir a expansão. Se a própria legislação impõe um número mínimo de professores formados com mestrado e doutorado, precisamos dar condições para que isto aconteça. Essa é a tensão que existe entre o constrangimento normativo imposto e a seletividade necessária para que os programas sejam de qualidade.

U - Com quem pretende conversar sobre este tema?

CRJC - Terei que falar diretamente com o MEC (Ministério da Educação).

U - É fato que os recursos existentes atualmente não são suficientes para atender a todos os bons projetos apresentados. Em quanto seria necessário aumentar o orçamento para que boas propostas não deixem de ser contempladas?

CRJC - Não tenho idéia de quantos processos deixam de ser aceitos e de quanto precisaria ser maior o orçamento para atender a todos. Preciso primeiro, agora que estou aqui, estudar o tema para, depois, pensar nisso com mais informações em mãos. Principalmente porque a maior parte dos programas de pós-graduação pertence à área pública, que está debaixo da crise.

Do ponto de vista interno, o orçamento da Capes, que é de pouco mais de R$ 500 milhões, é direcionado quase exclusivamente (92%) para as atividades fim, ou seja,  bolsas e fomento. Portanto, apenas 8% vão para as atividades meio. O portal da Capes, que é alimentado 24h por dia, absorve cerca de 5% deste restante, destinados principalmente à assinatura dos principais periódicos científicos internacionais para a comunidade acadêmica. Então, só 2% ficam para as atividades administrativas mesmo. Desde a época que fui representante da área de educação das Ciências Humanas, no final da década de 80, que a parte administrativa da Capes é extremamente enxuta.

U - O sistema de pós-graduação deve ser facilitado ou incentivado nas IES privadas?

CRJC - Não, elas devem se adequar ao exigido pela Capes. Dentro do sistema de pós-graduação, a avaliação ocupa um papel crucial. É por conta da avaliação que conseguimos ter esse parque de elite científica compromissada no país. A responsabilidade pela abertura de novos programas parte dos representantes de área. Quando chega um pedido, existe uma processualística bastante complexa e minuciosa para não apenas autorizar, mas sobretudo credenciar um programa. O pedido passa por vários escalões, por uma comissão formada sobretudo por membros da comunidade cientifica, do CTC e do Conselho Superior. Conseguir o credenciamento é algo bem espinhoso e as instituições que o conseguem consideram uma glória. É mais ou menos como obter um ISO na área privada.

A LDB exige das IES, públicas ou privadas, além do mérito, da excelência, da existência de um suporte orgânico de pesquisa, que ela ofereça condições de financiamento. Então, sobretudo quando se trata da expansão da pós no âmbito das privadas, há uma determinação em lei que solicita das instituições que possuam capacidade de auto-financiamento. Talvez algumas tenham condições gerais, mérito, mas não tenham como auto-financiar um sistema de pós. Além disso, também é preciso que as IES tenham uma clara disposição de manutenção do programa.

U - Mas existem instituições privadas que se adequem a todas essas exigências?

CRJC - Existe na Capes o Prosup (Programa de Suporte à Pós-Graduação de Instituições de Ensino Superior Particulares), que é voltado explicitamente às IES privadas que revelem em seu organograma a possibilidade de instalação de um programa de pós-graduação de teor de excelência. Mas exige que haja a contrapartida da instituição, ou seja, que seja possível o auto-financiamento e a manutenção. Portanto, são elas que devem se prontificar e conseguir se enquadrar nas exigências existentes.

U - As privadas podem ter um papel especial em alguma área da pós-graduação?

CRJC - Não, elas entram no padrão de qualidade. É aí que está a marca da Capes: ao receber um pedido de credenciamento, ela analisa mérito, competência e compromisso. Têm que atender a essas exigências. Não acredito que elas devam ter um papel analiticamente diferente. A lei diz que o padrão de qualidade independe do caráter administrativo da instituição. O que temos que colocar na frente é o padrão de qualidade: ver se a IES tem mérito e se já tem um espírito de pesquisa, se o programa é promissor, se é de teor de excelência.

 

Fonte: UniversiaBrasil - 22/01/2003.


 

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