À comunidade universitária
A preservação da autonomia das Universidades Estaduais Paulistas
Conceito
presente nos estatutos universitários brasileiros desde a década de 30
do século XX, a autonomia universitária veio a consagrar-se como
princípio constitucional na Carta Magna de 1988. Foi nas Universidades
Estaduais Paulistas, entretanto, que, a partir de 1989, esse princípio
foi aplicado em sua plenitude com a instituição do regime de autonomia
financeira com vinculação orçamentária, viabilizando a autonomia
administrativa e reforçando as prerrogativas – em muitos aspectos já
existentes – da autonomia didático-científica e da indissociabilidade
entre ensino, pesquisa e extensão.
Destinou-se às
três instituições do sistema paulista – USP, Unicamp e Unesp – uma
cota-parte sobre a arrecadação do ICMS estadual tomando-se por base a
média orçamentária de cada uma. Essa medida foi de fundamental
importância para o exercício da autonomia plena e para o inegável
êxito da experiência paulista. À diferença do modelo anterior, em que
os recursos lhes eram repassados sob demanda, a autonomia trouxe a
incorporação de conceitos de gestão que antes eram impossíveis de
serem aplicados nas universidades, dada sua dependência umbilical do
controle centralizado e da política de liberações financeiras em
conta-gotas. E seu escopo, arrojado para a época e ainda hoje singular
no país, é permitir que as universidades paulistas se auto-administrem
tendo como parâmetros o comportamento da economia, a escolha de
prioridades e, principalmente, a responsabilidade no uso dos recursos
públicos.
Desde então, os
indicadores apresentados pelas estaduais paulistas são muito mais
significativos do que antes da autonomia. Seja do ponto de vista
qualitativo, seja quantitativamente, eles expressam uma evolução muito
acima do crescimento do orçamento das universidades em termos reais,
demonstrando de forma inequívoca a eficiência e a seriedade no uso do
dinheiro público. São sintomas de um ensino sólido, de uma extensão
que tem conseqüências sociais e de uma pesquisa muitíssimo mais
vigorosa que antes e muito mais apta a gerar conhecimento novo, o que
certamente explica por que, desde há alguns anos, as universidades
estaduais paulistas aparecem sistematicamente bem posicionadas nas
classificações internacionais. Explica também porque, juntas, as três
instituições respondem por mais de 50% da pesquisa acadêmica nacional
e porque seus cursos de graduação e de pós-graduação situam-se, na
média, entre os melhores do país.
Mais que isso,
ao longo desses anos as três universidades assumiram tarefas que vão
além das suas obrigações, mas se inserem no caráter público de seus
objetivos e foram viabilizadas pelo processo de autonomia vigente. O
exemplo mais marcante está na área da saúde, em que – tomando a peito
a difícil situação da saúde brasileira – arcam com o desafio ciclópico
de gerir complexos hospitalares muito maiores do que suas necessidades
de infra-estrutura para formar profissionais nos níveis de graduação e
pós-graduação.
Ao longo de
dezoito anos de vigência da autonomia plena, as Universidades
Estaduais Paulistas conviveram com sucessivos governos e diferentes
estruturas burocráticas – da extinta Secretaria de Ciência e
Tecnologia, Desenvolvimento Econômico e Turismo à atual Secretaria de
Ensino Superior –, mantendo íntegras suas prerrogativas de
administração própria.
Autônomas em
relação ao caixa único da administração direta – isto é, operando com
contas próprias, como afinal continua a acontecer –, as universidades
são fiscalizadas pelo Tribunal de Contas do Estado, não deixando,
todavia, de manter informado o Siafem (Sistema Integrado de
Informações Financeiras) estadual, mensalmente a partir de 1997 e
diariamente a partir de meados de 2007, proporcionando total
visibilidade a seus gastos e investimentos. Isto é importante porque,
com a vinculação de recursos e a possibilidade de remanejá-los
livremente, nossas universidades passaram a fazer políticas públicas
muito mais pertinentes que antes, de um lado por se acharem próximas
das demandas e necessidades sociais de suas regiões, de outro por
terem o poder de incluí-las nos projetos definidos por seus
planejamentos estratégicos.
Graças a essa
configuração da autonomia e também ao fato de que nossas universidades
formulam seus próprios programas didático-científicos, as mudanças
burocráticas do Estado, normais de um governo para outro, não têm o
poder de interferir no princípio constitucional da indissociabilidade
entre ensino, pesquisa e extensão, nem de alterar a correlação de
investimentos na pesquisa básica ou aplicada, conforme se especula. A
indissociabilidade é intrínseca à dinâmica de cada universidade e o
financiamento da pesquisa passa antes pela relação direta das de
nossas instituições com as agências de fomento, prática há muito
estabelecida e consagrada, dependendo muito mais da atuação dos grupos
de pesquisa e do incremento de políticas internas que, remotamente, do
redesenho do organograma das secretarias de Estado.
A defesa da
autonomia é legítima e deve ser mesmo um esforço permanente. Mas o
esclarecimento público deve incluir o fato de que as universidades
seguem administrando seus orçamentos, fazendo os remanejamentos
financeiros necessários, operando revisões de contratos de serviços e
realizando as contratações de pessoal previstas nos orçamentos
aprovados em seus Conselhos Universitários. Não se pode ignorar que o
contingenciamento de recursos foi suspenso há dois meses e os recursos
integralmente repassados às universidades. E que o Conselho de
Reitores (Cruesp), depois dos percalços iniciais, mantém sua
prerrogativa de negociar salários e definir políticas de interesse
comum das universidades.
Embora a
autonomia financeira esteja especificada em uma lei que se renova a
cada ano, e apesar dos temores despertados pelos movimentos iniciais
do novo governo, não há, neste momento, condições objetivas nem razões
para acreditar na interrupção do princípio constitucional em que se
baseia. Houve conversações e os entendimentos chegaram a bom termo.
Entre estes inclui-se a discussão em torno da implantação do projeto
de Previdência do Estado, a que o governo está obrigado pela reforma
constitucional de 2003 e em que o princípio da autonomia das
universidades estaduais foi resguardado no projeto de lei a ser votado
pela Assembléia Legislativa, assegurando a elas a prerrogativa de
conceder as aposentadorias e administrá-las, preservando-se assim, aos
que são detentores desse direito, a garantia de paridade e
integralidade dos vencimentos.
É importante ver
que a autonomia, ao mesmo tempo que libertou nossas instituições de
qualquer vinculação política, oferecendo à sociedade, em
contrapartida, a plena responsabilidade administrativa, reforçou seu
compromisso social e a identificação de seus programas de pesquisa e
de serviços com a missão primordial dessas instituições, que é o
ensino. A abundância de bons resultados demonstra não só a
conveniência de mantê-la como também de aprimorá-la, para que,
inclusive, continue servindo de modelo às demais universidades
brasileiras.
José Tadeu
Jorge
Reitor da Universidade Estadual de Campinas
Suely Vilela
Reitora da Universidade de São Paulo
Marcos Macari
Reitor da Universidade Estadual Paulista |