Ag. Carta Maior, Maringoni, 19/12/2006.

O ASSALTO DOS 90,7%
Sem imprensa, a cidadania fica indefesa

 

O clamor nacional contra o aumento de 90,7% nos vencimentos dos congressistas está sendo comandado pela mídia. Mais uma vez uma sociedade órfã, abandonada pelos poderes constituídos, e ainda por cima pisoteada por aqueles que deveriam representá-la, encontra na imprensa eco, consolo e amparo para vocalizar os seus sentimentos.

Não fosse a rapidez e a firmeza da reação de grande imprensa, a esta altura o assalto já estaria consumado, digerido e assimilado. Os "formadores de opinião" tão criticados ultimamente no universo chapa-branca voltaram a comprovar sua importância dentro de uma equação institucional onde impera o mandonismo e o compadrio (pessoal e/ou ideológico).

Tanto a Justiça como o Ministério Público se atrapalharam na hora de sacar as respectivas armas. [Em tempo (incluído às 12h35 de 19/2): na manhã de terça-feira, 19, o Supremo Tribunal Federal recomendou que a decisão sobre o aumento fosse tomada pelo plenário das duas Casas, por meio da apreciação de um decreto legislativo.] O Executivo, muito cândido, ainda tentou explicar que o assalto não produziria o chamado efeito-cascata nas assembléias estaduais e municipais. Depois, os círculos palacianos perceberam que qualquer desculpa funcionaria como um bumerangue revelando as impressões digitais dos mentores da jogada.

Os chamados "movimentos sociais" que, pelo nome, deveriam ser os primeiros a sair à rua em defesa do patrimônio público, simplesmente olham para o lado. Fingem que não é com eles. E não é mesmo, estão sendo rigorosamente transparentes: seu lado "social" restringe-se às palavras de ordem emanadas de uma central situada nas proximidades da esfera política onde se gesta a operação destinada a reeleger Aldo Rebelo e Renan Calheiros para a presidência das casas do Congresso.

Poder de reação

E aqui talvez resida a deficiência da reação jornalística, majoritariamente fixada no lado aberrante, o valor do auto-aumento. Apela-se para a emoção do cidadão, enfatiza-se o percentual aplicado, a soma das vantagens e privilégios dos congressistas, e fica em segundo plano a montagem da operação: sua origem, objeto e histórico (que remonta ao início do primeiro mandato e à eleição de Severino Cavalcanti).

O assalto não foi decidido por acaso. Havia objetivos claros, fins justificados e os meios foram considerados legítimos e infalíveis. Como sempre, alguma coisa deu errado: imaginava-se uma imprensa atarefada com os encargos natalinos ou intimidada pela recente refrega com o governo. Ou havia um grupo político interessado em melar a reputação do outro. Os analistas políticos logo saberão desvendar o que efetivamente aconteceu.

Impossível prever o desfecho, prematuro qualquer vaticínio a respeito da obstinação da banda boa do Congresso em anular o privilégio. Uma coisa está clara: a imprensa, mais uma vez, soube reagir. Resta saber se terá a tenacidade e a bravura para escapar das banalidades e da modorra do verão.

 

Fonte: Observatório da Imprensa, Alberto Dines, 19/12/2006.


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