Internet
Bruce Sterling |
"Um arrastão de significados"
(Copyright Folha de S. Paulo,
24/04/05) |
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"Costumávamos
depender dos filósofos para colocar o mundo em ordem. Hoje temos os
arquitetos da informação. Mas eles não estão fazendo o trabalho-nós
estamos.
Está acontecendo uma revolução na arte e ciência da categorização, e seu
nome é ‘folksonomy’ [algo como ‘gentenomia’], termo inventado pelo arquiteto
da informação Thomas Vander Wal. A ‘folksonomy’ se parece com a taxinomia, a
maneira tradicional de impor uma estrutura à pujante confusão da realidade
crua. Por exemplo, o ser humano conhecido como Thomas Vander Wal poderia ser
taxinomizado como reino Animalia, filo Chordata, subfilo Vertebrata, classe
Mammalia, subclasse Eutheria, ordem Primata, subordem Haplorini, família
Hominidae, gênero Homo, espécie sapiens.
Isso é exato, e os especialistas concordam em que é verdadeiro.
Infelizmente, para usar plenamente esse esquema, você precisaria ter
estudado anatomia comparativa e latim.
Uma ‘folksonomy’, por outro lado, surge espontaneamente enquanto os usuários
da internet encontram uma informação, pensam no que ela significa e a
rotulam com palavras descritivas. Então um software torna a informação
acessível por meio de uma simples busca por palavra-chave. Os resultados não
são definitivos ou científicos, mas podem ser muito úteis.
Entre no Google e digite ‘Thomas Vander Wal’. Pronto! A máquina de busca
habilmente rastreia as páginas da web ligadas a esse nome, e em pouco tempo
você pode saber não apenas sobre ele mas sobre as pessoas que se importam em
elogiá-lo ou condená-lo na rede. Quem fez o trabalho pesado? Certamente não
foram taxinomistas inteligentes navegando a corredeira de efemeridades da
internet. Foi um bando de pessoas interessadas - ’folks’, ou gente - e
máquinas trabalhando nos bastidores que acrescentaram um pouco de ‘nomia’
tecnológica.
A ‘folksonomy’ surge de uma combinação de duas invenções: 1) máquinas
capazes de automatizar, pelo menos em parte, o que é necessário para
classificar a informação; e b) um software social que torna os usuários
dispostos a fazer pelo menos parte do trabalho em troca de nada. Você
perceberá que ‘1’ e ‘b’ realmente não combinam.
A ‘folksonomy’ é assim. Uma pitada de trabalho gratuito e um punhado de
classificação mecânica o levarão de ‘1’ a ‘b’. Os exemplos estão
proliferando, como os sites de ‘bookmarking’ social del.icio.us, furl.net e
jots.com.
O serviço de compartilhamento de fotos Flickr domina o poder da ‘folksonomy’
para organizar uma poderosa torrente de imagens que fluem de câmeras
digitais, telefones e PDAs [computador pessoal portátil] do mundo todo. O
princípio é simples: é entediante nomear ou descrever os zilhões de
fotografias particulares que você tira todo ano, mas esse trabalho é muito
menos oneroso para pessoas que gostam de navegar pelas fotos on-line.
Processo democrático
Assim, o Flickr divide o mundo em categorias ‘populares’, que realmente
interessam ao público on-line. Na ‘Flickrland’, o mundo é composto de
arquitetura, praias, telefones-câmeras, cachorros, Europa, amigos,
lua-de-mel e assim por diante. Ninguém inventou esse esquema, e o melhor é
que é um processo constante e democrático. É um produto da interação de
grupo, como pegadas deixadas numa área virgem por uma manada de bisões.
A ‘folksonomy’ é quase inútil para procurar informação específica e acurada,
mas isso não interessa. Ela oferece um comportamento de rebanho muito barato
e assistido por máquinas; senso comum ao quadrado; uma corrida às nascentes
da semântica. É como se você jogasse um caiaque em um rio agitado e
deslizasse não apenas pelas páginas da web mas também por rótulos, conceitos
e idéias.
Isso não o levará a informações específicas, mas é novo e fascinante. Além
disso, é nativo da web. O Flickr inventou uma máquina de grudar globos
oculares -uma imensa projeção de slides na qual você pode colar seus olhos
no que outras pessoas poderiam chamar de ‘gelo’, ‘fogo’ ou ‘sexy’.
Resta ver se as ‘folksonomys’ vão implodir sob o peso do enorme número de
usuários ou vão sucumbir aos ataques malignos de parasitas e larápios. Nesse
caso, a criação de taxinomias desestruturadas provavelmente se afastará dos
usuários humanos em direção às máquinas; um software vai rastejar sobre cada
imagem da web, contar o tom e a intensidade de cada pixel, tirar vagas
pistas das estatísticas de tráfego e classificar a bagunça.
Máquinas escrupulosas
Os computadores não ‘sabem’ o que as imagens significam, mas eles nunca
desistem, trabalham 24 horas por dia e não são tão inescrupulosos quanto as
pessoas.
Em última instância, nenhum cérebro humano, nenhum planeta cheio de cérebros
humanos, poderia catalogar o oceano escuro e em expansão de dados que
produzimos.
Em um futuro de informação auto-organizada pela ‘folksonomy’, poderemos nem
ter palavras para o tipo de classificação que estará ocorrendo; como as
verificações matemáticas com 30 mil etapas, ela poderá estar além da
compreensão. Mas permitirá buscas vastas e incrivelmente poderosas. Não
surfaremos mais com as máquinas de busca. Faremos arrastão com as máquinas
de significado.
Bruce Sterling é um dos principais escritores norte-americanos de ficção
científica. É autor de ‘Reflexos do Futuro’ (Livros do Brasil),
‘Mirrorshades’ (Ace Books), entre outros. Este texto foi publicado na
‘Wired’. Tradução de Luiz Roberto M. Gonçalves."
Fonte: Observatório da Imprensa, Seção 'Entre
Aspas', 27/04/2005. |