Assentamentos derrubam a
floresta Amazônica 

  

Cerca de 15% do desmatamento total na Amazônia Legal ocorreu em
áreas de reforma agrária

Levantamento feito pelo Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon) mostra que 15% do desmatamento registrado na Amazônia Legal até 2004 ocorreu dentro de assentamentos do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra).

O porcentual, segundo a organização, corresponde a 106.580 quilômetros quadrados – uma área equivalente à do Estado de Pernambuco.

Os resultados são baseados em registros do Incra de 1970 até 2002 e imagens de satélite do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) registradas entre 1997 e 2004, com o lançamento do projeto Prodes de monitoramento.

Por isso, antes da qualquer análise, é preciso considerar as limitações das datas.

"Não dá para dizer nada de 1997 para trás", diz o coordenador do estudo no Imazon, Carlos Souza Jr.

"Não dá para dizer que todo o desmatamento foi causado pelos assentamentos, porque é possível que algumas áreas já estivessem desmatadas antes disso."

Ainda assim, os dados confirmam uma impressão disseminada de que os assentamentos da reforma agrária também têm um papel significativo na destruição da floresta – ainda que muito menor do que o dos latifúndios de soja e gado.

Isso, sem contar o desmatamento praticado por invasores e outros pequenos agricultores em áreas não homologadas pelo Incra.

A intenção dos pesquisadores ao iniciar o estudo era avaliar o impacto ambiental da reforma agrária na Amazônia e verificar se os assentamentos estavam sendo formados sobre áreas de floresta – ao contrário de áreas já desmatadas por outras atividades.

Uma análise dos 343 assentamentos criados na região desde 1997 (de um total de 1.354) mostra que a maior parte deles se sobrepôs a áreas de floresta. Cada uma tinha, em média, 76% da área com cobertura florestal.

Em sete anos de uso, esse índice caiu para 66% (10% a mais de desmatamento).

"Se essa tendência continuou após 2002, há uma distorção muito grande entre as políticas de assentamento e de conservação ambiental", avalia Souza Jr.

"Os assentamentos deveriam priorizar áreas já desmatadas." Em regiões florestadas, em geral, as árvores são derrubadas para abrir espaço para a agricultura e a madeira é usada como capital para financiar a produção. "É muito difícil segurar a floresta."

No ranking estadual, Rondônia foi quem registrou o maior índice de desmatamento em áreas de assentamento: 71%. O Pará vem logo em seguida, com 52%, e Mato Grosso, com 48%.

O coordenador de Meio Ambiente do Incra, Marco Aurélio Pavarino, não contesta os dados, mas diz que a concepção dos assentamentos mudou muito nos últimos anos.

Já a partir de 2001, segundo ele, o licenciamento ambiental dos assentamentos passou a ser obrigatório, e muitos do projetos criados desde então passaram a incorporar conceitos de aproveitamento sustentável da floresta.

"Implantar um assentamento em área de floresta não é problema se você tiver uma visão diferenciada do uso da terra", afirma Pavarino.

Segundo ele, 75% dos assentamentos criados na região Norte em 2005 tiveram esse caráter "diferenciado", envolvendo atividades agroextrativistas (como a exploração de borracha e castanha) e de desenvolvimento sustentável (inclusive com a exploração de madeira).

O licenciamento ambiental, feito pelos órgãos estaduais de meio ambiente, incluem necessariamente a recuperação das áreas de reserva legal (80% da propriedade) e de preservação permanente, como as matas ciliares . "Boa parte dos assentamentos que criamos no país já tem um passivo ambiental estabelecido", observa Pavarino.

Segundo ele, o Incra tem R$ 26 milhões aprovados no orçamento deste ano para aplicação em ações de recuperação ambiental em áreas de assentamento.  

"Nunca tivemos isso", diz. "Não é suficiente para tudo, mas é o começo de uma nova visão sobre o impacto ambiental dos assentamentos."

Planejamento

Para o pesquisador Evaristo Eduardo de Miranda, chefe da Embrapa Monitoramento por Satélite, é preciso planejar muito bem um assentamento para que ele se torne produtivo, sem degradação ambiental.

Segundo ele, é essencial que os assentamentos sejam criados fora de áreas invadidas e de conflito, com planejamento adequado às vocações da terra e dos agricultores que serão assentados nela – por exemplo, com o mapeamento do solo e a identificação de áreas viáveis e inviáveis para a agricultura.

"Infelizmente, a urgência social não costuma deixar tempo para isso."

Miranda acompanha, há mais de 20 anos, o trabalho de 450 agricultores assentados em Machadinho d'Oeste (Rondônia) – um assentamento do Incra que virou município, com mais de 15 mil habitantes.

Em cada lote de 50 hectares, a equipe monitora 350 variáveis agrícolas, sociais e econômicas. "Teve gente que se deu muito bem, como gente que se deu muito mal", diz. "Há muitos fatores que influenciam."

A preservação da floresta, segundo ele, é garantida por uma área de reserva legal comum, localizada nos fundos de cada lote.

Esse é também o modelo defendido atualmente pelo Incra, com áreas florestais coletivas destinadas ao manejo florestal, além das áreas individuais de agricultura.

Pelo Código Florestal, na Amazônia, é permitido desmatar 20% de uma propriedade. Os outros 80% devem ser preservados como reserva legal.
 

Fonte: O Estado de S. Paulo, Herton Escobar, 18/3/06.


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