Aprendendo a Ensinar
Aos poucos, a formação pedagógica vira pré-requisito para professores Até hoje, a formação pedagógica é vista por muitos - até mesmo pelos próprios pedagogos - como pertinente apenas para professores de ensino básico e fundamental. Mas esta concepção está mudando, e muitas universidades já adotam assessorias pedagógicas, workshops e cursos que ajudam os docentes a criarem novas metodologias de ensino, melhorar o relacionamento com os alunos, e aprimorar sua didática. Por muito tempo, foi considerado que bastava o professor ter competência técnica e uma boa qualificação em termos de conteúdo - título de doutorado, ser um pesquisador atuante, publicar muitos artigos científicos ou ser um profissional renomado no mercado - para ser considerado capaz de dar aulas na Universidade. No entanto, o surgimento de dificuldades no aprendizado do aluno fizeram da formação pedagógica uma necessidade latente. "O perfil dos alunos muda com o tempo. Os estudantes de hoje cresceram no mundo interativo da Internet. Quando ele chega para assistir a mesma aula expositiva que era dada há 20 anos, não vê sentido nela. O comportamento dele é totalmente diferente do aluno de 20 anos atrás. Nós, professores, precisamos nos atualizar para acompanhá-los", explica o pró-reitor de graduação da UFPB (Universidade Federal da Paraíba), Umbelino de Freitas Neto, que desde 2003 organiza anualmente três dias de oficina pedagógica para docentes de todas as áreas. O especialista em gestão universitária e ex-reitor da USP (Universidade de São Paulo), professor Roberto Leal Lobo, aponta ainda outras questões. Segundo ele, como o ensino se universalizou e mais gente hoje tem acesso à uma faculdade, o aluno entra com mais deficiências do que antigamente. Além disso, as turmas são heterogêneas, o que exige do professor uma postura diferenciada com cada um. O aluno precisa ser trabalhado. "Embora no Brasil haja pouca medida que comprove numericamente, a gente sabe que o índice de reprovação, evasão, e resultados negativos em exames nacionais como o da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) estava crescendo muito", diz Lobo. De acordo com segundo especialistas na área, as maiores reclamações dos alunos são: aulas entediantes, rotineiras e a relação autoritária do professor com o aluno. Resistência Desde os anos 90, quase todas as instituições - mesmo as públicas - já trabalham com metodologia do Ensino Superior, principalmente para professores recém contratados. "O problema é que, sozinha, esta disciplina não dá conta do recado. É preciso haver uma formação continuada e um acompanhamento permanente", diz a presidente do ForGrad (Fórum de Pró-Reitores de Graduação das Universidades Brasileiras), Ana Iório. O problema é que muitos professores universitários - principalmente os mais antigos e de universidades públicas - ainda não valorizam o investimento na capacitação pedagógica. E até apresentam resistência à idéia. "Muitas universidades privadas já têm esse tipo de treinamento, mas são poucas as públicas por conta do viés direcionado mais para a pesquisa do que para o ensino. Além disso, professor só gosta de avaliar, não de ser avaliado", afirma Lobo. No entanto, aos poucos, os docentes estão sendo pressionados a mudar de idéia porque, apesar de ainda não haver legislação que os obrigue a se capacitar nesse sentido, as discussões sobre o tema no meio acadêmico vêm ficando cada vez mais freqüentes e acaloradas. No XIX ForGrad, por exemplo, realizado em maio deste ano, houve um painel que tratou do tema "A formação do docente para Ensino Superior", apresentado por Betânia Ramalho, da UFRN (Universidade Federal do Rio Grande do Norte) e presidente da Anped (Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação). "O professor universitário nunca foi formado para ensinar. Ele é contratado e avaliado pelas IES a partir de um campo específico de competências. Os concursos públicos priorizam o domínio do conteúdo. É por isso que, hoje, a estrutura de ensino das universidades públicas está em desvantagem em relação à pesquisa, que está muito mais avançada. Isso é um grande problema", afirma Betânia, que acredita que a universidade está tardando demais a investir na estrutura de ensino porque é difícil desmontar uma tradição. "Mas já existe um movimento de renovação, puxado pelos especialistas da área da Educação, que revelam que algo precisa ser feito para modernizar a estrutura de Ensino, e o investimento é no docente. O conhecimento interdisciplinar exige cada vez mais do professor. Até porque, está havendo muita reclamação por parte dos alunos." A pressão para que os professsores busquem mais qualificação fica ainda maior uma vez que começam a surgir cases de sucesso neste sentido. Há desde aquelas que exigem que professores recém contratados na universidade, durante os dois primeiros anos - o chamado estágio probatório - façam disciplinas de caráter didático (como metodologia do Ensino Superior) - é o caso da UFC (Universidade Federal do Ceará), da UFPB e da UFRN (Universidade Federal do Rio Grande do Norte), até as que montaram centros permanentes de assessoria pedagógica - como a Furb (Universidade Regional de Blumenau) e a UCS (Universidade de Caxias do Sul) - e o IBMEC São Paulo, que manda alguns de seus professores para um treinamento pedagógico na Universidade de Harvard, nos Estados Unidos. Casos de Sucesso A UCS é vanguardista na iniciativa de implantar um centro que promove a qualificação pedagógica, o NPU (Núcleo de Pedagogia Universitária), criado em 1992. Os docentes são convidados a passar um semestre inteiro tendo encontros semanais com um professor-orientador, que acompanha toda a prática pedagógica deles e chama à reflexão sobre o tema. A partir dos apontamentos, o núcleo ajuda os mesmos a construírem novas práticas e saberes pedagógicos. Ao final, promovem um seminário onde os resultados são apresentados e discutidos com outros docentes. Além disso, o NPU realiza outras atividades, como oficinas pedagógicas sobre assuntos variados de interesse das diferentes áreas. E há assessorias pedagógicas permanetes, com pedagogos que orientam os professores de todos os cursos e centros (unidades que reúnem vários cursos de uma mesma área). "O docente não é obrigado a participar dessas atividades porque acreditamos que ele precisa querer mudar a prática pedagógica para fazê-lo. Então, eles são convidados. E, os que são mal avaliados pelos alunos são indicados pela coordenadoria", explica a pró-reitora de graduação da UCS e coordenadora do NPU, Nilva Stédile. Atualmente, 90% dos "docentes-alunos" são recém contratados, em estágio probatório. "No início todos os professores tinham muita resistência, especialmente os dos cursos de Direito e Medicina. Achavam que ter o título de mestre ou doutor bastava. Mas, no terceiro encontro, a resistência já diminuía e sempre acabavam mudando sua prática em algum grau. E, depois de 10 anos de trabalho, a resistência já tinha acabado porque todo mundo já entendeu do que se trata", conta Nilva. Desde que o NPU foi criado, 700 professores já passaram pelo seminário, os índices de reprovação nas matérias diminuiu, principalmente no Centro de Ciências Exatas, no qual passou de 15% para 10%, e a avaliação dos professores tem melhorado. Bem parecido ao sistema de orientação pedagógica do UCS é o sistema da Furb, implantado em 2002. A IES criou a figura de assessor pedagógico - que tem formação em pedagogia e mestrado em Educação - em cada Unidade Universitária. Eles têm uma forte articulação com a Pró-Reitoria de Ensino de Graduação no âmbito de planejamento e execução da formação docente nos cursos, centros e na universidade como um todo. Há várias modalidades de formação - desde aula inaugural, até conferências e oficinas. "O interesse dos docentes tem sido crescente. Temos 900 professores na Furb. No primeiro curso de formação que fizemos, há três anos, só 60 participaram. No último, realizado este ano, foram 530", conta a coordenadora geral dos assessores pedagógicos, Julice Dias. "Logo que iniciamos o trabalho, apenas 12% dos professores participavam das nossas atividades. E eles vinham com dez pedras na mão, contestavam tudo o que eu dizia, me chamavam de 'pedagogenta'. Muitos achavam bobagem a metodologia que queríamos transmitir, achavam que os alunos tinham só que resolver exercícios em aulas expositivas. E quando a coordenadoria do curso os indicava por terem sido mal avaliados pelos alunos, eles recebiam isso como uma 'bronca'. Mas depois viram que na verdade era uma assistência que estávamos dando a eles. Tanto que, hoje, 30% dos professores participam das nossas atividades, e muitos deles são meus parceiros na formação. Um deles, engenheiro químico, está fazendo até um projeto de pesquisa sobre o assunto", conta a assessora pedagógica do CCT (Centro de Ciências Tecnológicas), Clara Maria Furtado. A resistência foi diminuindo com o tempo também porque o trabalho dos pedagogos foi sendo aprimorado. "Nós sabíamos muito o discurso, mas na prática é tudo diferente. Além disso, nós da pedagogia aprendemos mais a trabalhar com o aluno criança. Tivemos que reformular nossas concepções e aprender como um aluno adulto funciona. Com o tempo fomos encontrando soluções, junto aos professores, de como tornar o discurso viável na prática, nos adequando à realidade deles. Fomos aproximando nossas lingüagens, evitamos alguns termos da pedagogia, aprendemos a fazer analogias com suas vivências ", explica. O IBMEC São Paulo, desde 2001, manda cerca de cinco professores por ano para a Harvard Business School para o curso de dez dias "Participant Centered Learning", que ensina um método de ensino centrado no aluno. "A idéia é tornar a aula mais discussão e menos exposição", explica o coordenador da graduação em Administração, Sérgio Lazarini. Ele explica que, de acordo com pesquisas internacionais, 24 horas depois de ter assistido uma aula expositiva, os alunos retém só 5% do conteúdo. Quando a aula é interativa, o índice de retenção sobe para 50%.
Mas Lazarini diz que
além de alguns professores resistirem, há resistência também por parte dos
alunos. "É que é muio mais difícil preparar uma aula interativa e ser um
condutor do grupo do que ir lá, apresentar alguns slides, contar uma piada
ou outra, e pronto. Por parte dos alunos, muitos têm a sensação de que o
professor não está ensinando, já que fica o tempo todo chamando-os a
participar", explica. Fonte: UniversiaBrasil, Bárbara Semerene, 24/07/2006. |